Metade das orcas do mundo podem desaparecer em breve

Poluição persistente por PCB apresenta uma séria ameaça aos mamíferos marinhos.

Por Craig Welch
Publicado 3 de out. de 2018, 11:42 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Orca mergulha nas águas profundas da localidade de Andfjorden, na Noruega.
Foto de Paul Nicklen, Nat Geo Image Collection

Elas vivem em grupos que conversam e caçam em equipe – às vezes trabalhando juntas para criar ondas para derrubar presas sem sorte de pedaços flutuantes de gelo. Orcas experientes, com suas peles em dois tons e vidas familiares ricas, sobreviveram a assassinatos em massa, sendo capturadas com redes e levadas pelo ar até parques temáticos marinhos.

Mas uma nova pesquisa publicada na revista Science sugere que mais da metade das populações de baleias assassinas do mundo pode enfrentar o colapso em 30 a 50 anos, graças a um tipo de produto químico tóxico que o mundo já baniu.

Bifenilas policloradas de vida longa, ou PCBs, são compostos orgânicos que já foram usados em capacitores, tintas a óleo e refrigerantes, até que foram considerados tão prejudiciais que sua fabricação foi banida nos Estados Unidos e em outros países nos anos 1970 e 1980. Ainda assim, hoje orcas do hemisfério norte estão entre os animais mais fortemente contaminados do mundo.

Até hoje, acredita-se que o PCB esteja alterando o comportamento das orcas, prejudicando seus sistemas imunológicos e atrapalhando tanto na reprodução que pesquisadores suspeitam que muitas famílias de baleias assassinas (que são tecnicamente golfinhos) podem não sobreviver às próximas décadas.

“Um grupo de produtos químicos que achamos que não era mais uma ameaça ainda está presente em concentrações que continuarão apresentando um risco significativo”, diz o autor líder do estudo Jean-Pierre Desforges, do Arctic Research Centre da Universidade Aarhus da Dinamarca.

Desforges chama os resultados de “assustadores” – em parte porque PCBs são apenas uma das muitas ameaças que as orcas enfrentam, muitas vezes nem é a maior.

Acúmulo em grandes predadores

Apesar das concentrações de PCB terem diminuído inicialmente depois que o mundo parou de fabricá-lo, níveis no ambiente se mantiveram relativamente constantes nos anos recentes. Em parte porque os compostos ainda são encontrados em produtos remanescentes, como transformadores, isolamento de cabos e algumas tintas de navio. Oitenta por cento dos estoques do PCB global ainda não foram destruídos.

Além disso, PCBs se decompõem lentamente e são atraídos pelas moléculas de animais vivos, então, eles entraram na cadeia alimentar. Orcas são predadoras de ponta – elas ficam no topo da cadeia alimentar, podem comer peixes, focas, leões marinhos, tubarões ou baleias e não têm predadores naturais. Então os carcinógenos se acumulam em seus corpos.

Orcas estão distribuídas do Brasil até o Mar Mediterrâneo e do Ártico à Antártica. Diferente de muitos predadores terrestres, como ursos polares, baleias assassinas têm dificuldade para se livrar do PCB. Algumas baleias assassinas hoje carregam mais de 25 vezes a quantidade de PCB que é capaz de alterar sua fertilidade. Mães até passam o poluente para os filhotes durante o parto ou através do leite materno.

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    “Com base nas evidências de algumas décadas de pesquisa, PCB continua sendo o poluente mais preocupante no topo da cadeia alimentar para a vida selvagem do hemisfério norte”, diz Peter Ross, um dos coautores de Desforges e um toxicologista de mamíferos marinhos da Ocean Wise, a área de pesquisa do Aquário de Vancouver na Colúmbia Britânica.

    Sabendo disso, Desforges e colegas compilaram pesquisas sobre PCBs em 351 baleias assassinas de lugares diferentes do mundo, criando a base de dados de maior alcance desse tipo em todo o mundo. Eles usaram as tendências de crescimento populacional e o risco imposto por níveis específicos de PCB para prever os níveis de sobrevivência ao longo de um século de exposição.

    Descobriram que 10 das 19 populações que estudaram já estavam em declínio e que a exposição ao PCB levava a menos animais ao longo do tempo. As baleias assassinas que vivem perto de áreas industrializadas no Estreito de Gibraltar e no Reino Unido são especialmente afetadas, onde se acredita que menos de 10 sobreviverão. Também em perigo estão as populações do Japão, Havaí e no norte do Oceano Pacífico, que tendem a comer mamíferos marinhos que também estão contaminados com altos níveis de PCB. Populações de latitudes altas – Perto da Islândia, Noruega e dos polos – sofrem contaminação mínima e enfrentam um risco muito menor.

    Os pesquisadores reconhecem as limitações do estudo. É baseado em modelos computadorizados e os impactos às baleias assassinas são extrapolados a partir de estudos feitos em outros animais.

    “É um grande exercício, mas é preciso ser cético”, diz James Meador, um ecotoxicólogo na NOAA Fisheries’ Northwest Fisheries Science Center, que não participou do estudo.

    Mas até mesmo Meador chama os resultados de “um choque de realidade”, porque PCBs tornam os outros desafios das orcas piores.

    Ameaças interagem

    Para entender como, precisamos olhar para o Noroeste Pacífico e Puget Sound, a poucas milhas do escritório de Meador em Seattle.

    As baleias assassinas comedoras de peixes criticamente ameaçadas da região são as orcas mais estudadas do mundo. Usando fotos e marcas únicas, pesquisadores podem identificar cada indivíduo e traçar a linhagem familiar a um de três núcleos, conhecidos como J, K e L.

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    Embora o estudo de Desforges tenha mostrado que o risco devido ao PCB a essas baleias assassinas seja moderado, essa população, que se acredita que tenha sido de muitas centenas no século XIX, agora é de apenas 74 indivíduos. A ameaça é considerada tão grande que o governador de Washington neste verão criou uma força-tarefa emergencial para evitar uma crise de extinção.

    E baleias assassinas têm vidas emocionais tão sofisticadas que os problemas dessas orcas urbanas normalmente são bastante públicos – e difíceis de assistir.

    Neste verão, J35, uma orca de 20 anos apelidada de Tahlequah, perdeu um filhote meia hora após dar a luz e continuou carregando seu filhote morto com a cabeça por 17 dias. Ela acabou nadando por mais de 1.600 quilômetros.

    Enquanto o mundo acompanhava o ritual de perda desse animal, cientistas monitoravam outra orca, J50 de três anos, que parecia estar lentamente morrendo de fome. Cientistas lhe deram antibióticos e usaram uma placa de petri de cabeça para baixo preso a uma longa haste para colher amostras da respiração de seu espiráculo. Grupos locais trituraram salmão e tentaram dar para ela comer. Ela finalmente desapareceu no meio de setembro.

    Especialistas nesta semana fotografaram outro animal, K25, que claramente perdeu muito peso.

    Enquanto pelo menos três animais dessa população estão atualmente grávidas, nenhuma baleia residente do sul conseguiu manter um filhote vivo em muitos anos. De 2008 até 2014, cientistas, usando um labrador preto farejador de cocô chamado Tucker, encontraram matéria fecal de baleias e usaram para mostrar que quase 70% de todas as gravidezes conhecidas haviam falhado, de acordo com pesquisas do último ano.

    “Estamos agora no pior momento dos últimos 30 anos”, diz Lynne Barre, coordenadora de recuperação de baleias assassinas da NOAA.

    Apesar de muitos fatores contribuírem para essa queda, três são essenciais. Primeiro, diferente de todas as outras orcas que comem focas ou leões marinhos, residentes do sul se alimentam quase exclusivamente de salmão-rei. Mas esse tipo de salmão vem em um grande declínio há anos e cada uma das baleias precisa de centenas de quilos de peixes por dia. Enquanto isso, o barulho do tráfego de barcos está tornando a ecolocalização difícil, justamente enquanto as orcas têm que ir mais longe para buscar comida.

    E quando as baleias estão com fome e se esforçando muito, elas metabolizam gordura, liberando PCB e outras substâncias tóxicas presentes em sua gordura na corrente sanguínea. Lá, os poluentes podem prejudicar o sistema imunológico, aumentando o risco de doenças. Isso pode reduzir significativamente a fertilidade ou agir como uma neurotoxina, podendo desorientar baleias, complicando mais a busca por comida. E com as baleias famintas ficando cada vez menores, a porcentagem de PCB em seus corpos aumenta, amplificando os impactos.

    “Todas essas ameaças estão interagindo”, diz Barre.

    Outras populações em risco

    Baleias assassinas podem viver tanto quanto humanos, o que significa que algumas das que estão vivas hoje já estavam vivas na época do alto uso de PCB, durante e depois da Segunda Guerra Mundial. E esses contaminantes são de ação lenta, o que significa que adultos ainda podem ver os impactos da exposição que sofreram enquanto filhotes ou enquanto estavam no útero.

    Isso significa que até populações que parecem saudáveis podem estar ameaçadas, diz Ross.

    Enquanto o número de baleias residentes de Puget Sound está diminuindo, baleias transitórias próximas, que comem focas e leões marinhos, estão estáveis – apesar de seus níveis de PCB serem muitas vezes mais altos. Os números de baleias assassinas no Canadá e Alasca está aumentando, na verdade.

    Mas como o PCB pode afetar quase todas as funções psicológicas, “às vezes os números não são claros”, diz Ross.

    Por exemplo, no final dos anos 80, focas na Europa estavam fazendo uma grande recuperação depois de um grande declínio devido a PCBs e pesticidas nos anos 1960. Mas logo depois do governo declarar que a crise havia acabado, mais da metade das focas morreu ao serem atingidas por um vírus. Seus sistemas imunológicos provavelmente tinham sido enfraquecidos após anos de exposição, diz Ross.

    Deforges e Ross dizem que banir PCBs claramente deixou a situação melhor para orcas. “Sem isso, provavelmente não teríamos baleias assassinas hoje”, diz Ross.

    Mas os dois reforçam que os países precisam agir mais rapidamente para limpar poluentes remanescentes, tanto dentro de casa quanto na Convenção de Estocolmo. Enquanto isso, outras ameaças às orcas – particularmente devido à escassez de comida, barulho oceânico e os riscos crescentes decorrentes da mudança climática – precisam ser tratados rapidamente para recuperar algumas populações que estão decaindo.

    “Temos informações suficientes para agir”, diz Ross. “O tempo dirá se agimos rápido o bastante.”

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