Metade de toda a superfície precisa ser preservada em condição natural para proteger a Terra

Novos estudos científicos afirmam que a conservação da superfície terrestre precisa dobrar até 2030 para evitar o perigoso aquecimento e o declínio dos ecossistemas.

Por Stephen Leahy
Publicado 13 de mai. de 2019, 23:17 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A natureza, que proporciona muitos benefícios importantes, desde um clima estável até o ar puro, pode ...
A natureza, que proporciona muitos benefícios importantes, desde um clima estável até o ar puro, pode estar sob risco, alerta estudo.
Foto de NASA Goddard

LÍDERES MUNDIAIS PRECISAM aumentar seu comprometimento com a conservação da superfície terrestre e aquática, e fazer isso logo, se a intenção for manter um clima estável e a alta qualidade de vida no futuro próximo, alega novo estudo científico.

Os países precisam dobrar suas áreas de proteção da superfície terrestre para 30% e acrescentar mais 20% como áreas de estabilização climática para alcançar um total de 50% de conservação de toda a superfície terrestre em sua condição natural, concluem os cientistas. Tudo isso precisa ser feito até 2030 para que haja uma esperança concreta de manter as mudanças climáticas abaixo da meta da "zona de perigo" de 1,5 grau Celsius e impedir o declínio dos ecossistemas do mundo — segundo um ambicioso plano chamado Acordo Global pela Natureza.

“Os benefícios de proteger 50% da natureza até 2030 são tremendos”, afirma Eric Dinerstein, diretor de soluções de biodiversidade e vida silvestre do Resolve, grupo sem fins lucrativos e autor principal de um estudo publicado na revista científica Science Advances, intitulado “Um Acordo Global pela Natureza: princípios norteadores, parâmetros e metas”.

Este é o primeiro plano baseado na ciência com parâmetros claramente definidos sobre os motivos pelos quais é vital alcançar essas metas e como isso poderia ser feito, afirma Dinerstein. Em geral, desconhece-se que grandes áreas de florestas, pradarias e outras áreas naturais são necessárias para absorver as emissões de carbono, acrescenta ele. Florestas intactas e sobretudo florestas tropicais sequestram o dobro de carbono de lavouras de monocultura, por exemplo.

Apenas quando 50% da superfície terrestre for protegida, juntamente com cortes substanciais no uso de combustíveis fósseis e grandes expansões no uso de energia renovável, é que teremos uma boa chance de alcançar a meta climática de Paris de menos de 1,5 grau Celsius de aquecimento, alegam os cientistas. E, se o aquecimento ultrapassar 1,5 grau Celsius, perderemos alguns desses sistemas naturais e os serviços que eles prestam à humanidade, como sua capacidade de absorver o carbono, explica Dinerstein.

“Não é possível ter um clima mais seguro sem proteger metade da Terra e vice-versa”

“Sem eles, não há nós”

“Cada pedaço de alimento, cada gole de água, o ar que respiramos são resultado do trabalho de outras espécies. A natureza nos oferece tudo que precisamos para sobreviver” afirma Enric Sala, Explorador Residente da National Geographic e líder do trabalho da National Geographic Society como parte da Campanha pela Natureza, uma parceria com a Campanha Wyss pela Natureza para inspirar a proteção de 30% do planeta até 2030.

“Sem eles, não há nós”, disse Sala, observando que nossa perda “deles” está ocorrendo a um ritmo vertiginoso e está próxima de um ponto sem volta.

“Se tivéssemos que produzir nosso próprio oxigênio, custaria 1,6 mil vezes o PIB do mundo todo: se é que seja possível”, afirmou Sala, coautor do estudo do Acordo Global pela Natureza.

Os países já se comprometeram a proteger 17% da superfície terrestre e 10% dos oceanos até 2020 na Convenção de Diversidade Biológica (CBD). Ainda assim, a maioria dos países não está no caminho certo para cumprir as metas de 2020. Os Estados Unidos não são signatários da convenção. A chefe da CBD, Cristiana Pașca Palmer, afirmou que metade do mundo deve ser protegido e as nações refletirão sobre esta proposta em um grande encontro na China em 2020.

Os autores do novo estudo do Acordo Global pela Natureza explicam como a proteção de 30% poderia ser alcançada em 67% das 846 ecorregiões terrestres do planeta até 2030. Outras precisariam de alguma restauração.

Note-se que essas regiões não se tornariam áreas "proibidas", mas áreas protegidas da extração de recursos e conversão de terras. Seriam permitidos usos sustentáveis em todas as áreas, exceto as mais vulneráveis. Comunidades próximas a áreas de proteção geralmente estão em uma situação melhor do que aquelas mais afastadas, demonstraram pesquisas recentes em 34 países em desenvolvimento.

Salvando a superfície terrestre pelo clima

As áreas de estabilização climática são regiões atualmente intactas, porém completamente fora do sistema tradicional de áreas de proteção. Os governos só precisam evitar atividades com impacto em sua função natural. Como 37% de toda a superfície terrestre natural remanescente é formada por reservas indígenas, é crucial que recebam apoio do Acordo Global pela Natureza, concluiu o estudo.

Embora o Acordo Global pela Natureza tenha enfoque na superfície terrestre, os autores do estudo apoiam a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e o pedido de proteção de 30% dos oceanos até 2030 feito por sua organização-membro. Os recifes de corais do mundo já estão sofrendo com apenas 1 grau Celsius de aquecimento, destaca a equipe. Os cientistas temem que poucos sobreviverão se as temperaturas ultrapassarem 2 graus Celsius. Os corais não são apenas bonitos de se olhar, eles também são berçários para grande parte dos peixes do oceano e outras formas de vida marinha de que um bilhão ou mais de pessoas dependem.

“O Acordo Global pela Natureza é um apelo ambicioso e radical para proteger a natureza”, afirma Justin Winters, diretora executiva da Fundação Leonardo DiCaprio, que não participou do estudo. No entanto o objetivo de proteger metade do planeta não será concretizado sem a participação e compreensão da população, acrescenta ela.

Em 2017, a fundação lançou a Iniciativa Uma Terra para ajudar a criar uma visão do futuro com 100% de energia renovável, proteção e restauração de metade da superfície terrestre e dos oceanos do mundo e uma transição para uma agricultura regenerativa.

A fundação procura demonstrar como nosso bem-estar está ligado à natureza, conta Winters. “Esperamos conseguir inspirar as pessoas a agirem.” É possível tomar medidas de inúmeras formas, observa ela, desde levar as crianças para atividades ao ar livre e transformar um gramado em um jardim de vida silvestre até participar de manifestações e protestos.

As mudanças climáticas, perdas de espécies e o declínio de ecossistemas inspiraram uma nova mobilização de protesto chamada de Rebelião da Extinção. É uma rede internacional de organização livre que faz uso de "ações diretas não violentas para persuadir governos a reagirem perante a emergência ecológica e climática”. Dezenas de protestos foram realizados em 25 países desde seu lançamento em 31 de outubro de 2018 em Londres, Inglaterra.

Os custos da conservação

Tomar as medidas de conservação da natureza necessárias para proteger metade da Terra poderia custar aproximadamente US$ 100 bilhões por ano, estima o estudo.

Esse dinheiro existe, mas só ficará disponível se as pessoas entenderem sua necessidade, afirma Sala. Ele ressalta que quase um bilhão de dólares foi prometido para reconstruir a Catedral de Notre-Dame na França em menos de dois dias após um incêndio devastador. Em 2009, os socorros financeiros fornecidos pelo U.S. Federal Reserve Bank, o Banco Central dos Estados Unidos, alcançaram mais de US$ 29 trilhões, segundo um estudo. Um trilhão são mil bilhões, então 29 trilhões de dólares poderiam financiar 290 anos de iniciativas de conservação para proteger metade da Terra e ajudar a estabilizar o clima.

O retorno econômico de um investimento de tal magnitude na natureza poderia ser de trilhões de dólares, demonstram os estudos. O mais importante é reconhecermos que não temos outra alternativa, afirma Sala.

“Temos apenas dez anos para nos salvar”.

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