Homem leva 30 anos para solucionar mistério de assassinato de ave rara

O tetraz-das-pradarias de Attwater está à beira da extinção há décadas. Agora, ele ganhou mais uma chance.

Por Erik Vance
Publicado 10 de set. de 2018, 13:06 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um tetraz-das-pradarias de Attwater macho fica com sua bolsa de pescoço expandida em posição de cortejo. ...
Um tetraz-das-pradarias de Attwater macho fica com sua bolsa de pescoço expandida em posição de cortejo. Estas aves em extinção são encontradas em pequenos números no sudeste do Texas.
Foto de Bates Littlehales, National Geographic

A PRIMEIRA VEZ QUE Mike Morrow encontrou o tetraz-das-pradarias de Attwater em seu habitat natural foi no meio da noite. Foi em 1983, ele era um jovem aluno de pós-graduação na Texas A&M ajudando outro pesquisador. Eles chegaram cedo, antes do nascer do sol.

“Você está sentado lá totalmente no escuro e, então, de repente, você começa a ouvir essas aves voarem”, diz Morrow, agora um biólogo antigo do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA. “E, então, não muito tempo depois disso, elas começam suas vocalizações – seu cacarejo, logo elas começam a se exibir. Tudo isso acontece quando você ainda nem consegue vê-las. Então, quando começa a amanhecer, você as vê brincando no chão e se exibindo bem à sua frente”.

O solo em que elas se exibem é um pequeno lote de pradaria, talvez um acre, onde Attwaters machos se reúnem para desfilar, ciscar o solo com suas patas e dar pequenas piadas, ou exibições, enquanto as fêmeas observam.

O Attwater é uma ave pardacenta, comum na maior parte do ano. Mas durante a temporada de acasalamento, ela passa por uma transformação, inflando sua bolsa amarela brilhante em cada exibição.

Nos horários prévios ao amanhecer, Morrow se maravilhou com essa cena impressionante. Mas não muito tempo depois que ele encontrou Attwaters pela primeira vez, sua população diminuiu misteriosamente para apenas poucos animais e eles foram cercados para se reproduzirem em cativeiro, onde ainda vivem atualmente. Morrow passou 30 anos desde que vivia em um pequeno refúgio tentando resolver o mistério do desaparecimento dessas aves. É um enigma que ele agora afirma ter resolvido.

Os tetrazes-das-pradarias de Attwater, uma vez ubíquos nas pradarias do sul, apresentavam um ponto de queda para apenas 470 indivíduos, a maioria deles em uma pequena reserva no Sul do Texas.
Foto de Joël Sartore, National Geographic

Um culpado pelo mistério

A primeira coisa a saber sobre o tetraz-das-pradarias de Attwater é que qualquer coisa se alimenta dele. Falcões e outras aves de rapina, bobcats, coiotes, corujas, cães selvagens, e até mesmo gatos - qualquer coisa com dentes ou garras atacará essa ave. Consequentemente, suas principais defesas são grandes números e grandes espaços.

Ao longo do século 20, o Attwater perdeu ambos, na medida em que as pradarias desapareceram pouco a pouco. Até os anos 1960, ficou claro que eles estavam em declínio bastante sério até serem incluídos na Lei de Preservação de Espécies em Extinção de 1966 (a precursora da moderna Lei de Espécies em Extinção) como parte da chamada "classe de 67", a primeira espécie em extinção oficial da América.

Até os anos 1980, quando Morrow os viu pela primeira vez, eles pareciam ter se estabilizado em aproximadamente 1.000 a 2.000  criaturas. Morrow acabou fazendo sua pesquisa de doutorado sobre Attwaters. Contudo, até a época em que ele conseguiu um emprego como biólogo em 1988 no Refúgio Nacional da Vida Selvagem do Tetraz-das-Pradarias de Attwater, que fica a uma hora de distância de Houston, a população estava em queda significativa.

Uma década depois, os biólogos do FWS decidiram começar a reprodução do animal em cativeiro em instalações como o Refúgio da Vida Selvagem Fossil Rim, próximo de Dallas. Biólogos como Morrow começaram a capturar tantos Attwaters quanto podiam encontram, mas era quase impossível. Com as únicas aves que encontraram - 19 no total – foi iniciado um programa de reprodução de emergência. Não muito tempo depois elas desapareceram completamente de seu habitat natural.

O que aconteceu? Foi uma doença: Uma toxina desconhecida?

mais populares

    veja mais
    Um tetraz-das-pradarias de Attwater recém-nascido relaxa na luz quente no Centro da Vida Selvagem Fossil Rim, onde centenas de filhotes são criados durante a temporada de reprodução.
    Foto de Joël Sartore, National Geographic

    Uma teoria foi que a população havia atingido um ponto crítico desconhecido e, assim como o pombo-passageiro, desapareceu por falta de habitat. Eles não pareciam ter qualquer doença e o fato de que estavam morrendo dentro da sua variedade sugeriu que não era algum problema local, como o desmatamento ou a contaminação da água.

    Enquanto isso, eles não estavam se adaptando em cativeiro. “Nós não tínhamos um manual quando iniciamos esse programa. Tudo que estamos fazendo agora tem sido através de erro e acerto", diz Janet Johnson, que realiza o programa de reprodução em Fossil Rim.

    Por exemplo, inicialmente os machos eram separados por telas escuras para que não se machucassem tentando voar. Mas muitas das fêmeas pareciam não estar interessadas nos machos escolhidos para elas (selecionados para ampliar a diversidade genética) e botavam ovos estéreis. Verificou-se que as brigas eram importantes para chamar a atenção das fêmeas. Então, eles removeram as telas e permitiram algumas brigas entre os machos.

    Flores silvestres coreópsis na Reserva Nacional da Vida Selvagem do Tetraz-das-Pradarias de Attwater no Sul do Texas.
    Foto de Joël Sartore, National Geographic

    Eventualmente, isso deu certo. Os criadores em Fossil Rim e no Zoológico de Houston começaram a aumentar o número de aves a serem soltas. Mas uma vez soltas, elas não se reproduziam no habitat natural. Alguma coisa ainda estava errada. Até o início dos anos 2000, o futuro dessas aves parecia incerto. Mas ninguém ainda sabia o que as estava matando. Todos os anos as equipes tentavam reproduzi-las, criá-las e libertá-las na área preservada apenas para serem comidas. Era um serviço de entrega de carne muito caro para os predadores locais.

    “Nós derramamos nosso sangue, suor e lágrimas fazendo isso e não funcionou. E não sabemos o motivo. Foi incrivelmente frustrante", diz Morrow.

    Frustrante e obsessivo. Morrow é um homem quieto com um bigode cheio e óculos que fazem com que ele se pareça com seu avô favorito. Ele é cordial o suficiente pessoalmente, mas existe uma distância até ele; uma sensação de que ele prefere estar em campo com suas aves do que com outras pessoas. Ele é sério, obstinado, mas raramente entusiasmado – a menos que as aves estejam se exibindo.

    “Ele é a pessoa mais inteligente com quem já trabalhei”, diz John Magera,  gerente de preservação do Attwater. “Eu não acredito que ‘apaixonado’ seja o suficiente. Isso é um estilo de vida para ele.”

    Uma pausa no caso

    Aquela paixão finalmente rendeu frutos em 2005. As aves soltas começaram a sobreviver, mas seus filhotes morreriam rapidamente. Morrow e sua equipe descobriram que eles estavam terrivelmente desnutridos e frequentemente desidratados.

    Algum tipo de doença talvez? Os filhotes pareciam estar morrendo durante uma época crucial quando eles deixavam o ninho para caçar insetos. Morrow coletou amostras de solo e descobriu uma queda dramática nos insetos do solo. Alguma coisa estava eliminando todo o alimento dos filhotes. Morrow consultou sua ampla biblioteca de livros. A resposta estava enterrada em um trabalho entomológico de 15 anos de idade.

    “Formigas lava-pés!" Morrow diz em um de seus raros momentos de emoção. “Aquelas coisas são más. MÁS!”

    Uma das espécies invasivas mais agressivas e odiadas do país – com uma picada dolorosa – as formigas lava-pés chegaram no Texas em 1953 e se reproduziram até a ubiquidade nos anos 1970 e 1980. O trabalho que ele estava lendo dizia que elas causaram uma queda de 75 por cento nos artrópodes, 90 por cento de queda em outras formigas.

    Sem que ninguém soubesse, as formigas estavam deixando as aves morrerem de fome. Era uma informação estranha, mas fazia sentido para Morrow. Por volta da mesma época, uma empresa alimentícia exótica chamada Mazuri inventou um novo grânulo formulado apenas para Attwaters que aumentava significativamente os números da reprodução. Então, ele decidiu testar a teoria. Ele definiu diversos lotes – primeiro pequenos e, então, maiores – removendo as formigas e observando como as aves se saíam. Como um relógio, as aves nas áreas tratadas se reproduziram bem, mas aquelas em áreas repletas de formigas tiveram dificuldade.

    Agora ele tinha um plano. Ele tinha as aves, tudo o que ele precisava fazer era tratar todo o parque com um eliminador de formigas não tóxico e aguardar. Em 2010, o parque teve um grande ano de insetos e a população de aves atingiu números recordes.

    Mas então ocorreu um desastre, acompanhado por mais desastres. Em 2011, o Texas presenciou uma estiagem em todo o estado. Então, veio o Furacão Bill em 2014, seguido pelo Dia de Memória da Enchente em 2015 e o Dia do Imposto da Enchente de 2016. As aves tiveram dificuldades, com 120 ou mais no habitat natural. Então, em 2017, o Furacão Harvey quase as eliminou totalmente. Até 2018, restaram apenas algumas aves.

    “Acabamos de presenciar uma série de acontecimentos ruins da mãe natureza”, diz Morrow.

    Onde outros enxergam o fracasso, Morrow é otimista. Ele acredita que este é o ano em que tudo vai mudar. Tempo bom, uma safra abundante de mais de 550 aves se reproduzindo em cativeiro e sem formigas. Se o tetraz-das-pradarias de Attwater estiver voltando, agora é a hora.

    Uma soltura final

    Mike Morrow está no Zoológico de Houston bem cedo no grande dia. Uma semana sim, outra não neste verão, uma equipe de biólogos reuniu aves dos centros de reprodução, as marcou, pesou e desinfetou. Logo, todas elas serão soltas no Refúgio Nacional da Vida Selvagem do Tetraz-das-Pradarias de Attwater, uma extensão de 10.000 acres estabelecida pela FWS em 1972.

    Cinquenta e oito aves fizeram seu check-up final antes de serem levadas para a reserva. As aves são jovens e ágeis nas mãos dos tratadores do zoológico. Morrow as inspeciona como um comandante que está examinando as tropas. No mínimo, 20 por cento de todas elas sobreviverão o ano.

    Na reserva, ele tira cada ave de sua caixa, como se estivesse se despedindo e lhes desejando boa sorte. “Não sou uma pessoa otimista, as pessoas lhe dirão isso”, diz ele. “Mas estamos quase lá. Eu realmente me sinto assim”.

    Oficiais do Fish and Wildlife acham que é possível que a espécie se recupere totalmente em 6.000 aves. Morrow duvida que haja habitat suficiente para metade disso. Até o próximo mês de junho, ele finalmente saberá se sua teoria sobre as formigas está correta. Ele não tem muito mais tempo em sua carreira, talvez alguns anos. Mas antes de se aposentar ele ficaria satisfeito com algumas centenas de pares de reproduzindo nesse pequeno pedaço do Texas. Algumas centenas de aves para 30 anos de trabalho parece ser um bom resultado. Então, uma vez mais, ele sairá para a pradaria antes do amanhecer, ajeitará uma cadeira, e aguardará.

    mais populares

      veja mais
      loading

      Descubra Nat Geo

      • Animais
      • Meio ambiente
      • História
      • Ciência
      • Viagem
      • Fotografia
      • Espaço
      • Vídeo

      Sobre nós

      Inscrição

      • Assine a newsletter
      • Disney+

      Siga-nos

      Copyright © 1996-2015 National Geographic Society. Copyright © 2015-2024 National Geographic Partners, LLC. Todos os direitos reservados