Inseticidas podem reduzir fertilidade de abelhas e causar danos duradouros

Mesmo uma única aplicação de um pesticida neonicotinoide comum pode prejudicar as abelhas expostas e seus descendentes por gerações.

Por Douglas Main
Publicado 2 de dez. de 2021, 07:00 BRT
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Abelhas da espécie Osmia lignaria são polinizadoras fundamentais de culturas frutíferas e de diversas espécies nativas.

Foto de Jennifer Bosvert, Alamy Stock Photo

As abelhas da espécie Osmia lignaria ocupam-se em polinizar árvores frutíferas de culturas populares como maçãs, cerejas, amêndoas, pêssegos e muitas outras. Também polinizam diversas plantas com flores nativas dos Estados Unidos.

A espécie é aproximadamente do tamanho de uma abelha melífera, no entanto são bastante diferentes: com corpo de cor azul-metálico, estilo de vida solitário e preferência por carregar pólen nos pelos do abdômen, em vez das patas.

Essas abelhas, como muitos polinizadores, são essenciais para a agricultura e extremamente vulneráveis a uma classe de pesticidas denominada neonicotinoides, ou neônicos.

Uma nova pesquisa revela que um dos produtos químicos agrícolas mais amplamente utilizados, um neônico chamado imidacloprida, não apenas prejudica as abelhas O. lignaria diretamente, mas tem efeitos negativos que podem ser observados através das gerações desses insetos.

Conforme descrito em um estudo publicado em 22 de novembro no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, descendentes de abelhas capturadas na natureza expostos a pequenas quantidades de imidacloprida ainda enquanto larvas — provenientes de pólen e néctar contaminado dado a elas por suas mães — reproduziram 20% menos do que as abelhas O. lignaria não expostas ao inseticida. Algumas das abelhas foram expostas ao pesticida mais de uma vez ao longo da vida e cada exposição reduziu ainda mais a fertilidade.

“Os efeitos são aditivos — não se pode considerar que apenas uma exposição causou esse efeito”, explica a líder do estudo Clara Stuligross, doutoranda da Universidade da Califórnia em Davis, nos Estados Unidos.

Isso é importante, uma vez que as abelhas têm contato com os pesticidas repetidamente ao longo de suas vidas no meio ambiente. Esses efeitos cumulativos e multigeracionais não são levados em consideração nas avaliações de risco ambiental, que medem os danos causados por pesticidas e são utilizadas por legisladores na regulamentação de produtos químicos, declara Stuligross.

Abelha O. lignaria na entrada de seu ninho. Na natureza, os insetos nidificam em cavidades preexistentes, mas também utilizam túneis artificiais, como este bloco de ninho feito por pesquisadores. As fêmeas fornecem pólen e néctar aos filhotes e os cobrem com lama.

Foto de Clara Stuligross

O artigo se baseia em amplas evidências de que os neonicotinoides desempenham um papel no declínio das populações de abelhas e outros insetos benéficos — mas sugere que os efeitos podem persistir através das gerações, salienta Steve Peterson, pesquisador, apicultor e proprietário da propriedade Foothill Bee Ranch no norte da Califórnia, que cria abelhas O. lignaria e outras espécies.

“Essas descobertas apoiam o que muitos de nós, apicultores, inclusive de abelhas solitárias, suspeitamos que esteja acontecendo em campos agrícolas”, comenta Peterson, que não participou do artigo. “Observamos quedas drásticas em todos os tipos de insetos nas últimas décadas e grande parte pode ser devido a resíduos de pesticidas no meio ambiente.”

Abelhas melíferas e nativas também são ameaçadas pelo aquecimento e pelas mudanças climáticas, parasitas como ácaros varroa, patógenos, perda da diversidade de plantas associada ao desenvolvimento e outros fatores. O declínio é drástico: um estudo recente constatou que não vimos um quarto das espécies de abelhas conhecidas desde a década de 1990.

Abelhas e produtos químicos

As abelhas O. lignaria fazem seus ninhos em buracos escavados por outros insetos, cavidades de árvores ou, às vezes, no solo. As fêmeas colocam vários ovos e utilizam lama para fazer um compartimento de barro para cada um.

Depois de emergir no início da primavera do Hemisfério Norte, as abelhas passam alguns dias se alimentando antes do acasalamento. Em seguida, as fêmeas põem ovos e abastecem cada um com um punhado de pólen e néctar. Algumas semanas depois, elas morrem. As larvas se desenvolvem em subadultos durante o verão e emergem do ninho na primavera seguinte, reiniciando o ciclo.

Esse aumento da polinização no início da primavera é fundamental para muitas árvores frutíferas: as abelhas O. lignaria são polinizadoras melhores e mais eficientes do que as abelhas melíferas, pois são mais eficazes na movimentação de grandes quantidades de pólen.

No estudo, Stuligross e seus colegas criaram gaiolas de voo a céu aberto para dezenas de abelhas O. lignaria contendo diversas plantas com flores. Em algumas das gaiolas de voo, cinco semanas antes das abelhas serem introduzidas, os cientistas encharcaram o solo com a fórmula de imidacloprida mais comumente utilizada na Califórnia, um produto chamado AdmirePro, fabricado pela Bayer Crop Science.

Os cientistas aplicaram o pesticida no nível máximo recomendado no rótulo, simulando as condições apresentadas no mundo real. Um porta-voz da Bayer respondeu a um pedido de comentário da National Geographic concordando que os níveis de imidacloprida utilizados nesse estudo eram “relevantes para o campo”, mas que os resultados do estudo “não eram relevantes” porque “as instruções do rótulo proíbem a aplicação antes e durante a floração”.

Embora esse inseticida seja geralmente aplicado a culturas (como amêndoas) após a floração, Stuligross respondeu que são utilizados durante todo o ano em ambientes agrícolas. Pesquisas demostram que as abelhas O. lignaria polinizadoras de amendoeiras, por exemplo, ainda estão sendo expostas ao imidacloprida durante sua curta vida adulta nos níveis observados nesse estudo.

Após as abelhas serem introduzidas no ambiente, viveram nas gaiolas de voo por algumas semanas, polinizando flores, construindo ninhos e coletando néctar e pólen para seus filhotes. Nesse estágio, o inseticida já havia sido absorvido pelas flores e estava presente em todos os seus tecidos.

“As abelhas estão sendo expostas por meio do pólen e do néctar”, explica Stuligross. A natureza sistêmica do neônico (de incorporar-se aos tecidos vegetais em vez de matar insetos através do contato) torna os produtos químicos “tóxicos, mas eficazes” para matar determinadas pragas, como pulgões, acrescenta ela — mas também prejudica inadvertidamente os polinizadores.

Peterson acrescenta que as abelhas também podem se expor à substância através do solo, já que utilizam lama para fazer seus ninhos.

Os neonicotinoides matam os insetos ligando-se às células nervosas e interrompendo a transmissão de impulsos elétricos. São menos tóxicos para os mamíferos, embora sejam prejudiciais para muitos invertebrados, incluindo os aquáticos, como os crustáceos e o plâncton, que formam a base dos ecossistemas de água doce.

Os pesquisadores utilizaram um esquema cruzado, em que algumas abelhas foram expostas enquanto larvas à imidacloprida presente no pólen e no néctar transportado por suas mães a partir de plantas as quais a substância fora pulverizada no solo. Outras abelhas foram expostas como larvas e adultas; algumas apenas na idade adulta; e outras não foram expostas.

Abelha O. lignaria forrageando na flor silvestre nativa Phacelia tanacetifolia. Quando as abelhas coletam pólen e néctar das flores podem ser expostas a inseticidas que por conseguinte estão presentes no alimento que fornecem a seus filhotes. Marcações coloridas nas abelhas ajudam os pesquisadores a diferenciá-las para medir o comportamento de nidificação e reprodução.

Foto de Clara Stuligross

Eles descobriram que a cada exposição a fertilidade reduzia, e que esse processo se intensificava. Enquanto as abelhas expostas apenas quando larvas reproduziram cerca de 20% menos do que os insetos não expostos, aquelas expostas no início e no fim da vida apresentaram uma taxa de reprodução 44% menor. Como as abelhas têm mais de 20 descendentes, isso significa uma diferença de 10 abelhas. As abelhas expostas apenas na idade adulta reproduziram 30% menos.

Os pesquisadores ainda não sabem como a imidacloprida afeta a fertilidade, mas não é surpreendente que um veneno que ataca o sistema nervoso central pudesse ter esse resultado.

Esses efeitos são “bastante drásticos”, reitera Stuligross, e certamente são um dos motivos pelos quais algumas populações de abelhas estão diminuindo em algumas áreas.

O estudo demonstra que “as aplicações nos dias atuais de imidacloprida terão repercussões para gerações de abelhas mesmo muito tempo depois”, observa Charlie Nicholson, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Lund, na Suécia. Atualmente, essas repercussões não são levadas em consideração na avaliação dos produtos químicos, diz ele.

“É um exemplo evidente de como o passado está presente no sentido ecotoxicológico. Em um sentido mais amplo, essas descobertas me fazem considerar que traumas geracionais também são vivenciados no mundo animal.”

Evidências de danos

Crescentes evidências revelam que, nos Estados Unidos, os neonicotinoides são prejudiciais aos insetos que são benéficos. Embora estudos anteriores tenham se concentrado especialmente nos efeitos letais, mais dados revelam preocupações a respeito dos impactos subletais. Por exemplo, um artigo recente verificou que a imidacloprida reduz muito a fertilidade das abelhas solitárias da espécie Peponapis pruinosa e outro estudo constatou que o produto químico reduz a atividade nas mitocôndrias das abelhas melíferas, onde a energia celular é gerada.

Devido aos danos a polinizadores e outros insetos, o uso ao ar livre de neonicotinoides como a imidacloprida é proibido na União Europeia. Muitos apicultores e pesquisadores questionam por que ainda são aprovados nos Estados Unidos.

“Espero que a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) analise estudos como esse e considere cuidadosamente esses tipos de efeitos em sua avaliação de risco”, enfatiza Peterson. “Eu realmente acredito que estudos multigeracionais e de contato indireto precisam ser exigidos como parte da avaliação de risco para pesticidas.”

Precisamos fazer mais para “ajudar as abelhas, especificamente nessas áreas [agrícolas]”, conclui Stuligross. Uma maneira fácil de ajudá-las é utilizar menos pesticidas ou cultivar plantas nativas, sempre que possível.

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