O peixe-espátula-chinês, um dos maiores do mundo, foi declarado extinto

Nativos do rio Yangtzé, na China, esses peixes cresciam até sete metros de comprimento, porém não são vistos desde 2003.

Por Douglas Main
Publicado 10 de jan. de 2020, 07:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O último peixe-espátula-chinês (Psephurus gladius) vivo foi visto em 2003, a espécie foi declarada extinta. Devido ...
O último peixe-espátula-chinês (Psephurus gladius) vivo foi visto em 2003, a espécie foi declarada extinta. Devido à sua raridade e morte prematura, existem poucas fotos da espécie.
Foto de Qiwei Wei

O peixe-espátula-chinês e seus parentes próximos existem há, pelo menos, 200 milhões de anos. A espécie, que chegava a medir sete metros de comprimento, sobreviveu a mudanças e transtornos inimagináveis, como a extinção em massa que matou os dinossauros e répteis marinhos, como os plesiossauros, com quem nadavam lado a lado. Nessa época, as plantas evoluíram e povoaram as margens do antigo habitat deles, o rio Yangtzé, assim chamado na China moderna.

Muito tempo depois, surgiu o bambu e, bem depois disso, os pandas gigantes. Nos últimos milhares de anos, um piscar de olhos no tempo evolutivo, a região se encheu de pessoas e a China se tornou o país mais populoso da Terra. Nas águas barrentas do Yangtzé, o peixe-espátula viveu do mesmo jeito por eras, usando sua cabeça em formato de espada para detectar atividade elétrica e desse modo encontrar suas presas, como crustáceos e peixes.

Mas há um fenômeno ao qual essa antiga espécie, às vezes chamada de “panda do Yangtzé,” não conseguiria sobreviver — os humanos. Um novo artigo publicado na revista científica Science of the Total Environment conclui que a espécie foi extinta, principalmente devido à pesca predatória e à construção de barragens.

É “uma perda lamentável e irreparável,” diz o pesquisador da Academia Chinesa de Ciências da Pesca, Qiwei Wei, responsável pelo estudo, que procura o animal há décadas.

“É muito triste,” acrescenta Zeb Hogan, biólogo marinho da Universidade de Nevada, em Reno e explorador da National Geographic, que não participou do estudo. “É a perda definitiva de um animal único e extraordinário, sem esperança de recuperação.”

Hogan diz que a extinção dos peixes-espátula deve servir como um alerta para proteger outras espécies de água doce. Peixes grandes, a especialidade dele, estão especialmente em risco: grande parte dos maiores animais de água doce está ameaçada de extinção, conta ele.

“Esse é o primeiro dos grandes peixes de água doce a desaparecer e muitos estão em risco — a preocupação é que mais deles sejam extintos, mas esperamos conseguir reverter o declínio dessas espécies antes que seja tarde demais,” afirma Hogan.

O peixe-espátula-chinês (Psephurus gladius) tinha a cabeça alongada em formato de espada, estrutura semelhante a um ...
O peixe-espátula-chinês (Psephurus gladius) tinha a cabeça alongada em formato de espada, estrutura semelhante a um focinho, repleta de células para detecção de atividade elétrica nas presas, como os crustáceos. Esse peixe percorria longas distâncias ao longo dos extensos trechos da bacia do rio Yangtzé e chegava até o Mar da China Oriental.
Foto de FLHC1, Alamy

Longo adeus

A espécie foi diminuindo gradualmente ao longo do século passado em decorrência da pesca predatória. Na década de 1970, foram retiradas, em média, 25 toneladas de peixe-espátula por ano.

Mas as barragens, concluíram os cientistas, foram as grandes responsáveis — especificamente a Represa de Gezhouba, construída no curso principal do rio Yangtzé, a pouco mais de 1,6 mil quilômetros do mar. Essa represa, que foi construída sem uma escada ou caminho artificial para os peixes, separou os peixes-espátula de seus únicos locais de desova, que só foram descobertos no final da década de 1970, mais a montante do rio.

A população de peixes continuou a declinar após a construção da barragem de 1981, mas ninguém ainda havia compreendido a gravidade da situação, conta Ivan Jaric, coautor do estudo e biólogo do Czechia’s Institute of Hydrobiology e da University of South Bohemia. Como frequentemente acontece, pode haver um atraso significativo entre graves distúrbios e seus impactos. Os pesquisadores estimam que a espécie se tornou funcionalmente extinta em 1993, o que significa que não haviam peixes suficientes para uma reprodução expressiva.

Ainda assim, eles continuaram sendo vistos e vários indivíduos foram capturados em uma série de tentativas fracassadas de iniciar uma população proveniente da reprodução em cativeiro. Em 2002, em Nanquim, uma fêmea foi capturada e foram empreendidos esforços urgentes para salvá-la — mas ela morreu um mês depois.

Em 2003, Wei e colegas colocaram um dispositivo de rastreamento em um peixe-espátula-chinês que foi capturado acidentalmente perto de Yibin, no centro-sul da China. Eles o libertaram para ver para onde poderia ir, mas em poucas horas perderam todos os sinais do dispositivo. Esses foram os últimos indivíduos da espécie a serem vistos vivos.

Os pesquisadores afirmam que o melhor momento para o início dos esforços teria sido antes de 1993, ou ao menos antes dos anos 2000, que foi quando iniciaram os esforços com seriedade. O artigo estima que a espécie tenha sido extinta entre 2005 e 2010.

Procurando exaustivamente

A equipe do estudo procurou o peixe-espátula-chinês em centenas de locais ao longo do rio Yangtzé, como parte de uma pesquisa biológica abrangendo toda a bacia do rio. Eles usaram diversos tipos de redes, sonares, equipamentos de pesca eletrônica e outras técnicas para localizar algum representante da espécie, tudo sem sucesso. Além disso também monitoraram os mercados de peixe em todo o país.

Então, os pesquisadores usaram um modelo matemático para determinar a probabilidade de extinção da espécie, com base no tamanho da população anterior e nos intervalos entre as aparições.

Jaric diz que ainda há chance de existir peixes-espátula na natureza, mas é muito improvável.

“A ausência de aparições durante as pesquisas e nos últimos 16 anos em rios de regiões altamente urbanizadas com nível considerável de uso da água torna improvável a ocorrência de novas observações,” conta ele.

O peixe-espátula-chinês era uma das duas únicas espécies de peixe-espátula existentes; o único parente restante é o peixe-espátula-americano, uma espécie vulnerável encontrada na bacia do Mississippi, nos Estados Unidos. Ambos são parentes próximos da família dos esturjões, dos quais 85% estão ameaçados de extinção, tornando-os o grupo de animais mais ameaçado, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza.

Os peixes grandes têm um papel fundamental não apenas em seus ecossistemas, mas também são sentinelas da qualidade ambiental, já que os animais só podem sobreviver em rios saudáveis, observa Hogan.

Outros gigantes em risco incluem o bagre-gigante do rio Mekong e a arraia-gigante de água doce, ambos são considerados em perigo crítico e estão ameaçados por possíveis barragens.

E agora?

As lições aprendidas com a perda do peixe-espátula vão além da importância de proteger o que resta no rio Yangtzé.

“Precisamos agir com urgência para salvar as espécies que ainda têm alguma chance,” afirma Jaric. Na pesquisa realizada pela equipe do estudo, não foram encontradas outras 140 espécies que eles esperavam ver, e algumas delas precisam de muito mais atenção para determinar o status de conservação, conta Wei.

“As avaliações sobre o risco de extinção de todas as espécies ameaçadas do Yangtzé devem ser realizadas o mais rápido possível,” diz ele.

Além disso, atividades como a pesca e a construção de barragens precisam de maior controle — bem como maiores esforços para mitigar os impactos do desenvolvimento, tal como as escadas para peixes.

“Ao avançarmos, precisamos equilibrar as necessidades dos seres humanos com as necessidades da vida aquática,” diz Hogan. “E isso pode ser feito, não é uma tarefa impossível.”

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