Lêmures produzem ritmo anteriormente identificados apenas em humanos e aves

A descoberta de que os indris cantam em ritmos como o tique-taque de um metrônomo ou das batidas da música “We Will Rock You”, da banda Queen, sugere que uma característica que pensávamos ser “exclusivamente humana” pode não ser tão exclusiva afinal.

Por Jason Bittel
Publicado 1 de nov. de 2021, 11:34 BRT
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O indri, retratado na fotografia tirada no Parque Nacional Andasibe-Mantadia, em Madagascar, é um dos maiores lêmures existentes e está criticamente ameaçado de extinção. É o primeiro mamífero, além dos humanos, a produzir ritmos isócronos.

Foto de Jason Edwards, Nat Geo Image Collection

Durante 12 anos, Chiara De Gregorio e seus colegas se levantavam antes do amanhecer e adentravam as florestas tropicais de Madagascar para observar uma espécie de primata que está criticamente ameaçada de extinção, conhecida como indri — o lêmure cantor. A equipe enfrentou chuvas torrenciais que encharcavam os equipamentos, além de sanguessugas e lêmures não tão gentis. Mas, ao final da expedição, os cientistas foram recompensados com uma descoberta surpreendente.

Depois de analisar centenas de ritmos entoados pelos primatas, os cientistas descobriram que os indris são capazes de produzir um tipo de ritmo até então observado apenas em humanos e aves. É a primeira vez que um mamífero além dos humanos produz esses ritmos, que possuem um intervalo de tempo entre as notas.  

“Indris são os únicos lêmures que se comunicam através do canto”, diz De Gregorio, primatóloga da Universidade de Turim, na Itália, e principal autora de um novo estudo sobre os ritmos emitidos pelos indris, publicado em 25 de outubro no periódico Current Biology.

No estudo, De Gregorio relata a tendência desses animais em se harmonizar em duetos e até coros de mais de dois indivíduos. Os animais cantam para encontrar parentes perdidos, reivindicam o domínio sobre territórios da floresta e realizam até “batalhas vocais” com outros lêmures, contou De Gregorio por e-mail.

Claro, aos ouvidos humanos, tudo isso pode parecer apenas uma criança brincando com uma buzina. Mas esses sons produzidos pelos indris possuem padrões e durações de notas que se sobrepõem às qualidades encontradas na música produzida por humanos.

A descoberta é ainda mais interessante considerando que, embora sejamos ambos primatas, o último ancestral comum entre humanos e indris habitou o planeta quando os dinossauros ainda caminhavam pela Terra.   

Saber que humanos e indris compartilham essa forma de ritmo “faz com que todos os dias passados tremendo de frio debaixo da chuva esperando os animais cantarem tenham valido a pena”, diz De Gregorio.

Analisando o canto dos Indris

Para entender melhor por que os cantos dos indris são especiais, é preciso saber um pouco sobre as bases musicais.

Em 2015, uma equipe de cientistas analisou mais de 300 composições musicais produzidas por humanos e gravadas em todo o mundo. Algumas semelhanças são recorrentes entre diversos continentes e culturas. Os cientistas descobriram muitas características comuns à música, como o uso de tons específicos e repetição de frases.

Não é de surpreender que oito das características nas quais os cientistas se concentraram tenham a ver com o ritmo. A música tende a se basear especificamente em estruturas de duas batidas, também conhecidas como ritmos isócronos. Nesses padrões, as notas podem ter a mesma duração, criando uma proporção de 1:1, como os cliques de um metrônomo, ou uma proporção de 1:2, na qual algumas notas são duas vezes mais longas que as outras.

Andrea Ravignani, coautor do estudo e biomusicólogo no Instituto Max Planck de Psicolinguística, na Holanda, propõe pensar na música “We Will Rock You”, da banda Queen, para imaginar um padrão 1:2. O padrão curto-curto-longo de pisadas e palmas nessa música é um exemplo emblemático da proporção de 1:2.

“Esse é um padrão rítmico muito comum na musicalidade humana”, afirma Ravignani.

Uma ave do gênero Catharus foi recentemente observada produzindo ritmos na proporção de 1:2, mas utilizava principalmente a de 1:1. Com isso, Ravignani diz que a evidência é ainda mais forte de que os indris utilizam a proporção de 1:2 regularmente — e com muito mais frequência do que os pássaros.

Curiosamente, os lêmures às vezes também terminavam seus cantos com um floreio conhecido na música clássica como ritardando. Isso ocorre quando você diminui o andamento ou prolonga as notas finais da música.

“Novamente uma característica não muito comum”, observa Ravignani. A maioria dos animais “segue um padrão”. O fato de os lêmures alternarem entre os padrões rítmicos sugere uma flexibilidade impressionante, diz o biomusicólogo.

A descoberta é ainda mais urgente se levada em consideração a difícil situação dos indris e outros lêmures. Ameaçados pela caça e pela perda de habitat, os especialistas dizem que há apenas entre mil e 10 mil lêmures na natureza.

“Estamos muito preocupados com a situação crítica em que se encontram os indris”, diz De Gregorio. “Eles não conseguem viver em cativeiro, então, se não conseguirem sobreviver na floresta, desaparecerão.”

As baleias podem ser as próximas?

É surpreendente que indris e tordos-comuns consigam produzir alguns componentes musicais que antes eram considerados exclusivamente humanos. Essa descoberta faz com que cientistas se perguntem se outros animais cantores, como as baleias, também conseguem produzir esses ritmos.

“Que eu saiba, pesquisas como a nossa nunca foram feitas em cetáceos, como baleias e golfinhos”, diz Ravignani. “Acredito que esse tipo de pesquisa, em que se estudam padrões musicais em outros animais, ainda está no início.”

Os ritmos produzidos pelas aves, por exemplo, eram amplamente ignorados em todos os estudos sobre o canto das aves até recentemente, revela o biólogo Ofer Tchernichovski da Faculdade Hunter, em Nova York. Em 2020, sua equipe publicou um estudo sobre uma espécie de Catharus.

“Apenas recentemente foram descobertos os padrões rítmicos entre as aves; esse artigo é o primeiro a descrever essa característica em mamíferos”, salienta Tchernichovski, que não participou do novo estudo. “Tenho a sensação de que quanto mais se procura, mais se descobre.”

Para os humanos, o amor pela música é quase universal. Pode nos fazer sentir felizes, tristes ou românticos. Pode nos levar a dançar, chorar ou até lutar. Explicar o que é música ou por que ela evoca emoções humanas de forma tão poderosa já é uma tarefa incrivelmente difícil.

Esses ritmos produzidos pelos animais têm, em algum nível, o mesmo efeito entre eles, explica Tchernichovski. Quer se trate de acasalamento, competição ou parentesco, o animal que produz o som está tentando influenciar seus ouvintes.

“A música é realmente um tipo de mágica”, diz Tchernichovski. “Pode parecer não ter nenhum significado, mas gostamos e nos envolvemos com a música e ela dá sentido às nossas vidas.”

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