Polvos estão tomando ecstasy em nome da ciência. Isso é ético?

Cientistas dizem que os cefalópodes reagem à droga de forma parecida com os humanos.

Por Lori Cuthbert
Publicado 25 de set. de 2018, 11:59 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um polvo-da-Califórnia, como os que participaram do experimento recente.
Um polvo-da-Califórnia, como os que participaram do experimento recente.
Foto de David Liittschwager, National Geographic Creative

O que acontece quando polvos tomam a anfetamina MDMA, comumente conhecida como ecstasy? De acordo com cientistas da Johns Hopkins University, os cefalópodes reagem à droga de forma parecida com os humanos, levando-os a concluir que nossos cérebros e os dos polvos fazem ligações parecidas para certos comportamentos.

Mas não tem problema dar a polvos desavisados uma droga alucinógena? E o que aprendemos estudando animais com uma relação tão distante dos humanos?

Cerca de três anos atrás, cientistas decodificaram o genoma do polvo-da-Califórnia e estudos subsequentes comparando essa sequência à do genoma humano encontrou partes de códigos que eram idênticos, apesar de termos nos distanciado dos polvos 500 milhões de anos atrás. As combinações genéticas envolviam certos neurotransmissores – produtos químicos cerebrais que mandam sinais entre neurônios – associados a comportamentos sociais.

Para testar que a similaridade era importante, a equipe de Johns Hopkins deu ecstasy para os polvos-da-Califórnia, que são conhecidos por serem altamente antissociais. Como esperado, a droga relaxou as inibições dos animais e os deixou mais sensíveis.

Ao interagir com os polvos da gaiola ao lado, “eles abraçavam a gaiola e colocavam suas bocas na gaiola”, diz a líder do estudo Gül Dölen, uma neurocientista de John Hopkins. “Isso é parecido com a reação dos humanos a MDMA; eles se tocam frequentemente”.

Os resultados do estudo, publicado na Current Biology, sugerem que mesmo os humanos e cefalópodes tendo seguido caminhos diferentes há muito tempo, as partes dos nossos cérebros que controlam o comportamento social ainda são iguais.

Polvos e nós

O interesse de Dölen em polvos vai além de como eles reagem ao MDMA. Os invertebrados são mais próximos das lesmas do que qualquer outro animal do mundo e são incrivelmente inteligentes. Polvos muitas vezes fogem de aquários, reorganizam – ou comem – seus companheiros de tanque e jogam pedras com tanta força contra o vidro que eles se racham.

O polvo-da-Califórnia envolvido no estudo (não este) se comportou semelhantemente a humanos que usam Ecstasy.
Foto de David Liittschwager, National Geographic Creative

Polvos também são muito, muito diferentes de humanos: eles não têm um córtex cerebral como os mamíferos, ainda assim eles podem realizar feitos cognitivos incríveis.

“É como estudar inteligência alienígena”, diz Dölen. “Potencialmente pode nos ensinar sobre as ‘regras’ para construir um sistema nervoso que suporte comportamentos cognitivos complexos, sem se prender à organização incidental de cérebros”.

Estudar espécies em outra extremidade da árvore evolutiva também pode revelar mecanismos por trás de incríveis comportamentos como regeneração de membros e camuflagem, diz Dölen, o que pode gerar novas ideias de robótica e engenharia. Entre outras maravilhas: Polvos carregam genes ligados ao autismo, mas eles ainda podem realizar tarefas que humanos dentro do espectro autista não conseguem. E enquanto alguns polvos morrem após se reproduzirem uma vez, outros podem se reproduzir várias vezes, o que pode nos dar uma visão sobre o envelhecimento.

As crianças estão bem?

A questão permanece sendo se é uma boa ideia dar uma droga recreativa para um invertebrado do oceano. Vários bioéticos disseram à National Geographic que desde que os animais sejam tratados humanamente; monitorados para sinais de stress e imediatamente removidos de houver algum; e não sejam expostos à droga tão frequentemente a ponto de ficarem viciados, provavelmente não tem problema.

“A maior questão ética é proteger os polvos da experiência de dor e angústia”, diz Jennifer Blumenthal-Barby, especialista em ética médica na Baylor College of Medicine em Houston, Texas.

O ecstasy é conhecido como uma droga para se sentir bem, adiciona Blumenthal-Barby. “Pelo comportamento deles, parece que a experiência deles com a droga foi parecida com a dos humanos”.

Craig Klugman, um bioético da DePaul University, vê a intensão como o mais importante: “Talvez o mais importante, deve haver um objetivo para a pesquisa – uma intenção de produzir algo que seja útil para a medicina veterinária ou humana”, diz ele.

Nos Estados Unidos, testes em polvos são regidos pelas mesmas regras que testes em insetos e minhocas, diz Dölen, apesar das autoridades europeias terem tornado os cefalópodes os únicos invertebrados a serem tratados da mesma forma que vertebrados.

Dölen diz que seu laboratório usa os mesmos princípios de estudos em ratos para estudos em polvos. Particularmente revelador, diz ela, depois de serem devolvidos aos seus tanques em Woods Hole Oceanographic Institute em Massachusetts, os polvos se reproduziram. Também, diz Dölen, em momento nenhum os polvos soltaram tinta, o que seria sinal de stress.

“Também devo dizer que polvos são amplamente consumidos como comida”, diz Dölen, “e posso dizer que mesmo no tipo de manipulação mais invasiva que possamos fazer para nossas pesquisas, os animais ainda serão melhor cuidados do que se estivessem sendo criados para serem usados como comida”.

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