Esse é possivelmente o maior bando de tartarugas-marinhas já filmado
Centenas de milhares de tartarugas-olivas deslocam-se todos os anos para Ostional, na Costa Rica — mas o desenvolvimento econômico e o turismo podem ameaçar o futuro desses animais.
“Esse é o primeiro vídeo que vejo capturando esse fenômeno na água”, afirma Roldán Valverde, diretor científico da Sea Turtle Conservancy na Flórida, e biólogo na Universidade de Southeastern Louisiana. “A maior parte da documentação fotográfica desse evento ocorre na praia.”
A gravação feita pelo drone mostra os animais se reunindo numa densidade aproximada de uma tartaruga por metro quadrado, algo inédito no mundo. Ao longo da temporada de chuvas, contabilizou-se uma média de 250 tartarugas por quilômetro quadrado — também um recorde. Além disso, o vídeo também mostra as tartarugas subindo à superfície regularmente, o que sugere que, na verdade, há um número maior delas abaixo da superfície do que acima.
Bézy espera que sua pesquisa ajude a desvendar por que e como tantas tartarugas se reúnem no local, principalmente entre os meses de agosto e outubro. Pode ter a ver com as correntes marítimas, orientação da praia, tipo de areia e outros fatores. Pode ser também que essas arribadas representem uma “vantagem numérica” para as fêmeas e seus ovos, aumentando as chances de sobrevivência, acrescenta Bézy.
A tartaruga-oliva é uma das seis espécies de tartaruga-marinha consideradas em ameaça de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza, sendo essas agregações em massa uma parte vital do ciclo de vida desses animais, ela acrescenta.
“É um fenômeno natural enigmático”, afirma. “Não sabemos como as tartarugas coordenam tudo isso, nem por quê”.
Fazendo planos
Os arredores e a área interna de Ostional estão passando por rápida urbanização, sendo necessárias regulamentações para garantir uma expansão responsável, afirma Bézy.
Uma das comunidades vizinhas a Ostional, o município de Nicoya, está elaborando conjunto de diretrizes para a criação de uma “zona-colchão” nos arredores da reserva. Cerca de 80% dos comentários recebidos de moradores são favoráveis às normas propostas, diz Francisco Jimenez, da Associação Cívica de Nosara, que trabalha em colaboração com os funcionários públicos de Nicoya no desenvolvimento das regulamentações.
Mas algumas incorporadoras imobiliárias não estão tão empolgadas. Jeffrey Grosshandler, CEO do The Gilded Iguana Hotel e coproprietário de uma franquia imobiliária na região, diz que o processo regulatório pode criar “insegurança jurídica” para as incorporadoras. Ele alega que as diretrizes propostas não foram aprovadas pelo governo federal e que foi utilizada uma abordagem única para áreas que, idealmente, deveriam ser zoneadas conforme suas diferenças de demografia ou geografia.
Jimenez contesta dizendo que o processo é adequado e que as normas propostas foram compartilhadas e refinadas diversas vezes com base nas contribuições do público. A comissão apresentará a última versão das regulamentações propostas nas próximas semanas, tendo o público 10 dias úteis para comentar, seja pessoalmente, em evento a ser realizado em breve, ou por e-mail. Ele espera que esse processo seja concluído ainda no início de 2020.
Bézy diz que as regulamentações limitam a altura das construções, o uso de iluminação e outros fatores que possam afetar o meio ambiente e as tartarugas. Ela considera as regulamentações um tanto permissivas para as incorporadoras imobiliárias, mas acredita serem melhores que nada, dado o rápido crescimento da área.
Coleta de ovos segura?
Já é proibida a realização de construções nos primeiros 200 metros da praia a partir da água, o que também vale para outras áreas protegidas do país.
Durante os primeiros dois dias das arribadas, é permitido por lei coletar alguns dos ovos que provavelmente acabariam sendo esmagados pelas tartarugas que chegam depois. Os moradores da região vendem os ovos, e parte dessa renda ajuda a sustentar projetos realizados na comunidade, como de infraestrutura, grades de proteção e limpeza das praias.
A pesquisa de Valverde indica que a coleta legal é sustentável, afirma, em partes porque há normas estabelecidas para quando e onde coletar os ovos. Embora a população de tartarugas-oliva de Ostional pareça estável, também se nota um certo declínio nas últimas décadas, diz ele.
Ocorre também, contudo, a coleta ilegal, afirma Bézy, fundadora da ONG TortuGuiones Sea Turtle Conservation Project que utiliza contribuições da ciência cidadã para medir a quantidade de ovos coletados e o nível de perturbação aos ninhos. Bézy criou também outro grupo, chamado Wildlife Conservation Association, que trabalha para “proteger o que existe por aqui”, afirma, por exemplo, realizando parcerias com grupos de turismo para que a visitação das tartarugas ocorra de forma responsável e sem perturbação.
Ela espera que o público se importe mais com as tartarugas após ver o filme — e ajude a proteger as áreas.
“Todo mundo a quem mostrei esse vídeo ficou emocionado”, acrescenta.
TODOS OS MESES, no Refúgio Nacional de Vida Silvestre Ostional, na Costa Rica, desembarcam de dezenas a centenas de milhares de tartarugas-marinhas fêmeas, geralmente com alguns dias de diferença umas das outras, para a desova na praia.
A bióloga Vanessa Bézy há anos vem estudando esse extraordinário fenômeno, conhecido como chegada em massa, ou arribada, em espanhol. Em sua pesquisa, ela filma os répteis, em sua maioria, tartarugas-olivas, no momento em que se reúnem no oceano antes de alcançar a faixa litorânea. Num belo dia, ela registrou, por meio de um drone, uma imensa aglomeração dessas criaturas — a maior densidade de espécies de tartarugas-marinhas já registrada.
“Eu soube imediatamente que algo especial estava acontecendo", conta Bézy sobre ter filmado o bando de tartarugas em novembro de 2016. “Até hoje, fico impressionada com esse vídeo. De longe elas parecem carrinhos de bate-bate.”
Ostional é um dos únicos lugares da Terra onde ocorrem arribadas dessa magnitude. Acredita-se que somente a praia da Escobilla, em Oaxaca, no México, receba um número maior de tartarugas.
Bézy conta que está divulgando o vídeo agora porque as tartarugas estão cada vez mais ameaçadas pelo crescente número de turistas, que se aglomeram nas praias em momentos críticos, e provavelmente também em função do desenvolvimento econômico. O vídeo ajuda a mostrar como esse lugar é único — e que precisa de proteção, diz Bézy, Exploradora da National Geographic.