Formigas-cortadeiras possuem armadura mineral de cristais, algo nunca observado em insetos

Pesquisadores descobriram um novo tipo de mineral, semelhante à dolomita, que recobre o exoesqueleto das formigas-cortadeiras.

Por Douglas Main
Publicado 27 de nov. de 2020, 12:30 BRT

A formiga da espécie Acromyrmex echinatior, que cultiva fungos, conta com um tipo de revestimento biomineral recém-descoberto que serve como armadura.

Foto de Eduard Florin Niga, Eddimage Photography

AS FORMIGAS-CORTADEIRAS SÃO conhecidas por sua força extraordinária: mastigam as folhas e carregam pedaços imensos delas, como se fossem bandeiras verdes diversas vezes maiores do que seu próprio tamanho, por longas distâncias até suas colônias. Nelas, mastigam as folhas para alimentar cultivos subterrâneos de fungos. Durante o trajeto, os insetos enfrentam todo tipo de predadores — e regularmente travam batalhas com outras formigas.

Mas esses insetos são ainda mais resistentes do que se imaginava.

Um novo estudo mostra que uma espécie de formiga-cortadeira da América Central dispõe de uma armadura natural que recobre seu exoesqueleto. Esse revestimento semelhante a uma blindagem é feito de calcita e possui altos teores de magnésio, um tipo encontrado apenas em outra estrutura biológica: nos dentes de ouriços-do-mar, que são capazes de triturar calcário.

Os ossos e dentes de muitos animais contêm minerais calcíferos, e crustáceos como caranguejos e lagostas possuem conchas e outras partes do corpo mineralizadas. Mas antes dessa descoberta, não havia nenhum registro de calcita em insetos adultos.

Nas formigas-cortadeiras, esse revestimento é composto por milhares de cristais pequenos em formato de placas que enrijecem seu exoesqueleto. Essa “armadura” evita que os insetos percam membros do corpo durante batalhas com outras formigas e previne infecções fúngicas, segundo um artigo publicado em 24 de novembro no periódico Nature Communications.

A descoberta é especialmente surpreendente devido à abundância de informações existentes sobre as formigas. “Existem milhares de artigos sobre formigas-cortadeiras”, afirma Cameron Currie, coautor do estudo, biólogo evolucionário da Universidade de Wisconsin-Madison.

“Ficamos muito animados com essa descoberta sobre um dos insetos mais amplamente estudados da natureza”, afirma ele.

Embora o artigo tenha se concentrado em uma única espécie, a Acromyrmex echinatior, Currie e seus colegas suspeitam que outras formigas primas também contenham o mesmo biomineral.

A armadura da Acromyrmex echinatior a ajuda ao enfrentar batalhas com outras espécies de formigas.

Foto de Eugenia Okonski, Smithsonian Institution

Formigas cobertas de pedra

Muito antes da evolução dos humanos ou de seus últimos ancestrais, há cerca de 60 milhões de anos, as formigas-cortadeiras inventaram sua própria forma de agricultura. Esses cultivos subterrâneos de fungos são resultado de uma relação simbiótica que fornece alimento às larvas de formigas e proteção ao fungo, e cada espécie de formiga possui sua própria espécie de fungo.

Parte das quase 50 espécies de formigas-cortadeiras, incluindo a formiga estudada, também abriga uma bactéria simbiótica para impedir que seus jardins sejam contaminados por outros fungos nocivos. Esse micróbio recobre as jovens operárias. Ao vagar por seus jardins de fungos, as bactérias secretam substâncias químicas que matam fungos invasores.

Hongjie Li, ex-doutorando do laboratório de Currie, pesquisador da Universidade de Ningbo na China, começou a estudar essas bactérias e logo ficou intrigado com os curiosos cristais pequenos que recobriam o exoesqueleto das formigas. Ele convenceu geólogos a ajudá-lo a estudar o material que aparentava ser mineral, utilizando diversas técnicas de imagem, incluindo microscopia eletrônica, para determinar sua composição.

Em uma manhã de 2018, ao receber os resultados que indicavam que as formigas eram recobertas por uma espécie de biomineral nunca encontrado em nenhum inseto, Li ficou animado.

“Havia pedra nas formigas”, conta Li. “Encontrei formigas de pedra!”

Li ressalta que a armadura da formiga tem uma composição muito semelhante à do mineral dolomita, mas é levemente mais rígida.

Como todos os insetos, as formigas possuem exoesqueletos feitos de quitina, um material resistente e flexível. Para verificar se essa camada adicional de biomineral atuava como uma armadura extra, Li e seus colegas primeiro criaram formigas no laboratório com e sem a camada biomineral (se as formigas são separadas de sua colônia quando estão no estágio de pupa e são criadas em determinadas condições, não desenvolvem o revestimento). Em seguida, realizaram diversos testes.

Guerras de formigas

Um desses experimentos implicava colocar essas formigas em “guerras de formigas” contra uma espécie um pouco maior, mas com parentesco próximo, explica Li. Após a batalha com duração de uma hora, as “formigas de pedra” haviam perdido três vezes menos partes do corpo do que aquelas sem o revestimento mineral.

Em seguida, os pesquisadores expuseram os insetos a um fungo patogênico contaminante de formigas, parentes de espécies de fungos que causam o comportamento conhecido como “zumbi”. Após seis dias, todas as formigas sem minerais haviam morrido. Mas apenas metade de sua espécie com armadura havia perecido.

Outro experimento revelou que os exoesqueletos dessas formigas são duas vezes mais rígidos quando contêm biominerais do que quando não contam com essas substâncias.

O revestimento mineral também se expande à medida que as formigas crescem. As formigas jovens cuidam dos jardins de fungos, não enfrentam elevado risco de ataques de outras formigas ou predadores e necessitam menos dessa proteção. No momento em que começam a procurar alimentos fora dos jardins de fungos, ganham uma camada mais espessa do que quando eram jovens, observa Li.

Andrew Suarez, entomologista da Universidade de Illinois, afirma que é muito animador encontrar esse tipo de mineral em exoesqueletos, pois minerais semelhantes só haviam sido observados anteriormente em estruturas especializadas mais isoladas, como os dentes.

“Seria como ter o corpo humano coberto por pequenos cristais de esmalte dentário”, esclarece Suarez, que não participou desse estudo.

“Esse artigo é marcante por haver documentado algo inédito: esqueletos biomineralizados em insetos”, afirma Andrew Knoll, especialista em biominerais da Universidade de Harvard.

“Vários artrópodes possuem exoesqueletos feitos de carbono e cálcio, como caranguejos, lagostas e os extintos trilobitas, mas sua presença em insetos totalmente terrestres é especialmente interessante.”

Armaduras não descobertas

Os cientistas também dizem que essa espécie de cristal biomineral pode ter futuras aplicações industriais, como revestimentos ou nanocristais que aumentam a resistência ou evitam a corrosão de diferentes materiais.

Por ora, para os cientistas, o importante é entender o papel desempenhado por esses minerais nas formigas — e verificar se existem outras armaduras e biominerais ainda não descobertos.

É provável que existam, afirma Currie. “Se a presença desse biomineral nessa espécie era desconhecida, imagine nos 99,9% dos insetos que foram pouco ou nada estudados?”

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