Apesar de milhares em cativeiro, esta rara ave canora está entrando em extinção
Sendo cobiçado há muito tempo por competições de aves canoras na Indonésia, o mynah de asa negra está quase desaparecendo da natureza.
Três espécies do mynah de asa negra, que eram comuns há 20 anos, agora estão quase extintas da natureza, com a estimativa de existirem ainda apenas 500 aves. Entretanto, cerca de 40 mil vivem em cativeiro na Indonésia, de acordo com nova pesquisa.
Pesquisadores temem que o mynah de asa negra (Acridotheres melanopterus) siga o caminho do órix-de-cimitarra, um antílope natural do Saara que ficou extinto na natureza por volta do ano 2000 por conta da caça excessiva, mas ainda existe em grande número nos cativeiros.
Mynahs de asa negra, mynahs de traseiro cinza e mynahs de costas negras são espécies próximas na família dos esturnídeos, que são endêmicos na Indonésia. Até recentemente, eles eram considerados da mesma espécie e pesquisadores ainda usam coloquialmente o termo “mynah de asa negra” para se referirem aos três. Eles são valorizados por sua impressionante plumagem – corpo branco, asas negras e uma faixa de pele nua, amarela brilhante por trás dos olhos – e por suas belas canções cheias de trinados, assobios, chilreados e outras peculiaridades que os donos exibem em competições de pássaros canoros.
A Indonésia tem uma longa história de manter aves como animais de estimação e a demanda por pássaros engaiolados levou a chamada “Crise Asiática de Aves Canoras”.
Vincent Nijman, professor doutor em antropologia da Universidade de Oxford Brookes, na Inglaterra, que estuda as interações entre humanos e a vida selvagem, é o autor principal de um novo estudo publicado pela revista Global Ecology and Conservation, que avalia o comércio dos mynahs de asa negra.
Ele começou visitando e observando mercados de pássaros na Indonésia há 25 anos, mas não estava interessado nos mynahs de asa negra naquela época. Com o passar dos anos ele percebeu que conforme os mynahs se tornavam mais comuns nos mercados, tornavam-se mais escassos nas florestas. Embora muitas das aves observadas nos mercados fossem provavelmente criadas em cativeiro, outras certamente eram pegas da natureza porque é mais barato do que criá-las.
“Ficou muito claro que o declínio era, pelo menos em parte, devido ao mercado”, diz Nijman.
Para essa avaliação, Nijman e seus co-autores visitaram sete mercados de pássaros na Indonésia dezenas de vezes num período de 10 anos para determinar o comércio dessas aves. Os pesquisadores contaram 1.253 mynahs de asa negra e 32 comerciantes vendendo-os.
Matthew Jeffery, diretor de programas da Sociedade Nacional Audubon sediada em Nova York, já trabalhou anteriormente em questões do comércio de vida selvagem. Ele elogiou o recente estudo, no qual ele não está envolvido.
“É obviamente muito decepcionante, mas não tão absurdo para o sudeste asiático”, diz ele sobre as descobertas. “Isso define que há um imenso problema com o comércio ilegal da espécie.”
Ele diz que é muito difícil enfrentar o problema com o comércio de mynahs na Indonésia, principalmente porque isso significa enfrentar indivíduos muito ricos. Em alguns casos, um mynah que é de raça comprovada ou que ganhou várias competições importantes de pássaros canoros pode valer até $1.000, mais de cinco vezes o salário mensal médio de $183, segundo os dados do CEIC . Mas a extensão da criação em cativeiro fez com que o preço médio de um mynah caísse para cerca de $85, barato o suficiente para o pássaro se tornar um animal de estimação bastante comum para a classe média, dizem os autores.
“No sudeste da Ásia os crimes contra a vida selvagem são tão exacerbados que é quase impossível acompanhar,” diz Jeffrey.
Confusão cativa
Apesar das leis indonésias protegerem os mynahs de asa negra, proibindo sua captura, seu transporte e seu comércio, a lei permite criá-los em cativeiro.
A criação em cativeiro pode causar uma série de problemas para os pássaros selvagens. Nijman diz que muitos dos pássaros observados pelos pesquisadores nos mercados pareciam ser híbridos de três espécies muito próximas, que podem se reproduzir sem dificuldades. Isso pode ser um problema se as aves escaparem ou se forem soltas em local inapropriado, porque elas poderiam praticamente acabar com a existência dos pássaros selvagens com o passar do tempo.
Criadores de aves em cativeiro devem libertar de volta na natureza 10 por cento dos pássaros que criam, mas enquanto isso não acontece na prática, Nijman conta que observou que em pelo menos dois casos conhecidos, os animais foram soltos em lugares errados.
Além disso, como as regulamentações são impostas de maneira fraca, há pouco para impedir que pessoas recapturem as aves depois que estas são libertadas.
Jeffery diz que uma solução pode ser combinar a soltura das mynahs com a soltura de outras espécies, como primatas, já que os habitats nos quais eles são libertados às vezes recebem proteções mais fortes.
“Há algumas áreas mais seguras que talvez pudessem se tornar refúgios para algumas espécies,” ele diz.
Outro problema com a criação em cativeiro é que agora não há como distinguir entre uma ave selvagem ilegal e uma ave criada legalmente em cativeiro, dificultando a aplicação da lei.
Nijman gostaria que o governo instituísse e reforçasse a bandagem das pernas das aves como forma de diferenciá-las. O anel fechado dessa bandagem só cabe na perna da ave quando ela é filhote, algo que os criadores – mas poucos caçadores furtivos – têm a oportunidade de fazer. Se todos os criadores tivessem que bandar seus mynahs ainda filhotes significaria que qualquer mynah adulto à venda em um mercado sem o anel de bandagem provavelmente tenha sido caçado na natureza.
Sem tal medida o futuro, na melhor das hipóteses, parece incerto – e, na pior, desastroso – para essas três espécies de mynahs.