Ondas de calor matam — e as mudanças climáticas agravam esse cenário

Estudo recente concluiu que mais de um terço de todas as mortes em decorrência do calor em todo o mundo podem ser atribuídas às mudanças climáticas. Regiões dos Estados Unidos estão sentindo seus perigosos efeitos neste momento.

Por Alejandra Borunda
Publicado 13 de jul. de 2021, 06:30 BRT
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Em 27 de junho, residentes de Portland, nos Estados Unidos, lotaram o Centro de Convenções de Oregon, que se transformou em um centro de resfriamento temporário quando uma onda de calor recordista atingiu o noroeste do país. Como as regiões não estão acostumadas ao calor intenso, muitas casas não contam com aparelhos de ar-condicionado, o que deixa as pessoas vulneráveis aos males causados pelo calor.

Foto de Nathan Howard, Getty Images

Ondas de calor, como a que assolou o noroeste dos Estados Unidos no fim de junho, são mortais.

O impacto humano dos recordes de temperaturas atingidos nas costas dos Estados Unidos e do Canadá nas últimas semanas já é enorme. Ao menos 80 pessoas morreram nos Estados Unidos na semana passada em decorrência do calor extremo; na Colúmbia Britânica, há centenas de mortos. E, à medida que são obtidos mais dados, esses números tendem a aumentar ainda mais.

Uma profusão de pesquisas científicas demonstrou que as mudanças climáticas estão prolongando as ondas de calor, elevando ainda mais suas temperaturas e tornando-as mais prováveis e perigosas. Um estudo recente publicado no periódico Nature Climate Change apresenta mais informações para avaliar o custo humano desse calor excessivo: em junho, uma equipe de cerca de 70 pesquisadores relatou que, entre os 732 locais em seis continentes estudados, em média, 37% de todas as mortes relacionadas ao calor podem ser atribuídas exclusivamente às mudanças climáticas.

O estudo ressalta a urgência do enfrentamento às mudanças climáticas causadas pela humanidade, afirma Ana Vicedo Cabrera, autora principal do estudo e epidemiologista de mudanças climáticas da Universidade de Berna, na Suíça.

“As mudanças climáticas não apresentam apenas riscos futuros: já produzem efeitos no presente e afetam de forma drástica nossa saúde”, observa ela. Eventos de calor extremo e mortal como o que atingiu a América do Norte são um prenúncio do que está por vir. “O que vem sendo observado — esse percentual de 37% — deve aumentar exponencialmente.”

Calor extremo mortal

A cada ano, extremos de calor causam mais mortes nos Estados Unidos do que qualquer outro tipo de desastre natural. Globalmente, seus impactos são enormes. Durante ondas de calor históricas — como a de 1995 em Chicago, a de 2003 na Europa ou a de 2019 na França — milhares de pessoas podem morrer e muitas mais podem sofrer graves efeitos à saúde que podem se prolongar após o fim da onda de calor, conta Camilo Mora, cientista climático da Universidade do Havaí, autor de um estudo intitulado “27 ways a heat wave can kill you: Deadly heat in the era of climate change” (“27 maneiras pelas quais uma onda de calor pode matar: o calor mortal na era das mudanças climáticas”, em tradução livre).

“Esses eventos podem ter consequências no longo prazo, como insuficiência renal, danos cerebrais e cardíacos”, conta ele.

Estudos anteriores correlacionaram o aumento no número de mortes a ondas de calor específicas intensificadas pelas mudanças climáticas que passaram por cidades. Na onda de calor sufocante de 2003 na Europa, por exemplo, as mudanças climáticas causadas pela humanidade aumentaram o risco de morte em 70% em Paris. Esse novo estudo expande esse tipo de análise globalmente, avaliando mais de 700 pontos em todos os continentes habitados.

Os pesquisadores analisaram todas as mortes registradas durante os verões, bem como dados de temperatura desses mesmos locais e seus horários, a fim de discernir todas as mortes que provavelmente são devidas aos extremos de calor. Existem limites de temperatura além dos quais há uma probabilidade muito maior de mortes, mas esses limites divergem em cada região do mundo.

A equipe desenvolveu uma fórmula matemática que associava temperaturas extremas — o aumento de calor além da temperatura média confortável em uma determinada cidade ou vila — ao número de pessoas que poderiam morrer se ficasse tão quente. Essa abordagem permitiu aos pesquisadores verificar quantas pessoas morreram em decorrência do calor extremo em cada local analisado.

Em seguida, foi empregado um modelo climático para simular um mundo imaginário no qual não ocorreram mudanças climáticas causadas pela humanidade. Foi utilizada uma fórmula para verificar quantas pessoas morreriam de calor extremo naquele universo hipotético alternativo.

As diferenças foram gritantes. O planeta aqueceu cerca de um grau Celsius desde o fim do século 19 e deve passar no mínimo por um aumento idêntico até o fim deste século se não forem tomadas iniciativas robustas para eliminar as emissões de gases de efeito estufa.

Sem esse aquecimento de apenas um grau já ocorrido, as mortes em decorrência do calor representariam, em média, pouco menos de 1% de toda a mortalidade durante os verões em todo o mundo. Mas, em vez desse percentual, as mortes decorrentes do calor representaram em média mais de 1,5% de todas as mortes durante os verões — aproximadamente 60% a mais.

Se extrapolado o cálculo para o mundo todo, isso significaria que mais de 100 mil mortes por ano poderiam ser atribuídas às mudanças climáticas causadas pela humanidade, embora Vicedo Cabrera aponte que são necessários muito mais dados e análises para chegar a uma estimativa global precisa.

Injustiça climática

Um estudo recente concluiu que, em média, mais de uma em cada três mortes em decorrência do calor em todo o mundo podem ser atribuídas às mudanças climáticas. Contudo, em alguns países da América do Sul, no Kuwait, no Irã e em regiões do sudeste da Ásia, o impacto humano é muito maior: até 77% no Equador ou 61% nas Filipinas. Essa disparidade ocorre não apenas porque esses locais já são bastante quentes, mas porque geralmente há menor acesso a ar condicionado, habitações construídas com um planejamento melhor da distribuição térmica e outros fatores que podem reduzir a vulnerabilidade ao calor.

Os padrões de vulnerabilidade identificados pelo estudo revelam uma profunda desigualdade, conta Tarik Benmarhnia, especialista em saúde ambiental da Universidade da Califórnia, em San Diego.

“Se forem comparados os principais responsáveis pelas mudanças climáticas no século passado e aqueles que estão sofrendo atualmente suas maiores consequências, é possível perceber que há algo injusto. Há uma enorme injustiça ambiental em relação a quem está sofrendo a mortalidade decorrente do calor devido às mudanças climáticas antropogênicas.”

Os Estados Unidos são responsáveis por cerca de 25% de todas as emissões que causam o aquecimento do planeta atualmente na atmosfera, ao passo que a Guatemala, por exemplo, contribui com cerca de 0,0002%. Entretanto, mais de 75% das mortes em decorrência do calor naquele país podem ser associadas às mudanças climáticas.

Os impactos nos Estados Unidos também são devastadores: cerca de 35% das mortes nos Estados Unidos em decorrência do calor podem ser atribuídas às mudanças climáticas já ocorridas. Outra pesquisa demonstrou nitidamente que esses custos não são divididos por igual: em muitas cidades, os idosos negros têm o dobro da probabilidade de morrer durante eventos de calor extremo do que idosos brancos.

“Em todo o mundo, os efeitos são desiguais. Dentro dos Estados Unidos, nos condados, nas cidades, nos bairros — os efeitos são desiguais”, reitera Benmarhnia.

Sinais mortais das mudanças climáticas

Os cientistas tentam determinar em que medida as mudanças climáticas agravaram e tornaram mais provável essa onda de calor no noroeste dos Estados Unidos, mas restam poucas dúvidas de que tenham desempenhado um papel importante, observa Mora.

“Quantas vezes é preciso comprovar o óbvio?”, indaga ele. “Nós, cientistas do clima, avisamos há décadas que haveria uma piora. Esse momento chegou.”

Ainda que todas as emissões de gases de efeito estufa fossem eliminadas amanhã, o planeta continuaria a aquecer muito além do aumento já alcançado de um grau, o que tornaria os eventos atuais de calor severo mais comuns, em vez de serem um fenômeno excepcional. Mas a intensidade futura do calor depende das medidas climáticas tomadas agora, ressalta Mora.

“Nossas escolhas para o futuro não conseguem mais evitar um aumento. Mas ainda é possível escolher entre o ruim e o pior”, prossegue ele.

De qualquer forma, já passou da hora de começar a ajudar as pessoas em todo o país a se prepararem para o calor extremo, conta Kristie Ebi, especialista em saúde ambiental global da Universidade de Washington. Algumas medidas são simples, como garantir o acesso a ventiladores, ar condicionado e sombra. Outras, como determinar como tornar a rede elétrica robusta o suficiente para suportar picos na demanda de energia devido ao excesso de calor, são muito mais complexas.

Mas a mensagem principal é simples, segundo Ebi: podemos optar por salvar vidas.

“O calor mata, mas não precisaria matar”, afirma ela.

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