Lesmas movidas a energia solar escondem segredos incríveis – mas estão desaparecendo

A lesma marinha fotossintética, que vive na Costa Leste dos EUA, está se tornando tão rara que está impossibilitando pesquisas sobre ela.

Por Douglas Main
Publicado 26 de jul. de 2018, 12:49 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
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Elysia cholorotica, uma lesma marinha encontrada na Costa Leste dos EUA, pode roubar plastídios fotossintéticos das algas e sobreviver com a luz do sol.
Foto de Patrick J. Krug Animals

A vida tem certas regras e padrões. As plantas, com sua incrível capacidade de aproveitar a energia do sol, não ficam perambulando por aí. Elas não precisam. Mas os animais, sem o maravilhoso poder da fotossíntese, ficam. Eles correm, deslizam, voam. Eles procuram plantas e as comem.

Eles certamente não são capazes de fazer fotossíntese, ou é o que diz no manual dos animais. Esse é o papel de uma planta.

Mas uma pequena lesma-do-mar não está nem aí para essas regras.

Estes animais - Elysia chlorotica - que vivem na costa leste dos EUA, não se dão por satisfeitos em boiar por aí comendo algas. Em vez disso, eles roubam os motores moleculares que permitem que as plantas colham energia solar. As lesmas colocam essas mini máquinas, chamadas cloroplastos, em sua pele, o que as torna verdes esmeralda.

Essas lesmas marinhas parecem pequenas folhas e estão se tornando muito difíceis de encontrar.
Foto de Patrick J. Krug

Experimentos mostraram que essa lesma do mar, que parece uma pequena folha de uma ou duas polegadas de comprimento, pode ficar sem comer por nove meses ou mais, ao se aproveitar da fotossíntese das plantas roubadas enquanto se aquece ao sol.

“Isso é único; é controverso; é indescritível; ela nunca come”, diz Patrick Krug, biólogo da California State University, de Los Angeles. "É praticamente uma celebridade de L.A".

Embora outras lesmas marinhas possam roubar cloroplastos e usá-los para capturar alguns raios de sol, nenhuma espécie faz isso tão bem quanto a Elysia chlorotica.

Por essa razão, essas quimeras de planta e animal atraíram a atenção de cientistas, que esperam pesquisar a espécie para descobrir se isso pode ser aplicado nas mais diversas áreas, como por exemplo, imunologia e terapia genética.

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    Mas essas lesmas especiais estão se tornando cada vez mais raras, e o pequeno número de especialistas que as estudou em geral se aposentou ou mudou para outras áreas.

    Lesmas misteriosas

    As pesquisas mais recentes forneceram poucas respostas, além de muitas sugestões tentadoras, deixando claro que há a necessidade de se realizar um estudo mais aprofundado que poderia vir a revelar uma explosão de informações especiais e úteis.

    Até agora, ninguém sabe como as lesmas-do-mar fazem para que seus cloroplastos funcionem, uma vez que isso normalmente requer uma série de proteínas especiais produzidas por milhares de genes de algas, a maioria das quais aparentemente não são suficientes - embora essa área seja controversa.

    E por que os cloroplastos não ferem a lesma? A fotossíntese produz radicais livres de oxigênio em níveis que a maioria dos animais não deveria ser capaz de tolerar.

    Os mistérios estão por toda parte. Por que os cloroplastos não são destruídos no intestino da lesma? Por que o sistema imunológico não ataca esses corpos estranhos? Como as lesmas interagem bioquimicamente com elas?

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    Apenas um grupo de pesquisa - liderado por Sidney Pierce, pesquisador aposentado da University of South Florida - coletou as lesmas nos últimos dois anos, em um único pântano de sal em Martha's Vineyard, Massachusetts. Como outras pessoas que as estudaram, ele não divulga essas informações devido à escassez do animal.

    Karen Pelletreau, pesquisadora da University of Maine que costumava trabalhar extensivamente com os animais, só encontrou os invertebrados em Martha's Vineyard e um outro lugar, na Nova Escócia. Ela pesquisou várias áreas no Maine, onde costumavam ser encontradas, sem sucesso.

    Problema de lesmas

    Encontrá-las é “difícil, muito difícil”, diz a ex-conselheira e colega de Pelletreau, Mary Rumpho-Kennedy, que estudou as criaturas por décadas, mas se aposentou há vários anos. “Se você não souber exatamente onde e o que procurar, você não a encontrará”.

    Krug, que estuda lesmas-do-mar, especialmente as espécies que vivem na Costa Oeste, as procurou perto de Woods Hole, Massachusetts, sem sorte.

    Ele estuda principalmente um gênero chamado Alderia, que come as mesmas algas e que, como a E. chlorotica vive em pântanos salgados. Essas áreas e seus residentes são vulneráveis ao aumento do nível do mar, às mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global e ao desenvolvimento.

    “Esse habitat pode estar sofrendo ou se tornando cada vez mais efêmero, mais do que as pessoas imaginam”, diz Krug. Ninguém, diz ele, conduziu estudos populacionais sobre esses animais.

    As criaturas verdes também são difíceis de serem criadas no laboratório. Os adultos precisam ser bem cuidados para se reproduzir, normalmente vivendo menos de um ano. Os ovos eclodem em forma nadadoras que consomem vários tipos diferentes de algas. Então, como jovens adultos, eles começam a mastigar um alimento diferente, a Vaucheria litorea, uma alga de crescimento lento que é difícil de cultivar e produzir.

    “Elas comem isso literalmente mais rápido do que são capazes de crescer”, diz Pierce, que estudou os animais por mais de 30 anos. "É como ter adolescentes em casa."

    Embora dois grupos - a equipe de Rumpho e Pelletreau, por um lado, e Pierce, por outro - tenham criado as lesmas e produzido sucessivas gerações em laboratório, a reprodução é tão difícil que buscar animais selvagens se torna mais fácil. Eles também produzem níveis incríveis de muco, o que complica a análise molecular e de DNA.

    Seguindo em frente

    No entanto, para que as lesmas consigam manter seus cloroplastos, elas devem precisar utilizar os genes das algas ou produtos gênicos de uma maneira nova e desconhecida.

    Estudos conduzidos por Pierce sugerem que o genoma da lesma contém genes transferidos de algas, um incrível feito bioquímico que poderia ter relevância para a manipulação genética em outros animais, como seres humanos. Mas essa descoberta foi contestada por Rumpho e seus colegas, bem como alguns pesquisadores europeus.

    Debashi Bhattacharya, pesquisador da Rutgers University, liderou um estudo recente em Biologia Molecular e Evolução, mostrando que os animais expressam genes que controlam o sistema imunológico quando absorvem os cloroplastos e aumentam a atividade desses genes associados a produtos químicos reativos neutralizantes.

    Esses padrões são reminiscentes das interações bioquímicas envolvidas na relação simbiótica entre o coral e suas algas fotossintéticas.

    Pesquisas adicionais sobre essas semelhanças e quais implicações podem ter para o entendimento dessa simbiose vital apresentam apenas uma área promissora para exploração futura. Ele, como outros, espera que a Elysia chlorotica siga sendo estudada - embora ele não tenha planos para isso.

    “Para seguir esse estudo, alguém teria que encontrar uma forma de capturar muitas dessas lesmas-do-mar", diz ele. “A escassez do animal é o problema”.

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