Quem se esconde na noite amazônica?
Imersos na Floresta Nacional de Caxiuanã, no arquipélago do Marajó, Pará, uma equipe de pesquisadores, artistas e documentaristas usa técnicas inovadoras para revelar a diversidade biológica e paisagística noturna.
Fotografia ultravioleta revela fluorescência de opilião da família Stygnidae na noite amazônica. A função da fluorescência UV em animais ainda é pouco compreendida, mas especula-se que sirva para a comunicação entre indivíduos da mesma espécie ou de espécies distintas.
Quando o sol se põe, é como se um novo ecossistema surgisse. A escuridão cala o som dos guaribas, cigarras e passarinhos e dá vez a anfíbios, grilos e morcegos. É sinal de que, escondidos sob o manto da noite, diversas criaturas aventuram-se para fora de seus esconderijos. Tarântulas, mariposas, louva-a-deus e outros animais começam a aparecer – sob o foco das lanternas ou atraídos pelas poucas fontes de luz da estação de pesquisa.
Engana-se quem pensa que a maioria dos animais noturnos são pardos –"à noite, todos os gatos são pardos", diz equivocadamente o dito popular. A imensidão de formas e cores que se revelam após uma inspeção mais próxima é impressionante. Mariposas que variam desde o simples branco até os mais vibrantes tons de verde, amarelo e azul. Sapos, rãs ou pererecas verdes, amarelas ou alaranjadas.
Esse mundo de cores escondidas pela escuridão é foco de um projeto realizado agora na Amazônia brasileira. Financiado pela National Geographic Society e produzido em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi, o Amazonia from Dusk to Dawn (Amazônia do Poente à Aurora) busca mostrar uma face pouco conhecida da maior floresta tropical do planeta. Ao focar nas noites amazônicas e utilizando técnicas de imagem até hoje pouco exploradas, a equipe de pesquisadores e comunicadores, da qual faço parte, busca estudar o comportamento de animais misteriosos e a diversidade do lugar. Nesse projeto, o principal objetivo é revelar, através de imagens e sons, alguns dos segredos das criaturas que vivem nas sombras da escuridão.
Amazônia, do poente à aurora
O projeto faz parte de uma iniciativa da National Geographic Society que investe em projetos colaborativos entre os membros da comunidade de exploradores (indivíduos contemplados com financiamento da National Geographic no passado). Nossa equipe conta com oito colaboradores, dos quais cinco são exploradores da National Geographic. São pesquisadores, fotógrafos, cinegrafistas e artistas dedicados a produzir uma extensiva coleção de imagens dos seres amazônicos e elaborar produtos atemporais, que sirvam como um relicário da beleza dessas criaturas e de sua morada.
A Floresta Nacional de Caxiuanã é uma reserva de proteção integral localizada no norte do Pará, no arquipélago de Marajó. A expedição está baseada na Estação Científica Ferreira Penna, uma das bases do Museu Paraense Emílio Goeldi na reserva.
Estamos imersos na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará, onde está localizada a Estação Científica Ferreira Penna, uma das bases de pesquisa do Museu Paraense Emílio Goeldi. A estação, inaugurada no início da década de 1990, tem uma área construída de 3 mil metros quadrados, onde estão disponíveis alojamentos e refeitório, além de laboratórios de pesquisa para apoiar estudos sobre a diversidade biológica e social da região.
Em pouco tempo já é perceptível o quanto se trata de um lugar especial. Uma vegetação exuberante e diversa, que inclui árvores centenárias, compõe a floresta que cerca a estrutura da estação. Essa floresta é o nosso laboratório vivo, que permitirá a coleta de imagens inéditas de animais e plantas da Amazônia. Os primeiros dias da expedição já nos proporcionaram encontros especiais, como grupos de tucuxis (botos-cinza), que observamos ainda antes do desembarque, e o sapinho-ponta-de-flecha, um ícone amazônico, avistado já na primeira caminhada na floresta. Em poucos dias de amostragem, foram encontradas diversas espécies de animais de interesse para o projeto, além de ao menos duas espécies ainda sem nome científico – um lagarto e um rato-de-espinho –, que devem ser descritas por pesquisadores especialistas.
Novas técnicas revelam segredos da noite amazônica
Além da documentação audiovisual da biodiversidade e paisagens da Floresta Nacional de Caxiuanã, a equipe está implementando novas tecnologias na captura de imagens para estudar aspectos desconhecidos da biologia e comportamento das espécies. Em especial, são usadas três técnicas.
Anfíbio fotografado com flash e câmera convencional.
O mesmo sapo fotografado com técnica que captura emissões de luz ultravioleta.
Fotografia em ultravioleta (UV). Trata-se de uma abordagem moderna para investigar camuflagem e comunicação entre espécies que permite registrar e revelar um espectro de luz invisível ao olho humano. Biologicamente, as cores ultravioletas aparentam desempenhar papeis importantes, e a equipe avalia a presença de cores ultravioleta em uma série de grupos alvo – insetos, anfíbios, répteis e mamíferos. O uso de fotografia UV permitirá uma visão inédita sobre a diversidade de cores dos animais da Amazônia.
Time-lapses para o estudo de comportamento animal. Comumente implementado para documentar cenas pré-definidas, como o pôr do sol ou a metamorfose de insetos, o time-lapse consiste em séries de fotos feitas num determinado tempo em intervalos regulares. No Amazonia from Dusk to Dawn, usamos a técnica para tentar observar comportamentos de espécies cujos hábitos na natureza são pouco conhecidos. As câmeras são montadas na natureza (longe da interferência humana) e já nos permitiram ver, por exemplo, o comportamento alimentar de um bicho-pau e de uma aranha caranguejeira, bichos que geralmente são encontrados imóveis no ambiente.
Inventário das copas com uso de drone. Aeronaves de pequeno porte acopladas com pequenas fontes de luz farão incursões nas copas das árvores em busca de vida selvagem de pequeno e médio porte. A expectativa é registrar espécies dificilmente vistas nos extratos mais baixos da floresta em seus ambientes naturais.
Sapinho-da-amazônia (Amazophrynella xinguensis) fotografado com técnica que revela espectro de cores invisíveis ao olho humano.
Em pouco mais de uma semana em campo, a equipe já encontrou duas espécies de vertebrados ainda não descritas pela ciência. Este lagarto-de-folhiço do gênero Iphisa já está sendo estudado e deve ser descrito por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco.
Equipe multidisciplinar
Por se tratar de um projeto colaborativo e multidisciplinar, a equipe conta com especialistas em diferentes técnicas e grupos de animais. Leo Lanna – coordenador do projeto –, João Herculado e Lvcas Fiat fazem parte do Projeto Mantis, um grupo de pesquisa, documentação e conservação especializado nos louva-a-deus. Silvia Pavan e Fernanda Santos – ambas bolsistas do Programa de Capacitação do Museu Goeldi – são especialistas no estudo de mamíferos e lideram a coleta de dados dos roedores e marsupiais observados durante a viagem. Para unir todo o conteúdo científico e artístico produzido durante um mês de expedição, o time também conta com a experiência de Marina Angeli e do explorador Daniel Venturini – do ECO360 Imagery, uma iniciativa que produz material audiovisual e documental, incluindo imagens panorâmicas e 360º, da biodiversidade e paisagens. Por fim, eu, Pedro Peloso, sou biólogo e fotógrafo, explorador da National Geographic e especialista no estudo e conservação de anfíbios e répteis.
Ainda restam algumas semanas de trabalho em campo e a cada pôr do sol vivemos a expectativa de novas descobertas. Do poente à aurora, a Amazônia se transforma, e a nossa missão é estudar e documentar essa mudança. As primeiras imagens produzidas na expedição já podem ser conferidas no Instagram da National Geographic e nas redes sociais da equipe que está em campo.