O que perdemos com a extinção dos animais

Os animais estão desaparecendo a um ritmo muito maior que o normal, sobretudo por causa da redução de habitats. A maior ameaça deles? O homem.

Por Elizabeth Kolbert
fotos de Joël Sartore
Publicado 23 de out. de 2019, 19:36 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O tigre-da-china não é visto na natureza (Panthera tigris amoyensis) há mais de uma década. Em ...
O tigre-da-china não é visto na natureza (Panthera tigris amoyensis) há mais de uma década. Em perigo crítico de extinção, ele possivelmente está extinto na natureza. Os zoológicos possuem menos de 200 indivíduos em programas de reprodução. Se o plano chinês de devolver alguns à natureza fracassar, essa poderá se tornar a quarta subespécie de tigre a ser extinta.
Foto de Suzhou South China Tiger Breeding Base

A maioria dos animais mostrados aqui está entre as mais de 28 mil espécies da fauna e flora que, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), estão ameaçadas de extinção. Esse número representa uma estimativa muito menor do que a realidade. Desde 1964, quando a IUCN criou uma “lista vermelha” de espécies ameaçadas e passou a compilar dados coletados em todo o mundo, a lista se tornou o principal banco de dados mundial de espécies ameaçadas e uma ferramenta essencial para políticas de conservação.

No entanto, a IUCN conseguiu avaliar apenas cerca de 106 mil das mais de 1,5 milhão de espécies de animais e 300 mil espécies de plantas descritas e nomeadas pelos cientistas – uma estimativa que, segundo eles, representa menos de um quarto do que realmente existe. Um relatório intergovernamental recente sobre a crise da biodiversidade estimou que a extinção ameaça até um milhão de espécies da fauna e flora, conhecidas ou não. A IUCN espera aumentar a quantidade de espécies avaliadas para 160 mil até 2020. O próximo item em sua agenda é uma “lista verde” de sucessos de conservação. Será muito mais curta do que a vermelha.

O jabuti-amarelo, Chelonoidis denticulata (vulnerável), habitante da América do Sul e do Caribe, é caçado por sua carne, considerada uma iguaria. Também é capturado e comercializado como animal de estimação.
Foto de Kansas City Zoo, Missouri

A MAIOR AMEAÇA: HUMANOS

A perda de habitat – provocada principalmente pela expansão do homem à medida que utilizamos terras para habitação, agricultura e comércio – é a maior ameaça enfrentada pela maioria das espécies de animais, seguida da caça e da pesca. Ainda que o habitat não esteja totalmente perdido, ele pode estar tão alterado que os animais não conseguem se adaptar. Cercas fragmentam pastagens, a exploração madeireira divide florestas ao meio, interrompendo corredores migratórios; a poluição intoxica os rios; pesticidas matam de forma generalizada e indiscriminadamente. Além dessas ameaças localizadas, surgem cada vez mais ameaças globais: o comércio, que espalha doenças e espécies invasoras de um local para outro, e as mudanças climáticas, que acabam afetando todas as espécies da Terra, a começar pelos animais que vivem no alto das montanhas, onde é mais frio, ou que dependem do gelo polar. Todas essas ameaças remetem, direta ou indiretamente, ao homem e à nossa presença crescente. A maioria das espécies enfrenta várias ameaças. Algumas são capazes de se adaptar a nós; outras desaparecerão.

Flamingo-pequeno, Phoeniconaias minor (quase ameaçado).
Foto de Cleveland Metroparks Zoo

Se estivéssemos vivendo uma época comum – “época” entendida aqui no sentido duradouro e vagaroso de uma era geológica – seria quase impossível observar o desaparecimento de uma espécie. Tal fenômeno seria raro de testemunhar. No caso dos mamíferos, o grupo de animais mais estudado, o registro de fósseis indica que a taxa “histórica” de extinção, que predominava antes de o homem entrar em cena, era tão ínfima que, ao longo de um milênio, uma única espécie desaparecia.

Mas, claro, não estamos vivemos uma época comum. Em todas as partes, as espécies estão desaparecendo. Na última década apenas, foram extintas duas espécies de mamíferos: o morcego Pipistrellus murrayi e o roedor Melomys rubicola.

A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) lista mais de 200 espécies e subespécies de mamíferos como em perigo crítico de extinção. Em alguns casos, como o rinoceronte-de-sumatra ou a vaquita – cetáceo nativo do Golfo da Califórnia – restam menos de 100 indivíduos. Em outros, como o do baiji (também conhecido como golfinho-branco-chinês), as espécies, embora ainda não declaradas oficialmente extintas, provavelmente desapareceram.

Peixe-napoleão, Cheilinus undulatus (ameaçado).
Foto de Dallas World Aquarium
Raposa-do-ártico, Vulpes lagopus (pouco preocupante).
Foto de Great Bend–Brit Spaugh Zoo, Kansas

E, infelizmente, o que vale para os mamíferos vale para quase todos os demais grupos de animais: répteis, anfíbios, peixes e até insetos. Hoje, as taxas de extinção são centenas – talvez milhares – de vezes mais altas que a taxa histórica. São tão elevadas que os cientistas dizem que estamos à beira de uma extinção em massa.

A última extinção em massa, ocorrida com os dinossauros há cerca de 66 milhões de anos, decorreu do impacto de um asteroide. Hoje, a causa da extinção parece mais diversificada. É a exploração madeireira, a caça ilegal, os atropelamentos, a introdução de patógenos, as mudanças climáticas, a pesca predatória, a acidificação dos oceanos.

Mas procure a origem disso tudo e encontrará o mesmo culpado. O célebre naturalista E.O. Wilson observou que o homem é a “primeira espécie na história da vida a se tornar uma força geofísica”. Muitos cientistas argumentam que entramos em uma nova era geológica: o Antropoceno ou a Idade do Homem. Em outras palavras, desta vez, o asteroide somos nós.

Uma das menores ave canoras nativas dos Estados Unidos já pode estar extinta devido à acentuada perda de habitat resultante da urbanização no sudeste dos EUA e em seus refúgios de inverno em Cuba. A última vez em que um foi avistada viva foi em 1988.
Foto de Tall Timbers Research Station And Land Conservancy, Flórida

O que se perde com a extinção de um animal?

Uma espécie, seja de macaco ou formiga, representa a resposta a uma charada: como viver no planeta Terra. O genoma de uma espécie é como um manual; com o extermínio de uma espécie, seu manual se perde. De certo modo, estamos saqueando uma biblioteca: a biblioteca da vida. Em vez do Antropoceno, Wilson batizou a era em que estamos entrando de Eremozoico – a idade da solidão.

Macaco-barrigudo, Lagothrix cana (em perigo de extinção) – Esta jovem macaca-barriguda do Brasil foi criada como animal de estimação e sofria de desnutrição. Quando capturada, é provável que sua mãe tenha sido morta. A polícia ambiental a resgatou e ela foi tratada, mas precisará viver em cativeiro pelo resto da vida.
Foto de Cetas-ibama, Brazil

Joel Sartore fotografa animais há 13 anos para seu projeto Arca de Fotos. Cada vez mais, os animais alojados em zoológicos ou criadouros especiais estão entre os últimos membros remanescentes de sua espécie. Em alguns casos, são os únicos membros.

Toughie, um sapo da espécie Ecnomiohyla rabborum, nativa da região central do Panamá, vivia no Jardim Botânico de Atlanta, nos EUA. Ele se tornou o último indivíduo conhecido da espécie após uma doença fúngica assolar seu habitat natural e um programa de reprodução em cativeiro fracassar. Toughie morreu em 2016 e é provável que a espécie esteja agora extinta.

Romeu, um sapo-aquático-de-sehuencas, que vive no museu de história natural de Cochabamba, na Bolívia, também era considerado o último sobrevivente. Os cientistas criaram um perfil de namoro online para ele. O link levava para uma página de doações e os US$ 25 mil arrecadados ajudaram a financiar expedições no leste dos Andes, onde a espécie já foi abundante.

Surpreendentemente, a pesquisa encontrou mais cinco sapos-aquáticos-de-sehuencas, dois machos e três fêmeas. Todos foram levados para Cochabamba; a única fêmea madura o suficiente para procriar com Romeu foi batizada de Julieta. Ninguém sabe se ela se revelará uma companheira digna e perpetuará a espécie.

O sapo Ecnomiohyla rabborum era bonito? Não era tão chamativo quanto, digamos, a ararinha-azul (que se acredita estar extinta na natureza) ou o langur-dourado (que está ameaçado de extinção). Mas, com seus olhos castanhos expressivos e membros esguios, possuía um certo charme próprio.

Caracol da espécie Partula nodosa (extinto na natureza)
Foto de St. Louis Zoo

Sartore reverencia todas as criaturas – grandes e pequenas, bonitas e grotescas. Suas fotos captam a singularidade e, também devo dizer, a alma de todos os seres vivos. Uma das minhas imagens favoritas de Joel é a de um caracol da espécie Partula nodosa, um caracol arborícola, deixando um rastro de gosma. Havia dezenas de espécies de Partula no sul do Pacífico, ocupando diferentes ilhas e diferentes nichos ecológicos. Tal como os tentilhões de Darwin, são os queridinhos dos biólogos evolucionários – testemunhos vivos do poder da seleção natural que, de sobra, ainda produzem gosma. A introdução de caracóis carnívoros da Flórida extinguiu quase um terço das espécies de Partula; vários sobrevivem unicamente graças a programas de reprodução em cativeiro.

As extinções se tornaram tão corriqueiras atualmente que se tornaram banais. Essa banalização é o que torna as imagens de Sartore tão importantes: elas mostram como cada espécie perdida é notável.

Vivemos uma época extraordinária. Talvez, se reconhecermos isso, poderíamos começar a visualizar a criação de uma época diferente: uma época que preservasse, tanto quanto possível, a maravilhosa diversidade da vida.

AMEAÇA: DOENÇA

Desde a década de 1980, uma doença fúngica chamada quitridiomicose, provavelmente transmitida por contato direto e água contaminada, tem devastado as populações mundiais de anfíbios. Mais de 500 espécies foram afetadas; 90 podem estar extintas. O fungo interrompe a transmissão de eletrólitos através da pele de um sapo ou rã e acaba provocando uma parada cardíaca.

AMEAÇA: ESPÉCIES INVASORAS

Cagu, Rhynochetos jubatus (em perigo de extinção) – Como muitas espécies insulares, o cagu, ave nativa do território francês da Nova Caledônia, no Pacífico, que quase que não voa, foi extremamente afetada pela chegada, no fim da década de 1700, de colonos europeus e seus animais. Aproximadamente do tamanho de uma galinha, o cagu continua sendo caçado por porcos, gatos e cães não nativos. Os pássaros botam ovos no chão e ratos os comem. Estimativas recentes da população sugerem que restam menos de mil cagus. Os cientistas, no entanto, têm alguma esperança para o futuro: décadas de reprodução bem-sucedida em cativeiro resultaram na reintrodução das aves na natureza, e o controle de predadores permitiu que algumas populações se recuperassem.
Foto de Houston Zoo

AMEAÇA: FRAGMENTAÇÃO

Esta subespécie de gazela já foi abundante em todo o oeste do Saara. Agora, existem menos de 300 dessas gazelas ao todo no Mali, Chade e Níger. Sua área de ocorrência está fragmentada por pastagens, e o animal corre risco de ser caçado. A reintrodução de animais criados em cativeiro teve algum sucesso.
Foto de Budapest Zoo

AMEAÇA: PERDA DE HABITAT

As borboletas podem voar longas distâncias e se alimentar de muitos tipos de flores, porém as lagartas são locávoras, alimentando-se de plantas próximas ou nas quais seus ovos eclodem. Conforme essas plantas são perdidas para a urbanização ou a agricultura, as borboletas desaparecem. As que estão relacionadas aqui não foram listadas pela IUCN (que avaliou apenas 8,1 mil espécies de insetos), mas são consideradas em perigo por outras autoridades.

AMEAÇA: CAÇA FURTIVA

Elefante-asiático Elephas maximus (em perigo de extinção) – No início do século 20, talvez 100 mil elefantes vagassem pela Ásia. Desde então, sua população provavelmente foi reduzida pela metade. Eles são mortos não apenas por suas presas de marfim, mas também por sua carne e peles – e, às vezes, em retaliação pelos danos causados em plantações.
Foto de Los Angeles Zoo

AMEAÇA: DESMATAMENTO

Para os lêmures arborícolas, não existe vida sem floresta – ou sem Madagascar, seu único lar. No entanto, a nação insular perdeu 80% de suas árvores para a urbanização, a produção de carvão vegetal e o preparo da terra para a agricultura por meio de queimadas. Os lêmures ficam restritos às escassas áreas de proteção: 38 espécies estão em perigo crítico. Fogões com baixo consumo de combustível estão sendo introduzidos para incentivar as pessoas a reduzir o uso da lenha e proteger o habitat da floresta.

Sifaka-diademado Propithecus diadema (em perigo crítico de extinção) – As fêmeas entram no período fértil apenas um dia por ano, limitando a capacidade de recuperação das populações fragmentadas desse lêmure.
Foto de Lemur Island, Madagascar
Aie-aie, Daubentonia madagascariensis (em perigo de extinção) – Embora raro, esse lêmure – o maior primata noturno do mundo, com menos de 3 quilos – ainda é encontrado em toda a ilha. Mas a sabedoria local sustenta que aie-aies trazem azar e geralmente são mortos na hora.
Foto de Denver Zoo
Lêmure da espécie Eulemur fulvus (quase ameaçado) – Houve uma queda de um quarto nas populações desses lêmures desde 1995 e acredita-se que continuem em declínio devido ao desmatamento e à caça.
Foto de Omaha's Henry Doorly Zoo and Aquarium, Nebraska

O livro mais recente de Elizabeth Kolbert, A Sexta Extinção, venceu o prêmio Pulitzer. O fotógrafo Joel Sartore tem sido chamado de Noé dos tempos modernos por construir a Arca de Fotos, a maior coleção de retratos de animais em estúdios.

Arca de Fotos é um projeto conjunto de Joel Sartore e National Geographic. Saiba mais em natgeophotoark.org.

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