Peixes de água doce sofreram declínio de 76% em menos de 50 anos

Em todo o mundo, as populações de peixes migratórios de água doce estão reduzindo mais rapidamente do que as espécies migratórias terrestres e marinhas.

Por Stefan Lovgren
Publicado 4 de ago. de 2020, 16:39 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Assim como diversos peixes migratórios, o salmão-rei está ameaçado pela pesca predatória, degradação do habitat e ...

Assim como diversos peixes migratórios, o salmão-rei está ameaçado pela pesca predatória, degradação do habitat e barragens que impedem sua migração do mar às áreas de desova na cabeceira do rio.

Foto de Cristina Mittermeier, Nat Geo Image Collection

PEIXES MIGRATÓRIOS DE ÁGUA DOCE estão entre os animais mais ameaçados do planeta, conforme novo relatório divulgado por um consórcio de organizações ambientais.

A avaliação global, descrita como a primeira do gênero, constatou que as populações de peixes migratórios de água doce reduziram 76% entre 1970 e 2016 — uma taxa de declínio mais alta do que a de espécies migratórias marinhas e terrestres.

“Acreditamos que os peixes migratórios de água doce possam estar ainda mais em risco” do que indicado pela queda drástica revelada pelo relatório, afirma Stefanie Deinet, principal autora do relatório, da Sociedade Zoológica de Londres (ZSL). “Certamente será benéfica a inclusão de informações atualmente ausentes sobre regiões tropicais, onde estão aumentando as ameaças da perda e degradação de habitats, da exploração excessiva e das mudanças climáticas”.

A enguia-europeia, criticamente em perigo de extinção, mostrada na imagem no fundo de um rio na França, realiza a mais longa migração conhecida entre todos os peixes, um trajeto de ida e volta do mar dos Sargaços até os rios europeus de aproximadamente 16 mil quilômetros. As estações hidrelétricas de bombeamento, a poluição e a pesca são algumas das ameaças enfrentadas pela enguia.

Foto de Bruno Guenard, Minden Pictures

Publicado no site da World Fish Migration Foundation, organização sem fins lucrativos de conservação, o estudo baseia-se no Índice Planeta Vivo, um banco de dados de biodiversidade global gerenciado pela ZSL e pela ONG World Wildlife Fund for Nature.

O estudo concluiu que a Europa registrou o maior declínio nos peixes migratórios de água doce — com uma redução de 93% em suas populações nas últimas cinco décadas — seguida pela América Latina e pelo Caribe, que apresentaram um declínio de 84%.

Jornadas épicas

Quase metade das mais de 30 mil espécies de peixes do mundo vive em água doce, e muitas delas — talvez a maioria — migram entre habitats para se reproduzirem e se alimentarem. Algumas delas, como o salmão, se deslocam do mar para os rios para desovar. Outras, como a enguia-europeia, chegam até a idade adulta em água doce, mas desovam no oceano. Existem também diversas espécies dos chamados peixes potamódromos que migram exclusivamente dentro de habitats de água doce. Alguns exemplos dessas espécies incluem a dourada, que protagoniza uma jornada épica de ida e volta dos Andes até a foz do Amazonas, uma distância de mais de 11 mil quilômetros.

As migrações de peixes cumprem uma ampla gama de funções dentro do ecossistema, incluindo o transporte de larvas e nutrientes essenciais de um local a outro. Muitas populações humanas dependem das migrações regulares de peixes para sua subsistência e sobrevivência.

“Os peixes migratórios são extremamente importantes às economias e aos ecossistemas, mas geralmente não recebem a devida importância”, afirma Herman Wanningen, especialista em ecologia aquática e diretor criativo da World Fish Migration Foundation, em Groningen, na Holanda.

O relatório aponta a degradação, a alteração e a perda de habitat como as maiores ameaças a todos os peixes migratórios. Barragens e outras barreiras fluviais impedem cada vez mais que os peixes alcancem seus territórios de acasalamento ou alimentação, interrompendo assim seus ciclos de vida. Um estudo conduzido no ano passado mostrou que apenas um terço dos grandes rios do mundo possuem suas correntezas desimpedidas.

Isso pode explicar por que a Europa, onde são raros os rios importantes sem barragens, sofreu uma redução tão acentuada. Um grupo de peixes altamente migratórios encontrados na Europa, o esturjão, teve uma redução superior a 90% desde 1970 — o maior declínio entre as quase 250 espécies monitoradas no relatório. Das seis espécies de esturjão que sempre viveram no rio Danúbio, acredita-se que ao menos uma tenha sido extinta e a maioria das outras está listada como criticamente em perigo de extinção (Leia sobre o peixe-espátula-chinês, outro peixe migratório, parente próximo do esturjão, declarado extinto no início de 2020).

Espécies invasoras, doenças, a poluição e a pesca predatória também são grandes ameaças aos peixes migratórios.

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    O esturjão-sevruga, criticamente em perigo de extinção, desapareceu de grande parte de sua área de ocorrência nativa na região do Cáucaso. O esturjão, pescado intensamente por suas ovas e prejudicado pelas interrupções em suas rotas de migração causadas por barragens, é o grupo de peixes mais ameaçado do mundo.

    Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

    Os pesquisadores também advertem que as mudanças climáticas também produzirão graves efeitos. Na Austrália, as cinzas dos incêndios florestais de 2019-2020 foram arrastadas até os rios, matando um grande número de peixes. E no ano passado, até três milhões de peixes podem ter morrido quando uma estiagem severa secou o rio Darling.

    “Esses sistemas fluviais já são tão prejudicados por estarem em meio a tanta urbanização, além das mudanças climáticas que agravam seus efeitos”, afirma Lee Baumgartner, especialista em peixes de água doce da Universidade Charles Sturt em Albury, na Austrália, que contribuiu com o relatório.

    Peixes gigantes

    Ao contrário da Europa, o estudo mostrou um declínio menos grave nas populações de peixes migratórios na América do Norte. A queda desde 1970 foi de 26% — porém os pesquisadores afirmam que a redução pode ter sido comedida porque muitas populações de peixes norte-americanos já haviam sido dizimadas antes desse período.

    Em grande parte do mundo — incluindo a África, a América do Sul e a Ásia — a falta de informações dificulta uma avaliação precisa da situação dos peixes migratórios. “Comparada à migração das aves, por exemplo, sabemos muito pouco sobre a migração dos peixes. É difícil saber o que se passa embaixo da superfície da água”, conta Wanningen.

    Zeb Hogan, biólogo de peixes da Universidade de Nevada em Reno, um dos coautores do estudo, suspeita que o declínio de peixes migratórios na Ásia, em especial, seja mais grave do que o descrito no relatório. Ele destaca o rio Mekong, que atravessa seis países do sudeste asiático e abriga algumas das maiores espécies de peixes de água doce do mundo. A maioria delas é altamente migratória e extremamente vulnerável a barragens e à pesca predatória.

    “Devido à falta de dados, esses peixes não foram incluídos no relatório, mas sofreram declínios catastróficos”, conta Hogan, que também é Explorador da National Geographic e pesquisador líder do Wonders of the Mekong, projeto de pesquisa financiado pela Usaid, Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.

    Um dos estudos desse projeto, publicado no mês passado no periódico Water, demonstrou que diversas espécies gigantes de peixes migratórios no Mekong praticamente desapareceram. O bagre-gigante-do-mekong, que pode atingir 300 quilos, está à beira da extinção na natureza.

    Há um aspecto positivo: o relatório mostra que, quando os peixes migratórios não enfrentam ameaças, suas populações geralmente aumentam. Além disso, as espécies que receberam alguma forma de intervenção humana para sua conservação — como restrições à pesca, retirada de barragens ou proteções legais — tiveram reduções menores do que aquelas que não receberam.

    O relatório defende um plano de recuperação de emergência que inclua permitir que os rios corram mais livremente e naturalmente, aumentar as interligações entre rios e cursos d’água, reduzir a poluição e a pesca predatória e proteger brejos. Também pede um maior monitoramento científico das espécies, campanhas para inspirar a vontade política e pública de proteger animais de água doce e investimento em alternativas sustentáveis às barragens hidrelétricas.

    “Salvar peixes migratórios não requer necessariamente grandes investimentos financeiros e sim uma mudança nas práticas atuais”, explica Baumgartner. “Esperamos que esse relatório sirva de alerta para que governos e responsáveis pelas decisões implementem medidas antes que seja tarde demais”.

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