Moda das 'vespas assassinas' destaca riscos provocados pelo medo de insetos e aranhas
Hostilidade e ignorância culturalmente enraizadas em relação aos insetos podem ser prejudiciais para eles e para nós.
Embora as vespas-mandarinas possam parecer assustadoras, elas só picam quando provocadas e foram encontradas em apenas um condado dos Estados Unidos, portanto não representam perigo para a grande maioria dos norte-americanos.
EM 1859, O RENOMADO cientista Alfred Russel Wallace descobriu uma abelha gigante que foi recentemente reconhecida como a maior do mundo, nas Molucas do Norte, um arquipélago indonésio.
A abelha-gigante-wallace tem uma envergadura de mais de 3,8 cm e grandes mandíbulas que a permitem cavar buracos nos cupinzeiros. Apesar de seu tamanho, o inseto ficou sumido por mais de um século. Até ser filmado em janeiro de 2019. O fotógrafo Clay Bolt, membro da expedição que o encontrou, disse à National Geographic que o animal também parecia bastante pacífico e nada agressivo. “Bem tranquilo”, contou ele.
No entanto, outras notícias sobre a descoberta da abelha provocaram uma onda de comentários receosos dos leitores. “Põe fogo”, escreveram alguns no Twitter. Outros declararam que “teriam pesadelos” com o animal. Várias manchetes também se referiram ao inseto, que provavelmente não representa o menor perigo para as pessoas, como “abelha do mal” ou visão do inferno.
A abelha-gigante-wallace é extremamente rara, sua espécie está ameaçada por causa de colecionadores e ela não representa nenhum perigo às pessoas.
Foi quando começou a moda da “vespa assassina”.
No fim de 2019, as vespas-mandarinas, as maiores vespas do mundo, apareceram no sul da Colúmbia Britânica e no noroeste do estado de Washington, nos Estados Unidos. Um artigo do jornal The New York Times que viralizou, chamou os insetos de “vespas assassinas” — um termo não conhecido nem utilizado anteriormente pela maioria dos entomologistas — mas o nome pegou.
Ao contrário da abelha-gigante-wallace, há uma certa preocupação para as pessoas que moram perto de onde a vespa foi encontrada: as vespas-mandarinas são um pouco agressivas ao defender suas colônias, desferindo doloridas picadas caso sejam provocadas, explica o entomologista da Universidade do Arizona Justin Schmidt. Em julho, autoridades do estado de Washington capturaram a primeira vespa-mandarina com vida, em Birch Bay, perto de onde foram avistados outros exemplares da mesma espécie, o que sugere que há um ninho próximo.
Porém, esses insetos invasores foram observados em apenas um único condado de Washington. Mesmo assim, muitas pessoas por todo o território dos Estados Unidos confundiram espécies de vespas nativas com as vespas-mandarinas. Por exemplo, as buscas na internet por “aerossol contra vespas” e por uma série de inseticidas aumentaram drasticamente em comparação com o ano anterior, e especialistas em insetos em todo o país receberam uma enxurrada de telefonemas para falar sobre a espécie.
É bastante provável que diversas abelhas e vespas inofensivas tenham sido mortas em todo o país devido a um medo infundado das vespas assassinas, diz Chris Looney, entomologista do Departamento de Agricultura do Estado de Washington.
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As matérias publicadas sobre essas duas espécies diferentes revelam uma grande falta de conhecimento das pessoas em relação aos insetos, diz Jeffrey Lockwood, entomologista e professor de ciências naturais e humanas da Universidade de Wyoming.
Principalmente nos Estados Unidos, “nos tornamos seres extraordinariamente burros do ponto de vista entomológico”, diz Lockwood, que escreveu o livro The Infested Mind: Why Humans Fear, Loathe, and Love Insects (Mente infestada: por que os humanos temem, repudiam e amam os insetos, em tradução livre). “Não somos capazes de distinguir o que é perigoso, inofensivo ou útil. Uma criança comum provavelmente consegue distinguir mais marcas de carros ou super-heróis do que insetos.”
Essa falta de conhecimento é prejudicial para os insetos e para nós mesmos, afirma Lockwood, pois os insetos desempenham muitas funções úteis: polinizam nossas plantações, exterminam pragas e decompõem o lixo.
Entretanto, muitos não percebem que esses prestativos insetos enfrentam problemas em todo o mundo: um estudo de abril de 2019 constatou que 40% de todas as espécies de insetos estão em declínio e podem desaparecer nas próximas décadas.
Considerando todos os animais que existem, seu número é significativo: cerca de 60% a 70% dos animais são insetos, sugerem as pesquisas. E presume-se que inúmeras espécies de insetos ainda nem foram descobertas.
Superação do medo
Os humanos provavelmente têm uma predisposição inata para prestar atenção nos insetos por serem uma importante fonte de alimento — ou porque representam um perigo em potencial, no caso de algumas espécies que picam, esclarece Lockwood. Mas uma aversão cultural a insetos não é conveniente nem explicável do ponto de vista evolutivo, acrescenta ele.
Embora o medo ou aversão a insetos e aracnídeos seja infelizmente comum nos Estados Unidos, não é tão frequente em outros lugares, diz Gwen Pearson, entomologista e coordenadora de extensão da Universidade Purdue.
Em toda a Ásia, diversas espécies são amadas e criadas como animais de estimação, como os besouros-rinocerontes e os escaravelhos-veados. No Japão e na China, muitos têm respeito e admiração pela vespa-mandarina, conta ela.
Além disso, nas sociedades indígenas em todo o mundo — como o povo dacota, grupo nativo americano — os insetos e aracnídeos desempenham papéis importantes nas histórias da criação.
Diversos insetos, de gafanhotos a larvas e formigas, também são comidos habitualmente no mundo inteiro. Até mesmo as vespas-mandarinas fazem parte do cardápio: suas larvas são consideradas deliciosas quando fritas, acrescenta Schmidt.
Nos Estados Unidos, a antipatia por insetos é algo aprendido, muitas vezes já na infância. Também está enraizada no desconhecimento que envolve os insetos e na ausência de experiências positivas com eles na natureza, diz Lockwood. Muitos encontros com insetos urbanos, como baratas, também são negativos.
No trabalho de Pearson, que administra o zoológico de insetos Purdue, lar de vários tipos de insetos e aranhas, ela conta para as pessoas como os animais a fazem se sentir e corrige os conceitos equivocados que a maioria tem sobre eles. “Eu me autodenomino uma terapeuta de insetos”, diz ela.
Por exemplo, embora as tarântulas sejam grandes e muitas vezes intimidadoras, não mordem pessoas sem terem sido provocadas e podem ser criadas como animais de estimação, explica ela.
“Eu digo às crianças: tem uma tarântula aqui na minha mão — mas ela não vai me machucar, nem vai machucar você”, conta.
Ela costuma explicar que na América do Norte há mais de três mil espécies conhecidas de aranhas, mas apenas duas são perigosas para as pessoas: a aranha-marrom e a viúva-negra. Mas até mesmo essas duas raramente matam: a primeira delas geralmente não é letal e não se registra uma fatalidade com a última há mais de 35 anos, acrescenta ela.
Aranhas-pavão, como as dessa espécie Maratus robinsoni, são lindas e totalmente inofensivas.
Mudança de perspectiva
Pearson percebeu que as atitudes em relação aos insetos podem ser modificadas com apenas uma ou duas experiências positivas.
Ampliar o conhecimento também pode ter o mesmo efeito, como aprender que os insetos polinizam três quartos das plantas floríferas do mundo e mais de um terço de nossas plantações.
Ou descobrir sua incrível diversidade: existem mais de 20 mil espécies só de abelhas, diz Natalie Boyle, entomologista da Universidade Estadual da Pensilvânia.
“Não gostamos daquilo que não conhecemos”, diz Boyle.
Com a redução mundial de insetos, está na hora de “pensar em como podemos honrar e respeitar nossos amigos invertebrados”, afirma ela.