Caçadores norte-americanos matam mais de 800 macacos por ano
Análise exclusiva revela que os EUA lideram o mercado, que tira cerca de mil vidas todos os anos.
Quando BLAKE FISCHER, oficial de alto escalão de conservação da fauna no estado de Idaho, nos EUA, matou uma família inteira de babuínos-pretos-acinzentados e outros animais durante uma viagem de caça esportiva à Namíbia, o escarcéu que se seguiu — e os relatos de suas caças que fez questão de compartilhar — acabou lhe obrigando a pedir demissão.
Apesar da ampla aversão pública à prática, uma nova análise da caça esportiva de primatas, realizada pela Humane Society International e divulgada com exclusividade para a National Geographic, indica que ela continua tão comum quanto era décadas atrás.
O babuíno-preto-acinzentado, com seu distinto focinho caído, encabeça a lista de troféus de primatas favoritos. A criatura de pouco mais de um metro de altura tem preferência por frutas e insetos suculentos, que guarda em suas bochechas, e tem similar gosto pelos mariscos que encontra ou por carniças.
As matanças como as realizadas por Fischer são permitidas na legislação internacional e, diferentemente das altas taxas cobradas sobre as caças de animais de grande porte, como leões, leopardos ou rinocerontes, as taxas sobre a caça de primatas são irrisórias.
"Costuma ser de graça ou, quando muito, uns $20, então basicamente as pessoas podem atirar livremente nos primatas", afirma Iris Ho, especialista sênior em programas e política de vida selvagem da Humane Society International. A prática, diz ela, "é abominável e assusta muitos defensores dos animais".
A caça esportiva de primatas tem longo histórico nos Estados Unidos. O presidente Theodore Roosevelt, em 1909, assassinou pelo menos três babuínos num único safári, ocasião famosa em que ele abateu aproximadamente 300 animais africanos.
A análise da Humane Society contou com os dados mais recentes disponíveis—os números da caça esportiva entre 2007 e 2016. Descobriu-se que os EUA respondem pela maior fatia desse mercado. Ao longo desses anos, 11.205 troféus de caça de primatas foram comercializados internacionalmente, sendo 8.896—ou quase 80 por cento—importados para os EUA. Na média, os EUA importaram cerca de 890 troféus de primatas por ano. O nono maior comprador, a Espanha, ficou bem atrás, tendo 490 importações registradas ao longo desses nove anos, seguida da África do Sul, com 401. Os principais países de origem dos primatas foram a África do Sul, Namíbia, Zimbábue, Zâmbia e Moçambique, respectivamente.
De acordo com a análise, os babuínos-pretos-acinzentados foram os mais procurados, sendo 6.925 transformados em troféus de caça nesse espaço de nove anos. Os macacos-vervet vêm na sequência, com 1,4 mil troféus, os babuínos-amarelos com 932 e os babuínos-anúbis com 635. "Não me surpreende o papel dominante dos EUA", observa Ho sobre a popularidade geral da caça esportiva dos EUA. No entanto, "me surpreende o número de troféus de primatas que os caçadores americanos trazem por ano".
Os números da caça esportiva foram coletados da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), acordo internacional que regulamenta o comércio internacional de animais selvagens. Esse banco de dados nem sempre é uma fonte exata. Os exportadores e importadores às vezes utilizam unidades diferentes (podendo uma entidade utilizar o número de animais, enquanto outra pode contar partes do corpo separadas, como dentes ou cabeças), e a exportação em um ano pode ser informada como importação no outro, alerta Rosie Cooney, que lidera o Grupo Especializado em Uso Sustentável e Meios de Subsistência da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)—uma rede global de especialistas que avalia, por exemplo, se a caça esportiva de animais ajuda na conservação das populações dessas espécies e de que modo as taxas sobre as caças beneficiam as comunidades locais, entre outras coisas.
Considerando-se que os registros da caça esportiva sejam precisos, diz Cooney, as caças não indicam necessariamente nenhum retrocesso na conservação. "A caça esportiva é polêmica, com certeza, e muitos têm pavor a ela por motivos emocionais", mas, "estritamente do ponto de vista da conservação, não vejo problemas significativos analisando esses dados".
Esses primatas também são espécies fora de perigo, de acordo com a IUCN. (A IUCN publica a Lista Vermelha, identificação de quais espécies da fauna e flora estão ameaçadas de extinção.) De acordo com Cooney, "o consumo de carne de caça e a perda de habitat são provavelmente muito mais significativas em todos esses países para todas essas espécies. É provável que a redução da demanda por troféus de caça dessas espécies seja bem irrelevante em termos de conservação".
Deixando de lado as preocupações quanto ao bem-estar dos animais, no âmago da polêmica da caça esportiva resta uma dúvida: se as taxas cobradas sobre as caças acabam ou não por auxiliar na proteção e restauração da vida selvagem. Cooney diz ser complicado definir isso, principalmente num cenário em que as operadoras das caçadas oferecem pacotes com uma gama de animais, inclusive primatas. Mas, considerando que a maioria das caças informadas é de espécies muito comuns, afirma ela, os preços costumam ser baixos e, portanto, as contribuições para a conservação são quase nulas.
“Todos esses animais desempenham um papel importante nos ecossistemas locais”, diz Ho, “e não deveriam ser assassinados só porque alguém quer se divertir”.