Novo santuário marinho no Atlântico será um dos maiores do mundo
Baleias, tubarões, focas, milhões de aves marinhas e cerca de 300 humanos habitam as pequenas ilhas que formam Tristão da Cunha.
Ave marinha sobrevoa a Ilha de Tristão da Cunha. A região é um importante santuário de aves marinhas e lar de milhões de albatrozes, pinguins e outras espécies. A zona de proteção marinha reconhecida recentemente protegerá áreas de alimentação essenciais para a sobrevivência das aves.
AS ÁGUAS AO REDOR de uma das ilhas habitadas mais remotas do mundo, no meio do Oceano Atlântico Sul, deverão se tornar a quarta maior área marinha totalmente protegida do mundo, e a maior do Atlântico.
Tristão da Cunha é um território britânico que fica a 3,7 mil quilômetros a leste da América do Sul e a mais de 2,5 mil quilômetros a oeste da África do Sul. Para viajar à ilha, é preciso pegar um barco na África do Sul, navegar por sete dias e, ao chegar no local, “temos a impressão de estar no fim do mundo”, conta Jonathan Hall, chefe da Sociedade Real de Proteção de Aves (RSPB) da unidade de território ultramarino britânico.
Agora, esse arquipélago composto por quatro ilhas abrigará um santuário marinho que se estende por mais de 687 mil quilômetros quadrados, uma área quase três vezes maior do que a do Reino Unido. Recentemente, o governo de Tristão da Cunha anunciou que 90% das águas ao redor da cadeia de ilhas se tornarão uma “zona proibida”, na qual a pesca, mineração e outras atividades extrativistas não serão permitidas.
Segundo os conservacionistas, essa proteção não apenas impulsionará o pequeno mercado de pesca de lagosta fora do santuário, como também protegerá os locais de forrageamento para as milhões de aves marinhas que vivem nas ilhas, como albatrozes-de-bico-amarelo e pinguins-de-penacho-amarelo, além do habitat de focas, tubarões e baleias.
A nova área protegida fará parte do Programa Blue Belt do Reino Unido , que até o momento preservou quase sete milhões de quilômetros quadrados de ecossistemas marinhos em todo o mundo. O novo santuário é o resultado de uma colaboração entre os governos de Tristão da Cunha e do Reino Unido, e uma série de outros grupos conservacionistas, incluindo a RSPB, que atua na região há 20 anos, e a iniciativa Pristine Seas da National Geographic Society.
Um mergulhador da expedição Pristine Seas da National Geographic trabalha na floresta de alga-kombu na costa da Ilha de Tristão da Cunha. A National Geographic Society trabalhou em conjunto com a Sociedade Real de Proteção de Aves e o governo de Tristão da Cunha para lançar uma expedição de pesquisa à região em 2017.
Golfinhos nadam nas águas do território.
Edimburgo dos Sete Mares
Em um artigo de 2014 publicado na já extinta revista National Geographic Traveler, o escritor Andy Isaacson descreveu Tristão da Cunha — ou simplesmente Tristão, como é frequentemente chamada — como uma mistura da Escócia com a região costeira Big Sur na Califórnia.
Projetando-se a partir da ilha principal, há um vulcão ativo que, no inverno, fica coberto de neve e é marcado por penhascos íngremes onde os albatrozes constroem seus ninhos. Ao longo das praias existem colônias de focas e pinguins e, próximo à costa, encontram-se florestas de alga-kombu. Há apenas uma espécie de árvore na ilha, Phylica arborea, ou “a árvore da ilha”.
Cerca de 245 pessoas de ascendência escocesa, norte-americana, holandesa e italiana vivem no único vilarejo de Tristão, chamado Edimburgo dos Sete Mares.
Descoberta pelo explorador português Tristão da Cunha em 1506, a ilha permaneceu inabitada até 1816, quando um destacamento britânico foi enviado para o local a fim de impedir que os franceses resgatassem o exilado imperador Napoleão da Ilha de Santa Helena, a 2,1 mil quilômetros ao norte.
Os descendentes desses marinheiros britânicos e muitos outros povoam a ilha ao longo dos anos, criando ovelhas, cultivando batatas e pescando lagosta.
Embora os humanos sejam escassos, a vida selvagem é abundante em Tristão da Cunha, cujas populações de aves marinhas chegam a dezenas de milhões.
Ao cair da tarde na ilha, “parece que o céu escureceu com fumaça preta à medida que os pássaros vão descendo”, conta Hall. “A escala de vida é simplesmente incrível.”
Durante uma expedição de 2017 para pesquisar o arquipélago, cientistas do projeto Pristine Seas da National Geographic também descobriram uma grande população de tubarões-azuis migratórios, uma espécie que sofre com a sobrepesca devido a suas nadadeiras.
“Este é um local que possui um ecossistema ímpar e não pode ser encontrado em nenhum outro lugar”, afirma Enric Sala, explorador residente da National Geographic. Ele ressalta que é a única região em milhares de quilômetros com ecossistemas costeiros como florestas de algas e é um berçário essencial para tubarões-azuis.
Filhotes de albatroz empoleirados na Ilha de Tristão da Cunha. Enquanto a nova reserva marinha protege as águas necessárias para a alimentação dos albatrozes, os filhotes enfrentam uma grande ameaça dos camundongos invasores que se multiplicam na ilha. Está prevista uma iniciativa de erradicação para o próximo ano.
Benefícios da proteção marinha
Apesar de ser tão remota, Tristão da Cunha enfrenta ameaças à sua conservação. Camundongos invasores, trazidos por navios em trânsito, matam cerca de dois milhões de pássaros por ano. O primeiro programa de erradicação ocorrerá em 2021.
No mar, o chefe Hall da RSPB diz que a região já recebeu a visita de embarcações de pesca ilegal. Os moradores de Tristão da Cunha realizam uma pescaria de lagosta que recebeu a certificação de sustentabilidade do Conselho de Manejo Marinho. A nova reserva marinha exclui zonas pesqueiras designadas perto da costa de várias ilhas. Dentro da reserva marinha, não será permitido pescar.
Um relatório de 2017 da Pristine Seas utilizou dados de satélite para rastrear navios pesqueiros na região, de 2014 a 2016. A maioria dos 253 navios registrados parecia estar de passagem, mas 11 mostraram atividade condizente com a pesca. A pesca industrial pode fazer com que aves marinhas, tubarões e outras espécies importantes sejam capturadas acidentalmente nas redes ou linhas de pesca.
Sob a proteção do programa britânico Blue Belt, Tristão da Cunha receberá mais recursos para patrulhar suas águas e combater atividades de pesca ilegal, afirma Hall.
As áreas marinhas protegidas (AMPs) são consideradas pelos especialistas como uma solução para a conservação. Um estudo recém-publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences sustentou as evidências científicas de que as AMPs em todo o mundo protegem as fontes de alimentos por produzir maiores rendimentos. Zonas pesqueiras que não são perturbadas podem desencadear um efeito de “transbordamento”, no qual uma abundância de peixes de uma área protegida “transborda” para focos de pesca. O estudo constatou que a expansão da rede atual de áreas protegidas em apenas 5% pode aumentar a pesca global de peixes em pelo menos 20%.
“A crescente demanda de peixes e frutos do mar por uma população humana cada vez maior, combinada com os impactos negativos previstos causados pelas mudanças climáticas em diversas zonas pesqueiras, aumenta a necessidade de gerir e proteger bem as populações de peixes”, esclarece Reniel Cabral, ecologista da Universidade de Califórnia, em Santa Bárbara e um dos autores do estudo.
Há mais a ser feito
Cerca de 8% dos oceanos do mundo são denominados AMPs, mas a pesca é totalmente proibida em apenas 2,6%.
A Campanha em Prol da Natureza, uma iniciativa da National Geographic Society reivindica a proteção de 30% do oceano, uma cifra que, de acordo com a pesquisa, permite que os ecossistemas ofereçam benefícios, como grandes populações de peixes. Segundo eles, resguardar essa grande parte do oceano também ajudará a proteger as espécies criticamente ameaçadas de extinção.
“Temos 10 anos para proteger 30% do oceano se quisermos impedir a extinção de espécies”, afirma Sala.
Ele explica que essas áreas protegidas devem estar localizadas em grandes áreas intactas, como as águas que circundam Tristão, mas ressalta que o mundo precisa de uma quantidade maior de pequenas AMPs em locais onde a pesca comercial é mais ativa, como os Estados Unidos e o Mediterrâneo.