Cidade dinamarquesa é a capital mundial dos contos de fadas

Cidade natal do antigo escritor Hans Christian Andersen, Odense criou um tributo à história e imaginação.

Por Mike MacEacheran
Publicado 3 de jul. de 2021, 07:00 BRT
Danemark du Sud, tourisme, voyage dans la ville d'Odense

Mural pintado pelo artista Don John ilustra o escritor Hans Christian Andersen na lateral de uma casa na Bangs Boder Street, em Odense, na Dinamarca.

Foto de Juliette Robert, Haytham-rea, Redux

Era uma vez Hans Christian Andersen, autor de histórias que aguçam a imaginação de crianças.

Seus contos mais famosos — “A Pequena Sereia”, “A Polegarzinha”, “A Roupa Nova do Rei” e “O Patinho Feio” — continuam presentes nos palcos e nas telas muito tempo após terem sido escritos no século 19. Em Frozen, a adaptação do filme “A Rainha da Neve” de Andersen, não é uma coincidência que os nomes dos principais personagens — Hans, Kristoff, Anna, Sven — façam referência ao nome do escritor.

Agora existe uma nova maneira de apreciarmos essas histórias que definiram todo um gênero. Após anos de desenvolvimento ávido, um museu avaliado em US$64 milhões é inaugurado em Odense, cidade natal de Andersen, na Dinamarca. De acordo com o diretor de criação do museu, Henrik Lübker, a atração não é uma homenagem à época passada de Andersen, mas “uma homenagem ao mundo dos contos de fadas, sempre relevante e contemporâneo”.

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    Odense, Denmark -19 Aug 2015- Open air theatre in the park Munkemose at the Hans Christian ...

    Visitantes assistem à apresentação em 19 de agosto de 2019, em teatro ao ar livre localizado no terreno da casa em que Hans Christian Andersen passou a infância.

    Foto de Jordi Salas, Alamy

    Com inauguração em 30 de junho de 2021, o museu H.C. Andersen’s Hus, projetado pelo arquiteto japonês Kengo Kuma, exibe os contos de fadas do autor com uma apresentação semelhante à de Willy Wonka em “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, com complexas instalações arquitetônicas, de som e iluminação, em áreas internas e externas. “O mundo dos contos de fadas não é linear, é sinuoso”, relata Lübker. “Nos contos de fadas muitas coisas são ocultas aos nossos olhos e é assim que o museu foi projetado, com espaços secretos e curvas que mantém os visitantes intrigados.”

    Em uma instalação que faz alusão à Pequena Sereia quando deseja fazer parte do mundo além do oceano, os visitantes veem o céu através de um tanque de água transparente. No andar superior do museu, as famílias podem criar poções mágicas, encenar em teatro de fantoches, fazer um ninho de cisnes ou deixar que um ator caracterizado de barbeiro coloque uma peruca em suas cabeças.

    Mas em muitos aspectos, o que está em exibição é irrelevante porque o verdadeiro objetivo do museu é estimular as pessoas a acreditarem no poder da imaginação. “Contos de fadas possibilitam a transformação do mundo real no qual o leitor vive”, afirma Dame Marina Warner, romancista, mitógrafa e atual presidente da Sociedade Real de Literatura. “Coisas ruins acontecem, naturalmente, mas sempre é possível superá-las. A essência do conto de fadas está carregada de ânimo.”

    A cidade da lenda

    Nascido em 1805, Andersen cresceu em Odense — duas horas a oeste de Copenhague — e as ruas dessa cidade inspiraram suas melhores obras. É difícil passar por uma praça ou participar de um festival na terceira maior cidade da Dinamarca sem que isso desperte a imaginação. É a expressão perfeita de uma cidade de faz de conta, com torres adornadas com chapéus de bruxa, ruas tortuosas, casas em tons pastel, jardins reais e um palácio branco como a neve.

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        Old town of Odense, Denmark. HC Andersen's hometown.

        Odense é uma cidade da era viking repleta de mitologia e charme de contos de fadas por suas ruas de paralelepípedos.

        Foto de Elena Noeva, Alamy

        A história de Odense, localizada na ilha Fiônia, parece um conto de fadas nórdico distorcido. De acordo com a lenda, a cidade da era viking era o lar de Odin, o deus mitológico da sabedoria, da guerra, da poesia e da magia; as muralhas da ilha alinhavam-se às margens dos rios para proteger a cidade dos invasores costeiros. O que restou dessas fortalezas está enterrado sob a cidade, assim como os restos mortais do último rei viking da Dinamarca, Canuto IV, que fora assassinado na Igreja de St. Alban no século 11. O encanto da cidade são os vestígios vikings dispersos e a herança de livros de histórias, não o design dinamarquês inovador ou a nova culinária nórdica.

        Ao seguir pelas ruas de paralelepípedos onde Andersen cresceu, de sua casa de infância de cor amarela como o dente-de-leão em Munkemøllestræde até a margem do rio, é possível chegar a Eventyrhaven (literalmente, o Jardim de Contos de Fadas), com cercas vivas aparadas, pergolados e pontes. Perto do local, uma trilha de esculturas de contos de fadas em homenagem a Andersen começa com um bronze do escritor perto do rio Odense, passando pelo caminho sinuoso de esculturas de um barco de papel, borboletas das cores do arco-íris, cisnes selvagens, um cavalo-marinho, uma pastora, um limpador de chaminés e uma agulha de cerzir até chegar a uma escultura de A Pequena Sereia. De certo modo, a cidade é como um atlas dos personagens imaginários de Andersen. 

        Para os visitantes, o museu H.C. Andersen’s Hus é o destino final desse mapa literário, um projeto lançado quando a câmara municipal de Odense decidiu adotar um plano de longo alcance para reestruturar o centro da cidade. O município queria uma oportunidade não apenas para repensar a área ao redor do local de nascimento de Andersen, mas também para posicionar a cidade como uma capital mundial de contos de fadas.

        Como Odense e um pequeno país como a Dinamarca se tornaram lar de tantos contos de fadas? A resposta está na tradição de contar histórias preservada por seus cidadãos e na obsessão pelo hygge, palavra dinamarquesa para situações que proporcionam bem-estar.

        Influência duradoura

        O conceito cultural dinamarquês de hygge há muito tempo é intrínseco à psique desse país. Mas se tornou uma tendência de estilo de vida e uma junção peculiar de tropos culturais para promover aconchego e atenção plena — acender velas, acomodar-se próximo à lareira com uma xícara de chocolate ou um livro. De acordo com o professor Lasse Horne Kjældgaard, chefe do Centro Hans Christian Andersen em Odense, Andersen é mais responsável pelo conceito de hygge do que muitos dinamarqueses imaginam.

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          Denmark, Funen, Egeskov Slot, view of the 16th century Renaissance water castle

          O Castelo Egeskov, localizado na ilha Fiônia, perto de Odense, era um dos lugares que Hans Christian Andersen mais gostava de visitar.

          Foto de Manfred Gottschalk, Alamy

          “Os contos de fadas são elaborados para que sejam lidos em voz alta próximo à lareira em um ambiente familiar, e essa tradição se popularizou na Dinamarca na década de 1830”, conta Kjældgaard. “Aqueles foram anos terríveis em nossa história, pois estávamos do lado errado das Guerras Napoleônicas, após isso, houve uma tendência de olhar para dentro e focar na vida familiar, em vez de olhar para o restante do mundo.”

          Como Kjældgaard cita, Andersen escreveu muitos de seus contos de fadas mais lidos durante essa época, tornando-se inconscientemente uma força motriz para forjar as origens do hygge. “A ironia, é claro, é que muitas vezes suas obras são assustadoras e sem nenhuma presença do conceito hygge!”, brinca Kjældgaard.

          Kjældgaard, que pesquisa a influência de Andersen em todo o mundo, comenta que o escritor também é uma referência cultural surpreendente na China. “Ele era um dos autores preferidos de Mao Zedong e continua sendo um elemento básico do currículo escolar chinês”, revela ele.

          Uma teoria acadêmica afirma que contos como “A Roupa Nova do Rei”, “O Patinho Feio” e “A Pequena Vendedora de Fósforos” foram considerados pelo governante do partido comunista da China como uma acusação à sociedade capitalista. “De certo modo, isso ajuda a explicar por que Odense recebe vários visitantes chineses em busca de contos de fadas todos os anos”, explica Kjældgaard.

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            Kopenhagen

            Turistas tiram fotos da estátua “A Pequena Sereia” em Copenhague, em 14 de maio de 2015. A estátua no parque Langelinie é uma das mais famosas homenagens às obras de Andersen.

            Foto de Rolf Nobel, Visum, Redux

            Nem todos os países são agraciados com uma paisagem adequada para ser adornada com personagens de contos de fadas, mas a Dinamarca é um desses lugares. Os turistas podem visitar os diversos locais que serviram de inspiração aos contos de Andersen, desde as dunas cobertas de urze de Skagen até os bosques de carvalho de Jægersborg Dyrehave repletos de cervos. No interior, é possível visitar Gisselfeld Kloster, a propriedade real que inspirou “O Patinho Feio” e os penhascos ricos em fósseis de Stevns Klint, onde Andersen escreveu “The Elf Mound” (O Monte dos Elfos, em tradução livre).

            O turismo para os fãs de Andersen também inclui visitar o Canal Nyhavn de Copenhague (onde o escritor morou por um tempo), os Jardins Tivoli (a inspiração para “O Rouxinol e o Imperador da China”) e a estatueta da Pequena Sereia no parque Langelinie.

            De volta à ilha onde o escritor viveu, Fiônia abriga cerca de 123 castelos e mansões, incluindo o Castelo Egeskov construído há 450 anos, um dos lugares preferidos de Andersen por ter labirintos geométricos de cerca viva.

            “Se existisse um mapa do mundo, não com fronteiras políticas ou geográficas, mas que representasse a tradição dos contos de fadas, haveria um enorme contorno em volta da Escandinávia com Odense no centro”, enfatiza Warner.

            Os contos de fadas de Andersen podem ser mais importantes do que nunca. “As crianças têm tantos problemas para lidar — da opressão política, passando pelas mudanças climáticas, até a violência doméstica — e os contos de fadas as ajudam a ter esperança”, ressalta Warner. “Esse é o espírito dos contos de fadas e o motivo pelo qual eles, e Hans Christian Andersen, continuarão a perdurar.”

            Nota do editor: O filme Frozen, da Disney, foi adaptado da história de Hans Christian Andersen, “A Rainha da Neve”. A The Walt Disney Company é a proprietária majoritária da National Geographic Partners.

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