Este rastro enigmático foi um dos primeiros animais da Terra

A estranha forma de vida por muito tempo deixou cientistas perplexos. Então, uma equipe de pesquisadores usou análises modernas para olhar de forma diferente para esses restos antigos.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 27 de set. de 2018, 12:35 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A criatura que deixou esta impressão era animal, protista ou fungo? A química dá novas pistas.
A criatura que deixou esta impressão era animal, protista ou fungo? A química dá novas pistas.
Foto de O. Louis Mazzatenta

As criaturas ediacarianas eram estranhas – de discos com anéis a bolhas estampadas até cordas irregulares e folhas onduladas. Olhando para os mares quentes e rasos de 570 milhões de anos atrás, essas criaturas macias eram as primeiras formas de vida complexa na Terra.

Uma das mais famosas é Dickinsonia. Esta criatura oval, enrugada e achatada pode crescer mais de 1,20 metro de diâmetro e tem uma crista distinta no centro. No entanto, a pergunta do que seria exatamente a Dickinsonia confunde cientistas há muito tempo. Em vários momentos da história, eles encaixaram essa forma curiosa de vida em quase todos os reinos. Nas décadas recentes, o debate foi levantado entre os grupos: alguns pesquisadores sugerem que seja um fungo, outros dizem que é protista e outros dizem que é um animal.

Em um novo estudo, publicado na Science, pesquisadores usaram técnicas modernas para olhar para as criaturas antigas. Seus resultados uniram evidências que sugerem que Dickinsonia seja um dos animais mais antigos já encontrados – de antes da explosão de vida do Período Cambriano, que aconteceu 541 milhões de anos atrás e marcou a ascensão dos maiores grupos animais que existem até hoje.

“Esse já era um de nós”, disse o autor do estudo, Jochen Brocks, paleobioquímico da Australian National University. “Era um animal.” Apesar de Dickinsonia ter sido extinto, o animal é um dos primeiros experimentos de vida multicelular que acabou dando origem ao nosso zoológico moderno.

“Acho que isso completa o quebra-cabeças do nosso entendimento sobre Dickinsonia”, diz Mary Droser, paleontóloga da Universidade da Califórnia, Riverside, que não estava envolvida no estudo.

Nos últimos anos, ela explica, paleontólogos chegaram a um consenso de que Dickinsonia era um animal, baseados em estudos de suas impressões. Mas o novo trabalho adiciona mais a essas evidências, usando a química para embasar a hipótese animal. “Isso está ajudando a colocar Dickinsonia como parte da história da evolução animal do planeta Terra”, diz Droser.

O que são criaturas ediacarianas?

Descobertas inicialmente em 1946 nas colinas de Ediacara, na cordilheira de Flinders no Sul da Austrália, esses animais estranhos têm apenas a mais vaga semelhança com as formas de vida modernas. Criaturas ediacarianas são “tão estranhas como vidas de outro planeta, mas mais fáceis de encontrar”, descreveu o paleontólogo Adolf Seilacher em um artigo de 2007 para a Geological Society of London, Special Publications.

Sua aparência marca uma transição das vidas minúsculas para as enormes, conforme a evolução testava corpos para o aumento de tamanho. Mais de 50 tipos de ediacarianos são conhecidos hoje e foram encontrados em todos os continentes, exceto na Antártica.

Estudando quando vidas maiores surgiram, cientistas podem entender melhor o que faz uma criatura complexa. O trabalho também pôde fornecer pistas sobre como a vida surge em outros planetas. E comparado com as pesquisas feitas em outros planetas, “é muito mais barato voltar no tempo e ver como a vida surgiu na Terra”, diz Droser.

Como estudar o que não está lá

Um desafio ao estudar os ediacarianos é a questão da preservação. Seus corpos moles desapareceram há muito tempo e eles não tinham ossos ou conchas que pudessem se preservar como fósseis. Isso significa que essas formas de vida são conhecidas apenas por impressões de indivíduos antigos – muitas de suas feições delicadas provavelmente são perdidas nos traços grosseiros. As criaturas também são membros muito antigos da árvore evolutiva, sendo muito diferentes das formas de vida modernas, o que torna difícil definir onde elas se encaixam. Nos anos 1980, pesquisadores propuseram que ediacarianos deveriam ser um reino extinto.

Trabalhos passados focaram na análise física de traços de Dickinsonia crescimento e desenvolvimento, evidência de movimento, tamanho e complexidade. Para novas pistas, neste novo estudo, cientistas se voltaram para biomarcadores moleculares conhecidos como esteróis. Muitas criaturas os produzem, mas são diferentes em cada grupo.

Animais produzem uma versão chamada colesteróis, “como encontramos nos McNuggets”, brinca Brocks. Mas ediacarianos não estavam comendo frituras. Esses compostos químicos têm um papel importante nas membranas das células de praticamente todos os animais, ajudando a regular o que entra e o que sai.

Cientistas há muito tempo usam análise de biomarcadores para procurar por algas em sedimentos. “Nesse caso, o que encontra é uma média da composição do ecossistema que vivia ali”, explica Ilya Bobrovskiy, autor do novo estudo e estudante de PhD na Australian National University.

Porque os corpos dos ediacarianos são apenas impressões, ninguém tinha tentado testar os biomarcadores desses animais. No entanto, algumas impressões de ediacarianos ainda contém uma fina camada de material orgânico. E Bobrovskiy pensou que talvez os laços carbonáceos desse filme orgânico contivessem segredos sobre o que foi essa forma estranha de vida.

Brocks, orientador de Bobrovskiy, era cético. “Primeiro pensei que fosse uma ideia maluca”, diz ele. Mas sem querer desencorajar seu estudante ambicioso, ele aprovou.

O que a análise mostrou?

Bobrovskiy desenvolveu um método para testar esteróis fósseis nos restos dos ediacarianos, comparando os resultados a biomarcadores extraídos da rocha que o cercou.

Para testar o método, Bobrovskiy primeiro se voltou à criatura ediacariana Beltanelliformis, que se acreditava que fosse parente das algas, fungos ou até mesmo águas-vivas. Mas os biomarcadores revelaram que eram colônias esféricas de cianobactérias. Eles publicaram sua análise neste ano na Nature Ecology and Evolution.

Depois, a equipe se voltou para Dickinsonia, colhendo amostras da região do Mar Branco no Noroeste da Rússia.

“A composição molecular do fóssil e a composição molecular do fundo oceânico em volta do fóssil era preto e branco”, diz Brock. Uma abundância de colesteróis antigos – até 93% - nos traços, indicavam ser um animal. Enquanto o fundo oceânico em volta tinha muito pouco, contendo, ao invés disso, algo conhecido como ergosteróis, sugerindo a presença de algas verdes.

A linda simplicidade da análise é em parte o que torna esse trabalho impressionante. “É uma forma criativa de tentar responder essa questão”, diz Paula Welander, uma microbióloga da Universidade de Stanford que não estava envolvida no estudo. “É uma daquelas coisas: Por que ninguém pensou em fazer isso antes?”.

O método provavelmente será útil para ajudar a entender outros ediacarianos misteriosos, diz Renee Hoekzema, uma paleontóloga e matemática da Universidade de Oxford, que não fez parte do estudo, por e-mail. Ela estaria particularmente interessada na análise química dos rangeomorfos plumosos, que podem ser próximos do Dickinsonia. Essa é uma dar formas de vida que Brocks e seu grupo vão estudar a seguir.

“É um momento animador”, diz Hoekzema. “Depois de 70 anos de debates, estamos começando a entender a natureza enigmática da biota de Ediacara”.

Como biomarcadores podem persistir por tanto tempo?

Ao longo do tempo, tudo que é orgânico se deteriora. O colesterol não é exceção, diz Brocks. Mas os produtos de sua decomposição são muito específicos, ele explica, e “o esqueleto original de um colesterol” ainda é preservado nesses fósseis moleculares.

Welander, que estuda a criação e função de esteróis modernos para melhor interpretar traços antigos, elogia a rigorosidade do trabalho, dizendo que a equipe “realmente colocou os pingos nos is.”

É claro, nada é certo no mundo da ciência. O estudo é baseado na suposição de que apenas animais produzam colesterol, o que Welander diz que faz sentido com os dados atuais, mas há a possibilidade de mudar conforme aprendermos mais sobre as muitas formas de vida da Terra.

“Há muita incerteza”, diz Bobrovskiy sobre estudar uma vida tão antiga. “Mas a aplicação de biomarcadores remove parte dessa incerteza.”

Droser adiciona: “Junto com todo o resto, é difícil argumentar que não seja um animal.”

Dickinsonia foi o primeiro animal?

Apesar de cientistas não saberem dizer exatamente quando o primeiro animal surgiu, traços antigos indicam que foi há mais de 600 milhões de anos. No entanto, Dickinsonia, com sua nova classificação confirmada, cai no grupo dos animais mais antigos já encontrados. Kimberella, um antigo animal parecido com um molusco, se aproxima de Dickinsonia em idade. Assim como a criatura parecida com uma minhoca que deixou marcas conhecida como.

Cerca de 541 milhões de anos atrás, ediacarianos moles abriram caminho para as fantásticas criaturas da explosão Cambriana, com seus espinhos e armaduras.

Juntos, esse grupo espetacular de vida antiga nos ajuda a entender melhor a coleção de criaturas que hoje nadam, saltam, voam, galopam e caminham pelo mundo. “Ficamos maravilhados com a diversidade de vida e como a vida se adaptou a vários ambientes deste planeta”, diz Droser. “Mas este é um artefato do último bilhão de anos de evolução e extinções neste planeta... E a biota de Ediacara é o início disso.”

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