Ratos evitam ferir seus semelhantes, e descoberta pode ajudar a entender sociopatas
Humanos e roedores possuem estruturas cerebrais semelhantes que regulam a empatia, sugerindo que esse comportamento esteja profundamente enraizado na evolução dos mamíferos.
TALVEZ SEJA hora de repensar o que significa chamar alguém de “rato”. Pesquisas anteriores mostraram que os roedores, apesar da má fama, ajudam seus semelhantes necessitados, além de se recordarem dos ratos que os ajudaram — retribuindo o favor. Recentemente, um novo estudo baseado nessa evidência de empatia, revelou que ratos domésticos evitam ferir outros ratos.
Nesse estudo, publicado em 5 de março no periódico Current Biology, os ratos foram treinados para puxar alavancas e assim ganhar um saboroso torrão de açúcar. Quando a alavanca dava um leve choque em um rato próximo, vários ratos paravam de puxar aquela alavanca e trocavam por outra.
A aversão a danos físicos, como é chamada, é uma característica humana bastante conhecida regulada por uma parte do cérebro denominada córtex cingulado anterior (CCA). Outros experimentos mostraram que o CCA também controla esse comportamento nos ratos. Essa foi a primeira vez que cientistas constataram que o CCA também é responsável pela ocorrência de aversão a danos físicos em espécies não humanas.
Essa semelhança entre o cérebro humano e o dos ratos é “super empolgante por duas razões”, diz Christian Keysers, que trabalha no Instituto Holandês de Neurociência e foi o coautor do estudo. Primeira, sugere que evitar machucar o outro já está profundamente enraizado na história evolutiva dos mamíferos.
Além disso, a descoberta pode ter um grande impacto em pessoas que sofrem de distúrbios psiquiátricos, como psicopatia e sociopatia, e que possuem o córtex cingulado anterior comprometido.
“Atualmente não existem medicamentos eficazes para reduzir a violência em populações antissociais,” diz Keysers, e descobrir como aumentar nesses pacientes a aversão a ferir outros pode ser uma ferramenta poderosa.
Ratos parecidos com humanos
Para o primeiro experimento, Keysers e sua equipe treinaram 24 ratos de ambos os sexos para empurrar duas alavancas diferentes que os presenteava com uma guloseima, até os animais desenvolverem preferência por uma das alavancas. Depois disso, os cientistas mudaram o experimento. Quando o rato empurrava sua alavanca favorita e recebia seu doce, um rato próximo a ele levava um choque no pé.
Nove ratos, que perceberam seus colegas reclamando com um grito, imediatamente pararam de apertar a alavanca preferida e mudaram para a menos preferida, que ainda liberava doces.
Os ratos do estudo demonstraram uma série de reações ao experimento, o que surpreendeu Keysers. Por exemplo, um rato parou de utilizar ambas as alavancas após perceber o primeiro choque, aparentemente angustiado, e outros ratos demonstraram indiferença nas duas ocasiões, diz ele. Essa variação “também é empolgante, pois sugere a possibilidade de semelhança nos humanos com diferenças específicas”.
Assim como nos humanos, a empatia dos ratos tinha limites. Quando o experimento foi repetido oferecendo uma recompensa de três doces, os ratos que haviam trocado de alavanca anteriormente, evitando machucar outros ratos, deixaram de fazê-lo.
“Eu achei divertido, mas também tem uma certa integridade e verdade em tudo isso”, diz Peggy Mason, neurobióloga da Universidade de Chicago que não participou do estudo.
Na segunda parte do experimento, Keysers e sua equipe utilizaram anestesia para inativar temporariamente o córtex cingulado anterior dos ratos que demonstraram aversão a ferir outros membros da espécie. Curiosamente, quando o experimento foi repetido, esses ratos anestesiados pararam de ajudar os outros ratos.
Egoísta ou altruísta?
Em geral, as descobertas levantam a seguinte dúvida: se os ratos estavam sendo egoístas — por exemplo, pois estavam tentando se acalmar — ou se realmente estavam tentando ajudar seus semelhantes.
Os que trocaram de alavanca estavam “passando por uma experiência indireta que era desagradável para eles”, diz Mason. “Somos fundamentalmente mamíferos da mesma forma que os ratos, e, portanto, nossas motivações provavelmente não são diferentes”.
Jeffrey Mogil, neurocientista social da Universidade McGill, no Canadá, concordou que a questão é intrigante. Os ratos estão “de fato sendo altruístas, ou estão fazendo isso para reduzir seu próprio sofrimento, por ficarem ansiosos ao ver outro rato tomar um choque? Ao parar o que estavam fazendo, eles estão ajudando o outro ou estão ajudando a si mesmos?”
Keysers diz que essa pergunta é difícil de responder, embora argumente que as razões que levam as pessoas a realizarem boas ações são igualmente complexas.
Seja qual for a motivação, ele acrescenta, é fascinante que o impulso de evitar machucar os outros já exista há pelo menos 93 milhões de anos, ou seja, quando humanos e ratos passaram a seguir caminhos diferentes na árvore evolutiva. Existem muitas outras similaridades entre ratos e humanos. Por exemplo, assim como os humanos, os ratos se viciam em substâncias, como a cocaína; têm consciência do conhecimento que possuem, um conceito chamado de metacognição; e demonstram violência quando submetidos à superlotação.
Em um mundo repleto de conflitos, acrescenta ele, “talvez seja reconfortante saber que existe algo tão antigo em nossa biologia” que enfim possa promover a paz.