Há um apocalipse de morcegos a caminho. Será que a ciência consegue detê-lo?

Mariscos, abacaxis e laxantes podem nos ajudar a salvar os morcegos da síndrome do nariz branco.

Por Jason Bittel
Publicado 10 de nov. de 2018, 10:00 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Os morcegos marrons são uma das três espécies mais afetadas pela Síndrome do Nariz Branco, que ...
Os morcegos marrons são uma das três espécies mais afetadas pela Síndrome do Nariz Branco, que recebe esse nome pela forma como o fungo se aglomera no nariz dos animais.
Foto de Stephen Álvarez, Nat Geo Image Collection

A alguns quilômetros de Pittsburgh, na Pensilvânia, Estados Unidos, há um túnel ferroviário abandonado, parcialmente inundado e supostamente assombrado. Décadas de pichações avisam que os curiosos devem manter distância, mas lá dentro, um longo corredor de água fétida escorre pelos meus joelhos enquanto a luz do dia desaparece.

E é verdade o que dizem sobre o lugar, a propósito. Um assassino invisível se esconde lá dentro.

Os cientistas o chamam de Pseudogymnoascus destructans, ou PD. Ele também é conhecido como o fungo carnívoro que vem aniquilando populações de morcegos na América do Norte. Em pouco mais de uma década, ela matou mais de 6 milhões de animais.

Mas os cientistas ainda não perderam as esperanças. Na verdade, há uma série de novos projetos inteligentes que estão testando de tudo, desde extratos de abacaxi e ingredientes na medicina de constipação até vacinas aplicadas por lambidas e radiação ultravioleta para virar o jogo contra o fungo.

O PD foi descoberto pela primeira vez no estado de Nova York em 2006, e a doença que ele causa, chamada de síndrome do nariz branco, pode agora ser encontrada em 33 estados norte-americanos e sete províncias canadenses.

“Algumas espécies foram absolutamente dizimadas”, diz Winifred Frick, cientista-chefe da Bat Conservation International. “Nós conhecemos os morcegos orelhudos, os morcegos marrons e morcegos tricolores como 'os três grandes'”.

“Esta doença é incrivelmente irritante e difícil de resolver”, diz Frick. “Mas a maneira como vamos chegar lá será com trabalho, agregando nossas energias criativas.”

Incrível e comestível

Do lado de fora do túnel ferroviário na Pensilvânia, 100 litros de água aguardam para receber 100 kg de polietilenoglicol. Conhecida como PEG, esta substância apareceu na década de 1960, e hoje pode ser encontrada em tudo, desde adesivos e caixas de ovos até sabonetes, batons e supositórios.

Mas agora ele será carregado em pulverizadores de mochila como os que utilizados pelos Caça-Fantasmas, e será usado para revestir cada centímetro das paredes e teto do túnel.

Com uma luz ultravioleta especial, os cientistas são capazes de detectar áreas amarelo alaranjadas nas asas dos morcegos marrons que estão sob ataque do fungo que causa a Síndrome do Nariz Branco.
Foto de Greg Turner, Pennsylvania Game Commission

Incrivelmente, o PEG parece ser capaz de enganar o fungo PD, fazendo-o pensar que o meio ambiente está seco - mesmo que seja um túnel ferroviário cheio de água. Em resposta, o fungo que come os morcegos simplesmente se desliga e deixa de produzir esporos. E como o PEG é aplicado bem antes dos morcegos entrarem no túnel para a hibernação no inverno, o objetivo é criar um refúgio seguro no qual os animais possam esperar pelo fim do inverno.

“Estamos tentando tornar o ambiente menos propício para o PD”, diz Barrie Overton, micetologista da Lock Haven University, na Pensilvânia, que recebeu uma doação do Bats for the Future Fund, uma parceria público-privada com contribuições financeiras do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA. “E espero que ajude na sobrevivência de mais morcegos”.

E se o PEG não conseguir fazer o trabalho sozinho, a equipe planeja adicionar um fungicida derivado do fermento na mistura. “É um ataque duplo", diz Overton.

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Em outro túnel ferroviário na Geórgia, os pesquisadores estão trabalhando em um tipo completamente diferente de spray - um que pode ser aplicado diretamente nos morcegos. Acredite ou não, o ingrediente ativo foi descoberto em abacaxis selvagens da Bolívia.

“O fungo Muscodor crispins vive entre as células da planta de abacaxi selvagem”, diz Chris Cornelison, um microbiologista da Kennesaw State University, na Geórgia. “O papel específico que desempenha na fisiologia e no ciclo de vida do hospedeiro é desconhecido”.

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    No entanto, o que sabemos sobre o fungo do abacaxi é que ele inibe o crescimento de outros fungos. É por isso que Cornelison e seus colegas vêm testando sua eficácia nos cerca de 200 morcegos tricolores que ainda vivem no Túnel Black Diamond, no nordeste da Geórgia, que já abrigou mais de 5.500 morcegos tricolores em 2013.

    Como o Túnel Black Diamond está cheio de água gelada e é profundo demais, os pesquisadores criaram um sistema de polias que transporta um barco de alumínio equipado com um atomizador rotativo. Eles até deram um nome ao seu equipamento salvador de morcegos: Batilda.

    Até agora, Cornelison diz que eles estão vendo um aumento na população de morcegos no local desde que começaram a pulverizar a solução. No entanto, até que eles possam fazer mais testes, é importante ser “muito cauteloso” ao dizer que o tratamento está funcionando, diz ele. A equipe também irá adicionar outro componente chamado decanal ao coquetel neste inverno. Um composto orgânico comumente encontrado em frutas cítricas e ervas de coentro, o decanal também é conhecido por matar esporos de PD no laboratório.

    Quantas lambidas podem salvar um morcego?

    Outro método promissor que pode ser capaz de salvar os morcegos é uma vacina que permite que os animais combatam o fungo com seu próprio sistema imunológico. A melhor parte, sem agulhas. Esta vacina será aplicada com lambidas.

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    “Os morcegos são muito meticulosos por natureza, eles vivem limpando uns aos outros”, diz Tonie Rocke, pesquisadora epidemiológica do Serviço Geológico dos Estados Unidos. “Eles lambem tudo o que for aplicado neles.”

    É por isso que Rocke e seus colegas estão desenvolvendo uma substância gelatinosa que pode ser aplicada aos morcegos quando eles se empoleiram ou podem ser pulverizados sobre eles quando entram em um local de hibernação. Os morcegos, então, ajudariam a transferir a vacina para seus vizinhos, enquanto eles disputam as melhores posições de hibernação, e consomem a substância enquanto se limpam.

    “Se formos bem-sucedidos, uma vacina poderia fornecer imunidade ao longo da vida para morcegos tratados”, diz Rocke.

    Além disso, Rocke diz que esta abordagem poderia ser usada para tratar outras doenças que afligem os morcegos, como a raiva.

    Uma luz na escuridão

    Enquanto outros se concentram em produtos químicos e vacinas, Frick está experimentando o antigo poder de desinfecção da luz solar. Ou uma versão artificial disso, ao menos.

    “O fungo tem um tipo único de sensibilidade genética à luz ultravioleta”, diz ela.

    Tudo o que é preciso são trinta segundos de UV de baixo nível para derrubar o fungo e, o melhor de tudo, a luz parece ter pouco ou nenhum efeito em outros micróbios nativos. Agora, Frick e seus colegas estão testando a duração do efeito em minas abandonadas no Arkansas, no Alabama e no Canadá. Eles também estão tratando seções dessas minas com o PEG para ver como os dois métodos se comparam.

    Se a luz ultravioleta se mostrar tão eficaz quanto o esperado, Frick diz que eles precisarão resolver o problema de engenharia de como criar uma fonte de luz eficiente o suficiente para tratar minas inteiras ou cavernas - como o Batsinal do Batman.

    Frick também faz parte de outro projeto que está usando uma molécula chamada quitosana. Derivado dos exoesqueletos de moluscos e insetos, a quitosana já ajuda a tratar a obesidade, o colesterol alto e a doença de Crohn em humanos. Para os morcegos, os cientistas estão interessados na capacidade da fibra de agir como um agente antifúngico que promove a cicatrização de feridas.

    Até agora, Frick e seus colegas trataram pequenos morcegos marrons em Michigan, onde o fungo já está bem estabelecido, bem como morcegos no Texas, onde esperam deter a disseminação antes que ela se espalhe.

    “Fizemos alguns testes iniciais com resultados promissores mostrando que reduziu a gravidade da doença em morcegos e poderia aumentar a sobrevida”, diz Frick.

    O caminho pela frente

    De volta ao túnel ferroviário assombrado, o biólogo especializado em vida selvagem da Comissão de Caça da Pennsylvania, Greg Turner, faz uma pausa no rugido do pulverizador de mochila para explicar por que todas essas várias abordagens podem parecer tão dispersas.

    “O que estamos tentando encontrar são ferramentas que seriam específicas para diferentes situações em diferentes espécies”, diz ele.

    Por exemplo, mesmo se um gel de vacina fosse maravilhosamente eficaz em enormes colônias hibernando de pequenos morcegos marrons, a mesma estratégia pode não funcionar para morcegos tricolores, porque essa espécie tende a se empoleirar individualmente.

    E os projetos acima estão em uma lista exaustiva de estratégias sendo testadas. Além dos tratamentos com PEG, Turner está investigando a alteração do fluxo de ar em algumas cavernas para torná-las mais frias e menos propícias ao crescimento do PD. Controle climático para cavernas, em outras palavras.

    Do estado de Washington e do Texas a Manitoba e Newfoundland, cientistas de todos os tipos se uniram para encontrar uma solução, qualquer coisa, que lhes dê mais tempo na luta contra o fungo assassino. De fato, os morcegos europeus evoluíram e podem coexistir com o PD, e há evidências de que os morcegos dos Estados Unidos também estão começando a resistir ao fungo.

    “Já vimos uma diminuição dramática na quantidade de infecções que esses morcegos estão contraindo em um período muito curto de tempo”, diz Turner. No entanto, como o fungo parece afetar cada espécie de forma diferente, alguns morcegos podem não ter tempo para se adaptar.

    Seja através do PEG, quitosana, luz ultravioleta ou qualquer uma das outras ideias propostas, Turner diz que tais tratamentos são, na verdade, apenas um Band-Aid - uma estratégia temporária destinada a deter o sangramento por tempo suficiente para que os morcegos continuem a repovoar a área.

    “O ideal é que os próprios morcegos eventualmente evoluam e sobrevivam, como na Europa”, diz ele.

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