Fotografias raras mostram guepardos africanos em tempestade de neve

As imagens, obtidas recentemente na Reserva Natural Rogge Cloof, na África do Sul, revelam que os felinos selvagens são muito mais adaptáveis do que imaginamos.

Por Christine Dell'Amore
fotos de Kirsten Frost
Publicado 15 de set. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT

Um guepardo macho recentemente libertado na Reserva Natural Rogge Cloof observa a paisagem. Os felinos recém-transferidos são mantidos inicialmente em um boma ou recinto cercado, para se adaptar ao novo ambiente.

Foto de Kirsten Frost

Durante dois dias, Kirsten Frost monitorou uma fêmea de guepardo com uma coleira com radiotransmissor ao longo das colinas rochosas da Reserva Natural Rogge Cloof, ponto mais frio da África do Sul, com a tempestade de neve se intensificando.

Forçando a vista através dos flocos de neve que caíam, ele conseguiu enxergar o rosto de um felino fêmea selvagem, o restante do corpo do animal estava oculto na paisagem esbranquiçada.

“Parecia surreal: estou mesmo vendo um guepardo na neve no extremo sul da África?”, descreveu Frost, fotógrafo de animais silvestres da Cidade do Cabo, em um e-mail enviado à National Geographic durante sua expedição. “Percebi que era um momento único da natureza vivenciado por poucos e do qual nunca me esquecerei.”

As fotografias de uma fêmea, apelidada de Mona por conservacionistas, e de dois machos, tiradas por Frost em agosto, formam provavelmente o segundo registro conhecido de guepardos africanos na neve, afirma Vincent van der Merwe, que administra a reintrodução de guepardos na natureza da Endangered Wildlife Trust, organização sem fins lucrativos com sede na África do Sul. A equipe de van der Merwe tirou o que ele acredita ser a primeira foto na neve em 2014 na Reserva Privada do Monte Camdeboo, na província de Cabo Oriental da África do Sul.

As imagens de ambas as ocasiões mostram guepardos reintroduzidos em reservas privadas em regiões de sua área de ocorrência natural. Essas reintroduções são fundamentais para uma estratégia de conservação concebida para proteger espécies em declínio, oferendo aos turistas a chance de vê-las. Restando cerca de sete mil indivíduos ao todo na natureza, o guepardo é considerado uma espécie vulnerável à extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza.

“É comum criarmos estereótipos”, como supor que guepardos são exclusivos da savana da África Oriental, afirma van der Merwe, cujas iniciativas de transferências recebem financiamento parcial da National Geographic Society. Ele diz que as novas fotos mostram que “esses animais são muito mais adaptáveis do que se imagina.”

Aliás, antes do extermínio de 95% da população de guepardos pelos colonizadores na década de 1960, os felinos vagavam por grande parte do continente, como cordilheiras com mais de três mil metros de altitude, florestas costeiras e desertos (como o Kalahari), onde as temperaturas caem abaixo de zero durante a noite.

Nas últimas décadas, conservacionistas como van der Merwe —autoproclamado formador de casais de guepardos — transferiram cerca de 60 felinos a diversas reservas privadas. Introduziram dois machos e duas fêmeas em Rogge Cloof, uma reserva com mais de 180 quilômetros quadrados na província de Cabo Setentrional, em 2018.

A África do Sul é um dos únicos países cuja população de guepardos está em crescimento. Em 2017, van der Merwe e sua equipe transferiram guepardos sul-africanos para o Malawi —nação localizada a mais de dois mil quilômetros da África do Sul — onde o felino havia sido extinto na década de 1980.

“Nosso objetivo é aproveitar o excedente de guepardos para reintrodução em outras regiões da África”, conta ele.

Mona, a fêmea mais velha da reserva, fica bastante à vontade perto de pessoas.

Foto de Kirsten Frost

“Nunca vi nada parecido”

A reserva Rogge Cloof foi criada a partir de um negócio de família de criação de ovelhas em 2017. Van der Merwe afirma que a propriedade é grande o suficiente para manter cinco guepardos adultos e suas proles e possui um rico suprimento de antílopes, presa preferida do guepardo.

Ainda assim, ele temia inicialmente que os guepardos pudessem não suportar as temperaturas da região, que podem cair a -15oC. “A imprensa não perdoaria se um guepardo morresse de frio...”, afirma ele.

Então ele realizou as pesquisas necessárias e encontrou antigos registros da colonização britânica que confirmaram que caçadores já haviam atirado em um guepardo nessa região da África do Sul, o que significa que Rogge Cloof já havia sido parte da área de ocorrência natural do guepardo e sugere que os atuais guepardos provavelmente teriam uma tolerância inata à neve, afirma ele.

Até o momento, a aposta de nan der Merwe já rendeu frutos: todos os quatro guepardos sobreviveram e ainda nasceram três filhotes em julho deste ano — no meio do inverno no Hemisfério Sul.

Luke Hunter, diretor executivo do Programa de Grandes Felinos da ONG Wildlife Conservation Society, afirma que a fotografia de Frost é “linda — nunca vi nada parecido”.

Ele concorda que os guepardos tenham originalmente vivido em Rogge Cloof, embora admita que não seja um habitat “fantástico” devido ao ambiente frio e árido.

Ele ressalta que o clima e a topografia da região são semelhantes aos do planalto central iraniano, que atualmente abriga cerca de 50 guepardos-asiáticos, os últimos da espécie na natureza. A área de ocorrência da subespécie, anteriormente ampla, estendia-se por toda a Ásia Central e avançava ao leste até a Índia.

Os animais iranianos, que convivem regularmente com a neve, desenvolvem uma pelagem espessa durante o inverno, assim como os guepardos africanos que vivem nos zoológicos do Hemisfério Norte, observa Hunter, o que sugere que os guepardos possuem “alguma tolerância evolutiva inerente” à neve, como acredita van der Merwe.

Dessa forma, embora “as fotos na neve sejam impressionantes, não é algo tão inesperado”, afirma Hunter.

Ele adverte que é provável que guepardos não sobrevivam a uma grande profundidade de neve, sobretudo devido à dificuldade de regulação da temperatura corporal dos filhotes. Eles provavelmente suportam apenas alguns centímetros esparsos, como ocorre em Rogge Cloof, afirma ele.

Felinos do gelo

Para os interessados em presenciar esse espetáculo, é possível visitar Rogge Cloof. Assim como a maioria das reservas naturais da África, a reserva enfrenta dificuldades devido ao impacto da pandemia sobre o turismo, afirma van der Merwe.

Como Rogge Cloof é uma das raras reservas naturais que não têm predadores que representam ameaças a humanos, como leões e leopardos, os turistas podem fazer caminhadas para avistar os guepardos — embora a uma distância segura para não perturbar os animais.

Mona, a fêmea mais velha da reserva e a estrela das fotografias de Frost, é especialmente calma perto de pessoas. “Ela não dá nem bola para os humanos”, brinca van der Merwe.

Já o fotógrafo Frost está aficionado no que chama de “felinos do gelo da África” e quer voltar a filmá-los para um documentário sobre animais silvestres.

“A tolerância do guepardo à neve de inverno é relativamente pouco documentada”, conta Frost, “mostra que a natureza guarda muitos segredos.”

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