Placa tectônica pode ter se despedaçado — e isso pode fazer o Oceano Atlântico encolher

Algo estranho está acontecendo no litoral de Portugal, e os cientistas agora propõem uma inovadora explicação.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 8 de mai. de 2019, 11:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma placa oceânica mergulha para baixo de outra, na ilustração de uma zona de subducção. Estudos ...
Uma placa oceânica mergulha para baixo de outra, na ilustração de uma zona de subducção. Estudos da atividade tectônica nos mares do litoral de Portugal podem revelar o nascimento de uma nova zona de subducção.
Foto de ILUSTRAÇÃO POR NATIONAL GEOGRAPHIC; ILUSTRAÇÃO: TOMÁŠ MÜLLER; EDITORES DE ARTE: MANUEL CANALES, MATTHEW CHWASTYK; PESQUISA: RYAN WILLIAMS

Durante anos, João Duarte indagou-se o que viria a ser uma extensão subaquática aparentemente inofensiva nos mares do litoral de Portugal. Em 1969, esse local produziu um intenso terremoto que agitou o litoral e deu origem a um tsunami. Mas, pela simples aparência da vasta e inexpressiva superfície do solo oceânico, não há como saber. Duarte, geólogo marinho do Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa, queria descobrir o que estava acontecendo.

Agora, 50 anos após o acontecimento, pode ser que ele finalmente tenha a resposta: a parte inferior da placa tectônica no litoral português parece estar se desprendendo da parte superior, esfarelando-se. Essa ação pode estar criando a centelha necessária para que uma placa comece a raspar-se na parte debaixo de outra, no que se costuma chamar de zona de subducção, de acordo com simulações computacionais que Duarte apresentou em abril na reunião da União Europeia de Geociências.

Se confirmado, o novo estudo terá sido o primeiro a flagrar uma placa oceânica no ato da raspagem — que pode ser a marca de uma das primeiras etapas do encolhimento do Oceano Atlântico, aproximando a Europa do Canadá, conforme previsto por alguns modelos de atividade tectônica.

“Com certeza é uma história interessante”, afirma Fabio Crameri, da Universidade de Oslo, que não participou da equipe de pesquisa, mas assistiu à palestra na EGU. Duarte apresentou fortes argumentos, diz ele, alertando, contudo, que o modelo precisa de mais testes — algo nada fácil quando os dados provêm de um processo natural que funciona na velocidade com que crescem as unhas das mãos.

“É uma afirmação realmente forte”, diz Duarte sobre as conclusões, reconhecendo que ele e sua equipe ainda têm bastante trabalho pela frente. “Talvez essa não seja a solução para todos os problemas. Mas acredito que temos algo novo aqui".

A parada tectônica

As placas tectônicas se movimentam em marcha lenta, com algumas pontas se despedaçando e outras colidindo. Por pelo menos três vezes ao longo dos 4,54 bilhões de anos de história do nosso planeta, as massas de terra em constante movimento se aglomeraram em supercontinentes, posteriormente fazendo o percurso inverso e rompendo essa união. As zonas de subducção são grandes forças-motrizes por trás dessa esteira transportadora tectônica, puxando a crosta oceânica e a manta superior para as profundezas, reciclando as rochas e arrastando os continentes nesse processo.

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    Então, como começa uma zona de subducção? “Esse é um dos maiores problemas não solucionados no campo da tectônica das placas”, diz Duarte.

    Uma forma de localizar as zonas de subducção — e talvez também novas zonas de subducção — é acompanhar os terremotos. Cerca de 90% dos tremores do mundo acontecem na trilha desmembrada de zonas de subducção que marcam o chamado círculo de fogo, que se estica feito um arco pelo Oceano Pacífico, desde a ponta sul da América do Sul até a Nova Zelândia, por meio do Mar de Bering.

    Mas a Península Ibérica, que compreende a Espanha e Portugal, está no outro lado do mundo, encostando-se no Oceano Atlântico. Nesse caso, as placas se despedaçam no meio do oceano e formam uma nova crosta, e as pontas da maioria das massas de terra do entorno fazem a transição do continente para o oceano numa única placa.

    A situação da Ibéria, contudo, é um pouco mais complexa. Ela fica bem ao norte da fronteira entre as placas eurasiana e africana, que se movem principalmente em direção ao leste. Um pequeno balanço no movimento da placa africana põe a placa eurasiana em direção ao norte; mesmo assim, os cientistas não costumam esperar a ocorrência de grandes tremores nos mares do litoral português. Então, com o passar dos anos, a região foi inundada por cientistas, que lá iam estudar os incomuns acontecimentos.

    “O trabalho consistiu basicamente em ligar os pontos”, diz Duarte sobre a última pesquisa.

    Um dos primeiros pontos em questão era a localização incomum do epicentro do terremoto de 1969: uma extensão inexpressiva conhecida como planície abissal da Ferradura. Nessa região, não existem sinais óbvios de falhas, paisagens contorcidas ou montanhas subaquáticas — características essas que indicariam algum evento tectônico.

    “São como as planícies do Kansas, submersas em 4,8 quilômetros de água”, afirma o geólogo Marc-André Gutscher, da Universidade de Brest, que assistiu à palestra da EGU e realizou extensa pesquisa na região.

    Em 2012, uma equipe de pesquisadores decidiu analisar ainda mais profundamente o caso, com o uso de ondas sísmicas. O método é similar a um ultrassom, já que as ondas de um terremoto se espalham e mudam de velocidade ao atingirem estruturas internas da Terra que sejam diferentes em termos de temperatura e composição. Esse estudo identificou uma curiosa massa densa flutuando bem embaixo do local de surgimento do terremoto de 1969. A análise mais profunda indicou que ela poderia ser o início da formação de uma zona de subducção.

    Mas não havia traços dessa zona na superfície, então, Duarte presumiu inicialmente que o corpo estranho fosse uma leitura falsa. Isso mudou em 2018, quando Chiara Civiero, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto Dom Luiz, Universidade de Lisboa, junto a outros colegas, publicaram uma imagem de alta resolução da Terra nessa região, na qual o ponto incomum persistia.

    “Agora, temos certeza absoluta de que ela está lá”, diz Duarte. Outros pesquisadores descobriram que, acima desse corpo profundo, que se estende por 249 quilômetros abaixo da superfície, parecem ocorrer pequenos tremores.

    A resposta, ele diz, provavelmente se encontra numa camada aparentemente inócua no meio da placa tectônica. Estudos passados já sugeriram que uma determinada quantidade de água que havia passado pela rede de fraturas da placa oceânica teria criado uma reação junto às rochas abaixo da superfície, transformando-as em minerais verdes e moles, num processo chamado serpentinização. Talvez essa camada tenha conferido fraqueza suficiente para que a parte inferior mais densa da placa se esfarelasse. Os cientistas acreditam que o esfarelamento tectônico pode ser comum abaixo de placas continentais grossas, com um mecanismo levemente diferente, e talvez até mesmo em zonas de subducção antigas; mas isso nunca havia sido documentado em placas oceânicas jovens.

    Duarte e o geólogo Nicolas Riel, da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz, na Alemanha, uniram-se para elaborar um modelo numérico que incluísse tanto a camada serpentinizada quanto as zonas de fratura da área. O resultado revelou um formato de gota criado abaixo da placa oceânica a partir do esfarelamento das camadas inferiores, o que deu origem a fraturas profundas que pareciam formar uma nova zona de subducção.

    “Foi incrível essa constatação”, diz Duarte.

    Num piscar de tempo geológico

    Duarte não é o primeiro a propor esses curiosos acontecimentos nos mares do litoral de Portugal, mas essa é a primeira vez que existem dados que sustentem essa afirmação. Há mais de quatro décadas, Yoshio Fukao, que atualmente trabalha na Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia Marinhas e Terrestres, começou a prestar atenção nas falhas profundas por trás do sismo de 1969. Então, em 1975, Michael Purdy, que agora é vice-presidente executivo de pesquisa da Universidade de Colúmbia, esboçou uma imagem do que ele acreditava ter acontecido lá embaixo — e tal imagem guarda incrível semelhança com os resultados do novo modelo.

    “Parece algo bem louco e fora da caixinha, mas a ideia não foi minha”, diz Duarte em tom de gracejo. “Ele desenhou em 1975 o resultado que obtive em meu modelo numérico — é impressionante”.

    O estudo ainda precisa ser publicado em um periódico com revisão por pares e, por ora, outros geólogos estão analisando os resultados com um misto de animação contida e ceticismo saudável.

    “A maior parte do que se sabe até agora é que essa nova subducção tende a ficar nos lugares onde já existe subducção”, diz Crameri. “Mas isso não significa que isso não possa acontecer”.

    Algo importante é que o modelo parece explicar a extensão inexpressiva e incomum que se encontra acima do ponto de origem do terremoto, observa Gutscher. Esse abrangente estudo  também analisa muitas das forças que estariam em jogo em função das complicadas fraturas que contornam a área de interesse, acrescenta Valentina Magni, da Universidade de Oslo, organizadora da sessão da EGU. Mas ela ainda duvida um pouco que o modelo represente efetivamente a realidade.

    “Acho muito difícil que uma subducção se inicie assim, onde não há nada acontecendo por perto”, diz ela.

    Duarte e seus coautores atualmente trabalham no texto da pesquisa a ser enviado para publicação, para que os dados obtidos por eles possam ser revisados e debatidos mais amplamente. Ele disse que, se for aceito, enviará a primeira cópia a Purdy.

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