Quais animais podem ser os próximos hospedeiros do coronavírus?
Alguns cientistas alertam para a possibilidade de que o vírus possa se refugiar em um novo animal hospedeiro e volte a ser transmitido às pessoas futuramente.
Em 2013, cientistas descobriram que o morcego da espécie Rhinolophus affinis é portador de um coronavírus muito semelhante ao SARS-CoV-2, o vírus responsável pela pandemia.
À MEDIDA QUE A COVID-19 assola o mundo, grande parte dos esforços tem se concentrado em conter a propagação do vírus e tratar os doentes. Mas os virologistas afirmam que há algo mais que também merece nossa atenção: a busca por futuros animais hospedeiros. Especialistas afirmam que é possível que uma nova espécie passe a ser portadora do vírus, criando um reservatório para reinfectar pessoas no futuro.
“Com o avanço do vírus pelo mundo, o vírus pode encontrar hospedeiros totalmente novos que sirvam de reservatório fora da China”, afirma Ralph Baric, virologista da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. “Simplesmente não sabemos. É algo a ser considerado por todos os países à medida que a epidemia enfraquece.”
Os coronavírus são notadamente imprevisíveis. Os morcegos são vetores de milhares de tipos de vírus sem sucumbir à doença, e os vírus têm o potencial de saltar para novas espécies. Às vezes, sofrem mutações ao longo do caminho para se adaptar a seu novo hospedeiro; às vezes, podem dar o salto sem nenhuma mudança.
É de conhecimento geral que os coronavírus infectam mamíferos e aves, como cães, galinhas, bois, porcos, gatos, pangolins e morcegos. A crise global de saúde provavelmente começou com um morcego da espécie Rhinolophus affinis infectado pelo coronavírus na China. A partir dele, o germe possivelmente passou para uma espécie intermediária e depois para os humanos.
Os virologistas estão conduzindo estudos para prever quais espécies são os reservatórios mais prováveis. O risco de uma nova espécie passar a ser portadora do vírus — e depois esses animais hospedarem o vírus silenciosamente por um período antes de retransmiti-lo aos humanos — é baixo, afirma Lin-Fa Wang, virologista do Instituto Global Duke de Saúde de Singapura. Mas, ainda assim, vale a pena se preparar para essa possibilidade, afirma Baric, porque suas consequências poderiam ser o ressurgimento da pandemia.
Prevendo espécies
Já sabemos por experiência própria que alguns animais de estimação podem ser infectados com o vírus que causa a Covid-19. Um lulu-da-pomerânia e um pastor-alemão em Hong Kong viraram manchete ao serem infectados; mais recentemente, foi a vez de um gato doméstico na Bélgica. Um tigre-malaio no Zoológico do Bronx, na cidade de Nova York, adoeceu, apresentando tosse seca no fim de março e testou positivo para o vírus, conforme divulgado pelo Ministério da Agricultura dos Estados Unidos em 5 de abril.
Os pesquisadores têm amplo interesse em qualquer animal que o coronavírus seja capaz de contaminar, ainda que não cause nenhuma doença. Embora o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, afirmem que atualmente não existem evidências de que animais domésticos ou selvagens em cativeiro possam transmitir o novo coronavírus para as pessoas, é importante observar se existe essa possibilidade.
Um pangolim-comum bebe água de uma poça em um centro de reabilitação no Zimbábue. Os pangolins são conhecidos por serem portadores de uma variedade de coronavírus e foi constatado que os pangolins-malaios (nativos do sudeste da Ásia) são portadores de uma cepa do vírus que apresenta 92,4% de semelhança genética com o novo coronavírus.
Um método empregado pelos virologistas para tentar prever possíveis espécies hospedeiras é a modelagem 3D em computador. Para permitir a entrada do vírus em uma célula para sua replicação, uma proteína em forma de espícula que o vírus possui deve se encaixar perfeitamente em um receptor de enzima existente na superfície de certas células de animais, segundo uma descoberta recente. O receptor, chamado de proteína ECA2, é como a maçaneta de uma porta e a proteína de espícula é como a chave que a destranca. Modelos tridimensionais de computador podem ajudar a descobrir quais animais possuem os ECA2s que podem ser “destrancados” pela proteína de espícula do vírus.
Por meio de comparações de receptores ECA2, um estudo de março de 2020 identificou várias espécies que podem ser contaminadas pelo vírus, como pangolins, gatos, vacas, búfalos, cabras, ovelhas, pombos, civetas e porcos.
Os cientistas também buscaram possíveis hospedeiros de outra forma, expondo as células de vários animais ao vírus, para observar quais espécies podem de fato ser infectadas. É o que o laboratório de Baric está fazendo, com enfoque em uma diversidade de espécies de animais nos Estados Unidos, inclusive no gado. Um experimento recente descobriu que células com proteínas ECA2 de humanos, de morcegos da espécie Rhinolophus affinis, de civetas e de porcos poderiam se infectar com o vírus, o que não ocorre com camundongos.
Após confirmar em laboratório quais células de espécies podem ser infectadas, é necessário conduzir testes com animais vivos em ambiente controlado, afirma Baric. Para tanto, o Instituto Friedrich-Loeffler, organização de pesquisa do governo alemão com enfoque em saúde e bem-estar animal, está expondo porcos, galinhas, morcegos frugívoros e furões ao vírus para determinar se essas espécies podem ser infectadas e se o vírus é capaz de se replicar nelas. Se o vírus for capaz disso, os animais serão considerados possíveis reservatórios. Os resultados preliminares sugerem que morcegos frugívoros e furões são suscetíveis, ao passo que porcos e galinhas não são.
Porcos domésticos das raças tradicionais em Colúmbia, EUA. Carolina do Sul. Porcos foram identificados como um dos vários possíveis hospedeiros futuros do novo coronavírus.
Um estudo semelhante, divulgado neste mês em um artigo preliminar, verificou que o vírus apresenta uma replicação fraca em cães, porcos, galinhas e patos, mas uma boa replicação em furões e gatos, os últimos são capazes de transmitir o vírus em gotículas respiratórias. Foi um estudo em laboratório, observa Wang, e, portanto, não significa necessariamente que possa ocorrer no mundo real.
Baric afirma que também é igualmente importante testar os animais em seus ambientes naturais. “Os coronavírus mudam de hospedeiro com frequência”, explica ele. “No fim, será preciso testar animais silvestres na floresta.” Esses tipos de estudos são muito difíceis de conduzir, afirma Wang, e atualmente a maioria das pesquisas com animais silvestres concentra-se em encontrar as possíveis espécies que originalmente transmitiram o vírus e não em quais espécies poderão servir de reservatório para o vírus no futuro.
De humanos para animais
Dentre os animais que se revelaram suscetíveis ao vírus, aqueles que passam mais tempo com os humanos são os mais propensos a se infectar, afirma Peter Daszak, ecologista de doenças, presidente da organização não governamental EcoHealth Alliance. Daszak integrou uma equipe de vigilância de vírus que alertou, em 2017, sobre vários vírus semelhantes ao SARS em uma caverna de morcegos no sul da China. Um maior convívio significa mais chances de o vírus saltar de humanos para animais, conta ele.
Ainda que o vírus salte para uma nova espécie, não se sabe ao certo se colonizará e persistirá nesse animal, afirmam os virologistas. Existem diversos fatores que precisam atuar de uma maneira específica para que um animal não apenas se torne um hospedeiro, mas também um hospedeiro capaz de reintroduzir o vírus em humanos.
Se realmente o vírus conseguir contaminar um animal de produção agropecuária, poderão ocorrer doenças graves e várias mortes. Nessa hipótese, o vírus poderia ser detectado e o surto, contido. Outra possibilidade seria o vírus infectar os animais e provocar sintomas inespecíficos, como diarreia, o que é associado a doenças mais comuns. Ou poderia ainda não causar nenhum sintoma. O vírus poderia circular sem ser detectado e nunca voltar aos humanos — ou, em questão de meses, voltar aos humanos e iniciar um novo surto.
A melhor abordagem para o monitoramento disso, afirma Daszak, é testar estrategicamente as principais espécies em busca de anticorpos contra o vírus — um sinal de que o animal venceu a batalha contra o vírus. Luke O’Neill, imunologista da Faculdade Trinity Dublin, na Irlanda, afirma que os testes de anticorpos são baratos e simples. “É como um teste de gravidez”, conta ele. “Uma gota de sangue permite saber em minutos se há anticorpos ou não.”
É “baixa a probabilidade de que o vírus passe de uma pessoa doente de volta para um animal”, afirma Daszak. Por outro lado, ele pondera: “mas também acreditava-se ser baixa a probabilidade de surgir esse vírus.”