Tartarugas-marinhas podem transportar mais de 100 mil pequenos animais em seus cascos

Estudar a diversidade dessa enorme população que vive sobre as tartarugas-marinhas-comuns pode ajudar os cientistas a monitorar e entender melhor os répteis.

Por Corryn Wetzel
Publicado 31 de ago. de 2020, 16:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Uma tartaruga-marinha-comum sobre a vegetação marinha. Ao tocar o fundo do mar, esses répteis podem dar ...

Uma tartaruga-marinha-comum sobre a vegetação marinha. Ao tocar o fundo do mar, esses répteis podem dar carona a dezenas de milhares de minúsculas criaturas, como os nematoides, crustáceos e hidroides.

Foto de Brian Skerry, Nat Geo Image Collection

TARTARUGAS-MARINHAS-COMUNS migram pelos oceanos de todo o mundo por milhares de quilômetros, mas não viajam sozinhas — pesquisas mostram que carregam populações surpreendentemente diversas e abundantes de criaturas minúsculas em seus cascos.

Artigo publicado na revista científica Diversity mostra que as tartarugas-marinhas-comuns carregam em suas costas em média 34 mil indivíduos da meiofauna — organismos minúsculos, com menos de um milímetro. Uma tartaruga-marinha-comum carregava em seu casco cerca de 150 mil animais, incluindo nematoides, larvas de crustáceos e camarões.

“Há um mundo sobre as tartarugas”, diz Jeroen Ingels, ecologista marinho da Universidade Estadual da Flórida. É incrível encontrar “esse tipo de diversidade em outro animal”.

Ingels e sua equipe descobriram mais de cem novas espécies de meiofauna, principalmente nematoides, que não haviam sido encontradas anteriormente em tartarugas-marinhas-comuns ou outras tartarugas. A equipe fez a descoberta ao examinar 24 tartarugas-marinhas-comuns que chegaram a St. George Island, na Flórida, em junho de 2018.

Já era sabido que as tartarugas levavam animais de carona — mas essa quantidade e grau de diversidade não haviam sido vistos antes, diz Ingels.

O estudo desses pequenos caronas pode ajudar os pesquisadores a rastrear as viagens dessas e de outras tartarugas-marinhas, uma vez que determinados indivíduos da meiofauna são exclusivos de regiões específicas, algo que poderia orientar os esforços futuros de proteção das tartarugas-marinhas-comuns. A pesquisa também pode ajudar a explicar como os pequenos animais se movimentam pelo oceano, o que continua sendo um mistério.

Mundos flutuantes

“A meiofauna ocupa todos os espaços minúsculos que outros organismos não conseguem ocupar”, explica Ingels. Por isso, já se previa que fosse encontrada nas tartarugas. Mas, de acordo com ele, a grande quantidade surpreendeu.

Esses animais microscópicos incluem os nematoides, que se parecem com minhocas minúsculas e estão em praticamente todos os ambientes da Terra, desde as profundezas do oceano até o solo das montanhas mais altas. Eles também podem ser encontrados em criaturas semelhantes aos camarões, chamadas anfípodes, pequenos crustáceos chamados copépodes e predadores semelhantes à água-viva, chamados hidroides.

Há muita concorrência na vida sobre o casco, diz Ingels. Caronas maiores, como camarões e caranguejos, costumam atacar habitantes menores dos cascos. Os nematoides se alimentam de bactérias e detritos que ficam depositados no casco e, em alguns casos, até se alimentam de outros nematoides.

Este é o camarão-esqueleto, um tipo de anfípode encontrado em grande quantidade nos cascos das tartarugas-marinhas-comuns. Os pesquisadores encontraram mais de 100 mil camarões-esqueleto em 24 tartarugas-marinhas-comuns.

Foto de Dr. Jeroen Ingels

“É um mundo microscópico imensamente diverso que está interagindo e sobre o qual sabemos muito pouco”, diz Ingels.

Alguns dos animais maiores, como as cracas, podem se incrustar e danificar o casco de uma tartaruga, aumentando assim sua força de arrasto, mas também podem ajudar na camuflagem. É pouco provável que a minúscula meiofauna seja prejudicial. “As tartarugas possuem parasitas e pragas, sem dúvida, mas a meiofauna não faz parte disso.”

Nathan Robinson, pesquisador de tartarugas-marinhas da Fundación Oceanogràfic, em Valência, Espanha, que não participou da pesquisa, diz que faz sentido que os cascos de tartarugas-marinhas sejam cobertos por uma abundância de vida. “É uma plataforma perfeita, é como uma jangada para navegar pelo oceano”, diz ele. “É como estar sendo constantemente arrastado por essa incrível corrente repleta de alimentos”, um enorme benefício para os organismos filtradores, como as cracas e esponjas.

Coleta cuidadosa

Ingels e seus colegas estudam tartarugas-marinhas-comuns na St. George Island por ser um dos locais de nidificação mais densos do norte do Golfo do México. Para encontrar os animais, eles utilizam lanternas de cabeça com lâmpadas vermelhas, um comprimento de onda de luz menos perturbador para as tartarugas e que não interfere na visão noturna humana. Para trabalhar com as tartarugas, os pesquisadores devem receber treinamento e certificação da Comissão de Conservação de Peixes e Vida Selvagem da Flórida.

Ingels e seus colegas pesquisadores trabalham rapidamente para coletar amostras das tartarugas, e só se aproximam delas quando estão voltando para o mar. “É crucial que não interrompamos as chances de uma tartaruga botar todos os ovos”, diz Ingels.

Durante a coleta, os cientistas agacham-se ao redor do animal e utilizam uma espátula de plástico para soltar gentilmente os caronas que conseguem ver. Em seguida, utilizam esponjas embebidas em água doce para coletar os minúsculos organismos que não podem ser vistos a olho nu.

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    Pesquisadores trabalham para remover pequenos animais do casco de uma tartaruga-marinha-comum. Esta foto foi tirada durante as atividades de pesquisa autorizadas pela Comissão de Conservação de Peixes e Vida Selvagem da Flórida, em condições que não representam risco ao animal — normalmente é ilegal manusear ou tocar em tartarugas-marinhas. Imagem obtida sob uma luz vermelha, menos prejudicial aos animais, e convertida em preto e branco no processamento.

    Foto de Dr. Matthew Ware

    Em seguida, no laboratório, eles utilizam peneiras de malha fina para filtrar organismos maiores como moluscos e pequenos caranguejos, separando-os da minúscula meiofauna. Sob um microscópio, começam a classificar e identificar o que encontraram.

    “A primeira vez que analisamos uma amostra é sempre muito emocionante, porque não sabemos o que podemos encontrar”, afirma Ingels.

    Ingels não poderá estudar as tartarugas-marinhas-comuns que estão retornando para desovar em junho devido às restrições impostas pela pandemia de coronavírus, mas está ansioso para ver as novas criaturas que as tartarugas trarão no próximo ano –– principalmente as que já foram estudadas e marcadas.

    Jangada dos microrganismos

    O estudo levanta questões sobre como esses pequenos animais sobem nas tartarugas — e a importância das tartarugas na movimentação deles.

    É provável que as tartarugas apanhem muitos dos caronas ao se alimentarem no fundo do mar, local com abundância de meiofauna, desprendendo criaturas microscópicas que podem encontrar um novo lar no casco de uma tartaruga, explica Ingels.

    Theodora Pinou, bióloga de tartarugas-marinhas e professora da Universidade Estadual de Western Connecticut, que não participou da pesquisa, diz que as tartarugas provavelmente apanham tantos caronas apenas por desempenhar suas atividades ou devido ao próprio ambiente, não porque seu casco tenha algo especial ou seja hospitaleiro.

    “Não acredito que a tartaruga seja o ímã”, diz Pinou. Pinou constatou que as tartarugas-marinhas-comuns que vivem no Oceano Atlântico carregam uma maior quantidade de criaturas minúsculas do que seus pares no Pacífico. Ela suspeita que isso resulte de diferenças nas condições ambientais e nos níveis de meiofauna.

    Independentemente de como os pequenos animais encontram as tartarugas, os répteis atuam como jangadas, dando longas caronas conforme migram. Isso pode ajudar a explicar como tantos animais minúsculos ficaram bem distribuídos, algo que ainda é um mistério, pois muitas dessas criaturas não conseguem nadar para longe ou sobreviver no mar aberto por longas distâncias.

    “Um pedaço de craca oceânica flutuante ou gelo marinho pode transferir certos organismos, mas trata-se de uma escala e frequência diferentes do que quando se fala de tartarugas-marinhas", explica Ingels.

    Rastreadores biológicos

    As longas viagens das tartarugas-marinhas fazem com que seja difícil e caro rastreá-las. Ingels espera que a análise desses pequenos caronas acoplados às tartarugas e da dieta deles possa fornecer pistas sobre onde as tartarugas os pegaram ou para onde viajaram, e Ingels espera realizar esses testes no futuro.

    Estudos desse tipo ainda não foram realizados na meiofauna. Mas os pesquisadores examinaram a composição química de cracas sobre as tartarugas-marinhas-comuns e tartarugas-verdes. Este trabalho mostra que os isótopos, ou variantes químicas, dentro das cracas fornecem um registro das condições dos locais por onde passaram, como temperatura e salinidade, que podem ser utilizadas para inferir rotas de migração.

    “Quanto mais de perto observamos esses animais, mais há para descobrir”, diz Robinson.

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