Elefantes raramente sofrem de câncer. Motivo pode ser um gene “zumbi”

Genes recém-testados podem ser essenciais para a descoberta da razão pela qual esses queridos gigantes apresentam índices extremamente baixos da doença.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 20 de ago. de 2018, 11:39 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Considerando o tamanho e a longevidade dos elefantes, eles possuem um índice de câncer surpreendentemente baixo. ...
Considerando o tamanho e a longevidade dos elefantes, eles possuem um índice de câncer surpreendentemente baixo. Os pesquisadores esperam descobrir o motivo e utilizar as pistas para desenvolver tratamentos para a doença nos humanos.
Foto de Michael Nichols

Você, você mesmo, é composto por cerca de 30 trilhões de células. Em conjunto com os seus diversos micróbios, essa orquestra celular mantém o corpo em funcionamento - o seu coração batendo, o seu estômago roncando e os seus músculos em ação. Conforme envelhecemos, as nossas células se dividem para que as novas possam substituir as antigas. Contudo, erros genéticos são quase inevitáveis em todo esse processo de renovação celular. E esses erros normalmente se traduzem em câncer.

Sendo assim, estatisticamente falando, a ocorrência de câncer deveria ser mais frequente nos animais maiores, que possuem mais células. Nesse raciocínio, elefantes, com centenas de vezes mais células que mamíferos menores, deveriam ser acometidos pela doença com muito mais frequência. Mas não é isso que acontece.

Estudo na revista científica Cell Reports apresenta novas pistas que podem explicar esse fenômeno—e a chave pode ser um gene “zumbi” que foi recentemente restabelecido.

“Pela perspectiva da biologia evolucionária, é totalmente fascinante”, afirma Joshua Schiffman, oncologista pediátrico da Universidade de Utah, que não participou do estudo. “É um ótimo começo”, completa ele, frisando que mais testes são necessários para confirmar a descoberta. “Acredito que estamos apenas no início.”

Um enigma gigante

Em 2015, Schiffman e sua equipe publicaram um artigo detalhando a importante descoberta por trás desse antagonismo entre tamanho corporal e índice de câncer — um dilema agora conhecido como Paradoxo de Peto. Eles descobriram que os elefantes possuem cópias extras de um gene que suprime tumores, chamado P53. Os humanos possuem uma cópia, já os gigantes de tromba possuem 20.

Como no organismo animal—seja de humanos, elefantes, ou outras espécies—as células se dividem, esse gene atua como um médico encarregado da triagem genética. “O P53 é capaz de reconhecer danos ao DNA e dizer, ‘certo, quais são as opções?’” explica Amy Boddy, bióloga da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, que não participou do estudo. Células com tecidos menores podem ser reparadas, mas se elas estiverem muito danificadas, passam a representar risco de câncer, então o P53 determina que elas sejam eliminadas em vez de passarem por manutenção.

Ao passo que a maioria dos animais opta pelo reparo, as células dos elefantes normalmente optam pela eliminação, explica o autor do estudo Vincent Lynch, biólogo evolucionário da Universidade de Chicago. “Os elefantes são estranhos”, diz ele. “Suas células simplesmente morrem caso seu DNA seja danificado.” E Lynch, que liderou a equipe responsável pela descoberta independente dos genes P35 extras dos elefantes, quis saber o motivo.

Exterminador silencioso

Lynch e seus colegas começaram a pesquisar outras diferenças genéticas nos elefantes em comparação a mamíferos pequenos, especificamente os genes com cópias extras. Um gene em especial ganhou destaque: O Fator de Inibidor de Leucemia ou LIF, que também é conhecido pelo seu papel em aumentar a fertilidade.

“Fiquei um pouco surpresa em saber que se tratam dos genes LIF”, diz Boddy. A fertilidade parece estar pouco relacionada à prevenção do câncer, mas Lynch acredita que o LIF6 também possa ter outra função: eliminar células danificadas.

A maioria dos mamíferos, da pequena pika à grande baleia-de-minke, possui apenas uma cópia do LIF. Mas os elefantes e seus parentes próximos, incluindo os peixes-bois e os híraces parecidos com as marmotas, possuem muitas delas. Os elefantes possuem de 7 a 11, “dependendo de como são contadas”, afirma Lynch.

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    Uma dessas cópias parece ter uma utilidade: o LIF6. E, até o momento, ela foi encontrada somente nos elefantes.

    O LIF6 apareceu nos genes dos elefantes cerca de 59 milhões de anos atrás, sugerem os autores do estudo. E, inicialmente, era um gene não funcional e sem utilidade. Porém, o gene evoluiu, da mesma forma que os ancestrais proboscídeos dos elefantes evoluíram.  O gene foi restituído como um gene funcional “zumbi”—uma alteração que pode ter ajudado os elefantes a atingirem tamanhos tão extremos sem serem afetados pelo câncer.

    Se o P53 é o médico encarregado da triagem genética, o LIF6 é encarregado de cumprir suas ordens e eliminar células danificadas.

    Lynch e sua equipe demonstraram a atividade do gene LIF6 danificando o DNA de células de elefantes africanos em laboratório. O dano causado pareceu acionar o P53 para que recrutasse o gene LIF6, que então eliminava as células danificadas. Por outro lado, se impedissem o funcionamento do LIF6, essa sensibilidade ao dano celular específica dos elefantes parecia desaparecer, explica Lynch.

    Redes que previnem o câncer

    O gene zumbi não é o único que previne o câncer, adverte Lynch. “O LIF6 desempenha um pequeno papel em um processo muito maior”, afirma ele. Schiffman concorda e complementa “quase certamente serão realizadas outras descobertas”. Sua equipe publicou uma descoberta no início deste ano voltada a outro grupo de genes que ajudam a reparar o DNA rompido dos elefantes em vez eliminar as células danificadas.

    A esperança é que o estudo das defesas dos animais contra o câncer possa ajudar a desenvolver tratamentos para a doença nos humanos. “Foram necessários 59 milhões de anos de evolução”, diz Schiffman sobre a evolução do LIF6. “Na minha opinião, são 59 milhões de anos de pesquisa e desenvolvimento. É a natureza tentando descobrir a melhor solução para evitar o câncer há 59 milhões de anos.”

    Todo esse novo conhecimento pode servir como um empurrãozinho aos pesquisadores na luta conta o câncer.

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