Como um estranho vórtice de fogo causou um mistério meteorológico

Um inferno giratório com ventos de 230 km/h deixou os cientistas desesperados para entender a causa desse fenômeno mortal.

Por Robin George Andrews
Publicado 31 de dez. de 2018, 09:30 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O fatal Incêndio Carr devasta floresta a oeste de Redding, Califórnia, em 30 de julho de ...
O fatal Incêndio Carr devasta floresta a oeste de Redding, Califórnia, em 30 de julho de 2018. O grande incêndio florestal provocou um vórtice de fogo tão forte quanto um tornado EF-3.
Foto de Terray Sylvester/Getty Images

Este ano, o estado da Califórnia, nos Estados Unidos, soube bem o que são incêndios florestais altamente destrutivos. Um deles foi o Incêndio Carr, durante o verão do Hemisfério Norte, que devastou quase mais de 93 mil hectares, destruiu mais de mil casas e matou pelo menos sete pessoas.

O Incêndio Carr também praticou uma feitiçaria meteorológica no dia 26 de julho, conjurando um intenso vórtice de fogo: um funil em chamas com ventos que chegaram a 230 km/h e a temperaturas de até 1.482°C. A chama giratória foi tão intensa quanto um tornado EF-3, e deixou os meteorologistas desesperados para tentar entender se era um redemoinho de fogo estranhamente forte—mais parecido com um redemoinho de poeira—ou um autêntico tornado de fogo.

Um redemoinho de fogo surge a partir do Sherpa Fire próximo a Santa Bárbara, Califórnia, na madrugada de 18 de junho de 2016.
Foto de Photography by DAVID MCNEW/AFP/Getty Images

É possível que verdadeiros tornados de fogo sejam excepcionalmente raros. Até hoje, somente uma outra possível ocorrência foi documentada cientificamente, durante a tempestade de fogo de 2003, próxima a Canberra, na Austrália. Foram observados vários outros grandes vórtices gerados pelo fogo que podiam ser tornados de fogo, mas não foram registrados e estudados de forma sistemática.

Os perigos apresentados pelos incêndios florestais significam que "não é apenas arriscado observar esses furiosos fenômenos, como também muitas vezes é algo inadequado de se fazer tendo em vista a preocupação mais imediata de proteger vidas”, observa Neil Lareau, professor de ciências atmosféricas na Universidade de Nevada, em Reno. Tendo isso em mente, alguns mistérios provavelmente vão continuar.

No entanto, agora Lareau e seus colegas utilizaram dados de satélites e radares de ponta para revelar como o vórtice de fogo da Califórnia se tornou um monstro com a força de um tornado, proporcionando novos indícios essenciais para o nosso entendimento desses eventos potencialmente fatais.

A violência dos vórtices

De acordo com a Sociedade Americana de Meteorologia, um tornado é uma coluna giratória de ar suspensa em uma nuvem cumuliforme, que é o tipo de nuvem de base plana, inflada, frequentemente associada a tempestades. Os tornados são estruturas altas que giram violentamente e normalmente são mensurados na Escala Fujita (EF) Melhorada, que varia de zero a cinco de acordo com as estimativas de força do vento com base no dano causado.

Por outro lado, redemoinhos de fogo normalmente surgem durante incêndios florestais e, tecnicamente, são não tornados. Esses eventos efêmeros duram apenas alguns minutos, giram sem muita força e não atingem mais do que 45 metros de altura. Eles se formam quando uma corrente de ar ascendente causada pelas chamas torce e estica verticalmente o vento que corre para a parte interna.

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    Os vórtices de fogo são maiores e mais intensos do que redemoinhos de fogo. Então, onde o vórtice especialmente intenso de 26 de julho se encaixa nessa família de espetáculos giratórios? Isso depende de como foi formado e, fortuitamente, o vórtice daquele dia foi registrado por várias estações fixas de radar.

    Os dados confirmam que uma nuvem pirocumulonimbus estava presente acima do vórtice de fogo naquele dia. Essas nuvens ondulantes, capazes de produzir tempestades, são geradas por uma intensa corrente ascendente acionada termicamente pelo incêndio florestal. Durante o Incêndio Carr, a nuvem pirocumulonimbus que se formou, esticou de tamanho, passando de 5 para 12 quilômetros em apenas 15 minutos.

    Com isso, o vórtice de fogo passou da fase inicial para uma monstruosidade, com seus ventos se intensificando rapidamente, pois alcançou mais de 4 quilômetros no ar. Essa perigosa dança significou que o que estava acontecendo era mais parecido com um tornado do que com um vórtice de fogo comum.

    Contudo, como a equipe relata em uma edição de novembro da revista científica Geophysical Research Letters, os dados não mostram o vórtice de fogo tendo conexão física com a nuvem na parte inferior, então ainda não está claro se foi um verdadeiro tornado de fogo ou um “pirotornado.”

    A mudança está no ar

    O vórtice de fogo não teria se tornado o gigante que foi sem aquela nuvem, afirma o coautor do estudo Nick Nauslar, meteorologista especializado em incêndios do Centro de Previsão de Tempestades da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA. Uma pergunta persistente é por que uma nuvem pirocumulonimbus normalmente se forma sobre incêndios florestais, mas raramente provoca tornados de fogo.

    O evento de Incêndio Carr também se comportou de maneira bastante diferente do seu primo em Canberra. Primeiro, teve um curto percurso de danos, de cerca de 1 quilômetro, em comparação com o rastro de danos do evento em Canberra, que foi de 19 quilômetros.

    Ainda, diferente de seu parente australiano, o vórtice do Incêndio Carr pareceu ser bastante dependente da fúria do incêndio florestal, enquanto a versão de Canberra se libertou algumas vezes, se levantando do chão repetidamente.

    O estudo é uma boa análise que associa a formação da pirocumulonimbus e a intensificação do vórtice, diz Craig Clements, diretor do Laboratório de Pesquisa de Meteorologia e Fogo na Universidade Estadual de San José, que não participou do estudo. “No entanto,” acrescenta, “isso não aumenta nosso entendimento sobre o que causou a formação do vórtice em primeiro lugar.”

    Isso significa que ainda não conseguimos prever esses eventos, mas se mais observações meteorológicas com tecnologia de ponta forem feitas na linha de fogo, podemos conseguir detectar circulações preocupantes antecipadamente. Mesmo que com apenas alguns minutos de aviso, diz Clements, isso pode “realmente ajudar a salvar vidas.”

    Infelizmente, oportunidades de coletar mais dados sobre vórtices de fogo podem surgir com mais facilidade do que gostaríamos. Os incêndios florestais são, sem sombra de dúvidas, exacerbados pela nossa predileção contínua por combustíveis fósseis e, de acordo com Lareau, as condições mais secas trazidas pelas mudanças climáticas podem contribuir para o desenvolvimento tanto de vórtices com força de tornados quanto autênticos tornados de fogo.

    Em essência, diz, “temporadas de incêndios mais longas correspondem a mais oportunidades para resultados extremos.”

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