Pequenos animais com ‘cara de coelho’ têm estratégia incomum para sobreviver ao inverno

Depois de 13 anos de estudos, cientistas podem ter solucionado um enigma de longa data que envolvia a pika-do-platô, espécie que habita regiões da Ásia Central.

Como animais escavadores, as pikas-do-platô são irrigadores naturais que aeram e umedecem o solo.

Foto de Staffan Widstrand, Nature Picture Library
Por Jason Bittel
Publicado 31 de jul. de 2021, 08:00 BRT

Para evitar as temperaturas extremas e a escassez de alimentos que vêm com o clima mais frio, alguns animais migram, outros hibernam. Mas as pikas-do-platô que habitam os planaltos de Qinghai-Tibetano, no noroeste da China, não utilizam nenhuma dessas duas táticas.

Pikas são pequenos mamíferos, semelhantes a roedores, que parecem uma mistura de porquinho-da-índia com coelho. Das 29 espécies de pika existentes em todo o mundo, a pika-americana, nativa do oeste dos Estados Unidos e do Canadá, é conhecida por coletar as plantas com a boca antes de armazenar os estoques de alimentos em locais subterrâneos para suportar as temperaturas do inverno.

Mas sempre foi um mistério como a pika-do-platô, parente asiático da pika-americana, consegue sobreviver nas estepes secas e açoitadas pelo vento, onde as temperaturas costumam cair para 29 graus Celsius negativos e as plantas murcham no inverno. Ao contrário de alguns outros animais que vivem em baixas temperaturas, as pikas não podem depender de gordura, ganho de peso no inverno ou hibernação.

Após 13 anos de pesquisa, cientistas podem ter descoberto o segredo para a sobrevivência da pika-do-platô: os animais diminuem a atividade do metabolismo e complementam sua dieta de plantas com fezes de iaque, que contêm valiosos nutrientes não digeridos.

A primeira parte da estratégia das pikas-do-platô já era esperada, pois a redução da atividade metabólica diminui a necessidade dos animais pela obtenção de calorias. Na verdade, o que surpreendeu os pesquisadores foi a segunda parte.

“No início, ninguém acreditou na história de que as pikas comiam fezes de iaque”, disse por e-mail o líder do estudo John Speakman, fisiologista da Universidade de Aberdeen, na Escócia.

“No entanto as evidências são incontestáveis”, ressalta Speakman, que publicou o estudo no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences.

Esse comportamento, conhecido como coprofagia interespecífica, é bastante raro entre os animais vertebrados. Speakman acredita que os dejetos de iaques possam ser uma importante e acessível fonte de alimento, que permite às pikas economizar energia e ficar escondidas de predadores, como falcões-peregrinos e raposas-tibetanas.

Bactérias benéficas

Em 2009, Speakman encontrou fezes de iaque parcialmente comidas dentro da toca de uma pika-do-platô, o que despertou sua curiosidade. “Então eu comecei a pensar: isso é estranho. Talvez elas comam essas fezes.” Um ano depois, quando duas pikas morreram acidentalmente em uma armadilha, uma análise de seus intestinos revelou a presença de fezes de iaque. 

Para provar a teoria, Speakman e colegas analisaram o conteúdo intestinal de cadáveres de mais de 300 pikas-do-platô, coletados para outro estudo em 2018 e 2019. O estudo revelou que cerca de 22% da amostra continham DNA de iaque. Talvez essa taxa seja ainda maior, porque o DNA dos iaques se degrada quando as fezes ficam expostas ao sol, esclarece Speakman.

Outros estudos revelaram que, no inverno, a composição dos microbiomas de pikas muda para se parecer com os dos iaques, o que sugere que os animais também podem adquirir bactérias benéficas das fezes de iaques.

Entre 2017 e 2018, cientistas gravaram um vídeo de pikas-do-platô comendo excrementos de iaque em quatro ocasiões diferentes. Todas essas evidências confirmam a prática da coprofagia entre as pikas-do-platô.

A coprofagia também pode explicar por que as pikas-do-platô são mais abundantes em áreas habitadas por iaques. Os criadores de gado da região consideram que as pikas são competidores diretos por comida e, por isso, envenenam milhões de indivíduos da espécie, afirma Speakman. 

“Porém as ações mais recentes de controle do número desses animais na região tem sido o uso de anticoncepcionais, que oferecem menos impacto negativo em outras espécies”, acrescenta o fisiologista.

A importância da descoberta 

Chris Ray, ecologista quantitativa da Universidade do Colorado em Boulder, revelou por e-mail: “há 30 anos dou palestras sobre pikas e falo sobre o fato de a pika-americana recolher fezes de marmota e colocá-las em suas pilhas de feno, na esperança de que alguém na plateia me diga por que esses animais fazem isso”.

Ainda não há provas de paralelos entre a coprofagia das pikas-do-platô, da Ásia Central, e o comportamento da pika-americana. Mas o novo estudo “abalou” o pensamento de Ray sobre a possível importância dos excrementos de marmota para a pika-americana, uma espécie que está desaparecendo no oeste norte-americano devido às temperaturas mais elevadas, afirma Ray.

“Eu moro no alto das Montanhas Rochosas, então sei como são frios os invernos nos locais onde algumas pikas habitam. O fato de conseguirem sobreviver a essas temperaturas me deixa realmente perplexa”.

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