O que precisamos saber sobre o doping em cavalos de corrida

Sempre surgem novos escândalos relacionados às corridas de cavalos nos Estados Unidos. O que é preciso fazer para evitar o doping?

Por Amy McKeever
Publicado 7 de jun. de 2021, 17:00 BRT
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Medina Spirit, o vencedor do Kentucky Derby, é banhado após sessão de treinamento para a corrida Preakness Stakes. A vitória foi questionada depois que o cavalo reprovou em testes para detecção de uso de substâncias químicas proibidas.

Foto de Rob Carr,Getty Images

Medina Spirit, vencedor do Kentucky Derby, foi reprovado em um teste para detecção de uso de substâncias químicas proibidas nesse ano, fato que questionou sua vitória e gerou especulações sobre a possível perda do título, pouco antes do Preakness Stakes, a segunda corrida do evento da Tríplice Coroa do turfe, nos Estados Unidos. No fim, ele não perdeu.

Seu treinador, Bob Baffert, primeiro negou as acusações, mas depois admitiu que tratou o cavalo com uma pomada antifúngica, alegando que não sabia que ela continha o anti-inflamatório betametasona.

Esse escândalo faz parte de uma onda crescente nas corridas de cavalos: no ano passado, o governo dos Estados Unidos indiciou cerca de 30 treinadores, veterinários e distribuidores de medicamentos por participação em redes de doping. Em 2019, o Jockey Club publicou um relatório pedindo mudanças no setor de corridas de cavalos após a morte de 22 animais em Santa Anita Park, uma pista de corrida na Califórnia, citando o uso indevido de substâncias químicas como um problema crítico.

O uso de substâncias químicas em cavalos de corrida norte-americanos é um assunto complexo. Algumas delas são totalmente legalizadas em certos momentos e determinadas dosagens. As regulamentações antidoping variam de acordo com o estado, gerando confusão sobre as normas, que acabam permitindo e ajudando os trapaceiros a burlar as regras. E não se trata apenas de evitar vantagens injustas — trata-se também de proteger os cavalos.

Abaixo apresentamos um resumo das regras das corridas de cavalos — e por que uma nova lei que entrará em vigor em 2022 pode colocar o esporte no caminho certo.

O que é considerado doping nas corridas de cavalos?

Assim como acontece com atletas, algumas substâncias são totalmente proibidas nas corridas de cavalos, incluindo hormônios do crescimento, anabolizantes que aumentam o nível de testosterona e o chamado doping sanguíneo, que faz com que o corpo envie mais oxigênio para os músculos.

Mas existem centenas de substâncias terapêuticas utilizadas regularmente para cuidar de cavalos de corrida — e o uso em excesso pode acarretar vantagens competitivas ou disfarçar a presença de lesões.

“Os tipos são muito variados”, explica Mary Scollay, diretora executiva e de operações do Consórcio de Medicação e Testes de Corridas, organização com sede no estado de Kentucky, que se dedica a pesquisas, educação e defesa do setor. “Existem substâncias realmente horríveis, e outras muito boas. Quase todo o resto se enquadra no meio.”

Na maioria dos países, o uso de medicamentos é proibido no dia da corrida. Mas tradicionalmente, nos Estados Unidos, algumas substâncias são permitidas. Se esse uso é considerado doping, no entanto, dependerá da dosagem, do momento do uso e da intenção do treinador.

Há um debate ético interminável sobre a necessidade e a maneira de tratar os cavalos, afirma Mary Robinson, diretora do Laboratório de Farmacologia Equina da Universidade da Pensilvânia, que realiza testes para detecção de uso de substâncias químicas em pistas de corrida do estado. “É algo que precisa ser discutido entre o treinador e o veterinário”, ela complementa. “Assim como qualquer pessoa que vai ao médico e analisa os riscos e benefícios de tomar um medicamento, o mesmo deve acontecer com os pacientes que são animais.”

Quais substâncias têm maior probabilidade de terem uso abusivo?

Uma das substâncias mais controversas nas corridas de cavalos é a furosemida, popularmente conhecida como Lasix. Em humanos, ela é utilizada para evitar retenção de líquidos em pacientes com insuficiência cardíaca, doença hepática ou problemas renais. Para a maioria dos cavalos de corrida norte-americanos, ela é administrada no dia da corrida, supostamente com o intuito de evitar sangramento nos pulmões. Mas, por ser um diurético, ela também pode fazer com que os cavalos percam peso — e corram mais rápido.

Os treinadores que utilizam esse medicamento alegam que seria desumano não administrá-lo, mas outros apontam que, na maioria dos outros países, cavalos não medicados participam de corridas sem ocorrência de incidentes. Em 2019, uma associação das principais pistas de corrida dos Estados Unidos, incluindo aquelas que promovem os eventos da Tríplice Coroa, concordaram em proibir o uso de Lasix no dia das corridas, a partir de 2021.

Outros medicamentos com os quais os reguladores se preocupam são aqueles usados para aliviar a dor — especialmente os corticosteroides anti-inflamatórios, como a betametasona e a fenilbutazona, um medicamento não esteroide. Embora esses analgésicos sejam benéficos para os cavalos que estão se recuperando de lesões, eles podem ser perigosos no momento da corrida.

“Acredito que esses medicamentos possibilitam o desempenho dos animais, não necessariamente melhorando-o”, afirma Robinson. Em vez de permitir que um animal vá além de suas habilidades naturais, essas substâncias fazem com que ele continue correndo, mesmo estando com uma lesão, ela explica.

“Animais não tem cognição suficiente para perceber que existe uma lesão subjacente, então eles se esforçam além do normal e correm o risco de ter um colapso traumático catastrófico”, ela acrescenta.

Um estudo recente constatou que 90% dos cavalos que sofrem fraturas fatais têm doenças ósseas preexistentes. Por isso, diz Scollay, é importante que os veterinários detectem sinais dessas doenças — que são encobertos pelos corticosteroides. “Não estamos tentando banir esses medicamentos; estamos tentando regular o uso para proteger os cavalos”, ela conclui.

Como o doping é regulamentado?

Ainda não existe um órgão de regulamentação em nível nacional para corridas de cavalos nos Estados Unidos. A comissão de corridas de cavalos de cada estado define suas próprias regras antidoping e desenvolve um sistema próprio para tratar das questões dos infratores, desde os testes para detecção do uso de substâncias proibidas e investigações, até a imposição de penalidades.

Porém, em dezembro de 2020, o Congresso aprovou uma lei que criava a Autoridade Federal de Integridade e Segurança nas Corridas de Cavalos. Quando entrar em vigor, em 1° de julho de 2022, esse órgão definirá as normas nacionais para o esporte, incluindo regulamentos, testes e fiscalização.

“Demorou para isso acontecer”, diz Scollay. Durante anos, o emaranhado de regras nos Estados Unidos causou confusão e é, pelo menos em parte, o culpado pelo alto número de resultados positivos nos testes de detecção de uso de substâncias proibidas, ela explica. Os treinadores devem acompanhar o que cada estado regulamenta sobre a dosagem de um medicamento que pode ser administrado legalmente e quanto tempo antes de uma corrida.

“Era um desafio intransponível para os treinadores”, diz ela. “O fracasso era inevitável.”

As regras estaduais também facilitaram a fraude do sistema pelos infratores ou a participação nas corridas em estados com políticas mais brandas. Alguns estados, por exemplo, podem enviar apenas amostras de sangue para testes laboratoriais — o que significa que substâncias que só podem ser detectadas por meio de amostras de urina ou pelo podem passar despercebidas.

Quais outras mudanças são necessárias?

Porém, ainda que o sistema regulatório evolua, o mesmo ocorre com os métodos usados para contorná-lo. Robinson afirma que existe uma batalha constante nesse campo para se manter atualizado sobre novas substâncias sintéticas e como detectá-las.

“À medida que as substâncias são descobertas, abre-se caminho para o uso abusivo de novas substâncias”, diz ela.

Além disso, nos últimos anos, os avanços nas terapias genéticas proporcionaram aos veterinários novas maneiras de tratar doenças, estimulando células a criar proteínas que promovem cura ou crescimento ósseo. Embora tenham valor terapêutico, elas também abrem a possibilidade de doping genético entre atletas equinos (e humanos).

No passado, conta Robinson, não estava claro até que grau o doping genético era difundido nas corridas de cavalos porque não havia como detectá-lo. Em fevereiro passado, no entanto, sua equipe de pesquisadores da escola de veterinária da Universidade da Pensilvânia anunciou o desenvolvimento de um novo teste que pode detectar o uso de terapia genética, adicionando outra ferramenta ao arsenal existente para conter o uso de substâncias ilícitas.

Outra forma de ajudar a limitar o doping seria através de uma ênfase maior na educação continuada, afirma Scollay. Ela compara com a renovação da carteira de motorista: de vez em quando, se o limite de pontos recebidos por multas for ultrapassado, é preciso refazer o teste de direção para ter certeza de que se lembra das regras antigas e está atualizado sobre as novas. Mas, a maioria dos estados não faz essa exigência na hora de renovar as licenças de corrida.

“Como um esporte, não temos feito um trabalho muito bom na educação dos envolvidos no setor”, ela lamenta. “Esperamos que eles não cometam erros, mas não proporcionamos muitos recursos para ajudá-los.”

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