Proteger a natureza e os animais reduzirá os efeitos de futuras pandemias, aponta relatório

As mesmas ações que estão causando extinção, perda de habitat e mudanças climáticas também provocarão futuras pandemias, afirma grupo internacional de cientistas.

Por Sarah Gibbens
Publicado 4 de nov. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Fumaça de incêndio florestal sobre uma fazenda de gado no estado de Mato Grosso em 2019. ...

Fumaça de incêndio florestal sobre uma fazenda de gado no estado de Mato Grosso em 2019. A perda de florestas como as da Amazônia provocará novos surtos virais como o da covid-19, segundo projeções de um grupo internacional de cientistas.

Foto de Victor Moriyama, T​he New York Times, Redux

SEM GRANDES MUDANÇAS POLÍTICAS e bilhões de dólares investidos para proteção da natureza e da vida selvagem, o mundo pode presenciar outra grande pandemia como a da covid-19, segundo alertado por um grupo internacional de cientistas.

De acordo com novo relatório do grupo que analisa a última pesquisa realizada sobre como a redução de habitat e da vida selvagem expõe os humanos a doenças novas e emergentes, conservar a biodiversidade pode preservar vidas humanas.

“A ciência não está contestando isso. O desmatamento é o principal causador de pandemias”, diz Lee Hannah, cientista climático da Conservação Internacional, especializado nos efeitos da perda de florestas. Hannah realizou a revisão por pares do relatório, que foi compilado no último workshop virtual de julho pela Plataforma Intergovernamental Político-Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), grupo composto por cientistas acadêmicos, governos e organizações sem fins lucrativos.

O relatório esclarece que “sem estratégias de prevenção, pandemias surgirão com mais frequência, a transmissão será mais rápida, causando mais mortes e afetando a economia global com um impacto mais devastador do que visto anteriormente.”

Qual a relação entre destruição de habitat e doenças?

As recomendações do relatório são descritas como uma abordagem preventiva para conter a propagação de doenças que comumente se originam de animais.

As chamadas doenças zoonóticas — incluindo covid-19, HIV, influenza e os vírus ebola, zika e nipah — se originam de micróbios que vivem na natureza e podem infectar humanos. Morcegos, aves, primatas e roedores são fontes comuns de transmissão.

O novo coronavírus (SARS-CoV-2) foi identificado em um mercado de frutos do mar em Wuhan, na China, local onde pode ter sido a origem do surto da covid-19 em humanos.

Cientistas estimam que exista 1,7 milhão de vírus desconhecidos alojados em mamíferos e aves, dos quais metade pode vir a infectar pessoas. Os autores do relatório alegam que não é coincidência que pandemias estejam surgindo com mais frequência, considerando que as atividades humanas prejudicam mais ainda o meio ambiente e acabam levando as pessoas a ter contato cada vez mais próximo com a vida selvagem.

Recentemente, em novembro de 2019, cientistas alertaram que o aumento do desmatamento estava criando condições mais favoráveis para surtos de doenças. Enquanto a perda de habitat em grande escala representa uma ameaça, Hannah chama atenção especialmente para as florestas, que possuem uma enorme biodiversidade e, portanto, apresentam mais oportunidades para portadores de doenças. Ele cita como exemplo o desmatamento na Amazônia brasileira, onde florestas são frequentemente devastadas para dar espaço à criação de gado. O gado também pode ser um intermediário entre animais selvagens infectados e pessoas que trabalham com pecuária.

O relatório afirma que destruir o habitat de animais selvagens também os levará a novos territórios, forçando um maior número de animais, incluindo morcegos e aves, a encontrar habitats em ambientes urbanos.

Um custo exorbitante para soluções

“Eu acho que o mais importante é compreender a dimensão em que temos que atuar”, diz Hannah. “Não se trata de criar mais medidas, mas de levar as coisas a um nível nunca visto antes.”

O relatório propõe a criação de um conselho internacional para supervisionar a prevenção de pandemias, incentivar financeiramente a preservação da biodiversidade e investir em pesquisa e educação. Eles acreditam que essas mudanças institucionais reduziriam o alcance de indústrias como as de produção de óleo de palma, extração de madeira e agropecuária.

Essas mudanças também ajudariam a identificar locais críticos e proporcionar melhores cuidados de saúde para pessoas com maior risco de exposição.

Os autores do estudo estimam que custaria entre US$ 40 e US$ 58 bilhões por ano para implementar totalmente uma estratégia que reduza o risco de futuras pandemias, mas acrescentam que isso compensaria as perdas econômicas causadas pelas pandemias, que equivalem a trilhões. Um estudo publicado no início deste mês informou que apenas a covid-19 já custou US$ 16 trilhões para os Estados Unidos até o momento.

Trinta países se comprometeram em apoiar a Campanha pela Natureza, uma iniciativa global para proteger 30% das terras e mares em todo o mundo até 2030. Mas Brian O’Donnell, o diretor da campanha, diz que há muitas etapas que precisam ser seguidas para tornar esse compromisso uma realidade. (A Campanha pela Natureza é apoiada pela National Geographic Society.)

Em maio do ano que vem, os países se reunirão para a Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, onde terão a oportunidade de desenvolver estratégias para contribuir com essa meta de preservação global.

“Precisamos que todos os países entrem em acordo”, diz Enric Sala, Explorador Residente da National Geographic, sobre o apoio a metas ambiciosas de preservação. “Especialmente aqueles que abrigam as maiores regiões naturais que ainda existem na Terra, que não são apenas os maiores reservatórios de biodiversidade, mas também possuem as melhores soluções provenientes da própria natureza para ajudar a mitigar os efeitos das mudanças climáticas.”

O’Donnell se preocupa com o atraso causado pela covid-19 para seguir com esses planos, afirmando que mesmo um ano de atraso representa um risco.

“Ainda precisamos de mais compromissos financeiros tangíveis para preservação da natureza, que sejam novos e mais abrangentes, mesmo com os governos gastando grandes quantias em incentivos”, acrescentou por e-mail.

Além da covid-19, O’Donnell diz que a falta de financiamento e apoio são empecilhos em países onde ocorrem os maiores desmatamentos, como o Brasil.

Ele conta que espera que a pandemia seja um “grande alerta”.

“Poucos estão dando atenção ao alerta, muitos ainda não despertaram”, ele diz.

Se não for por apreciação à natureza e aos animais selvagens ameaçados de extinção, Hannah espera que esse novo relatório ajude os envolvidos a perceber que a saúde humana é um motivo convincente para preservar a natureza.

“Há um motivo egoísta para fazermos isso, que é proteger a nós mesmos”, afirma Hannah.

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