Extintos na Flórida há décadas, flamingos podem voltar a habitar a região

Com a melhora das condições ambientais dos Everglades - área pantanosa no sul do estado -, as configurações de habitat são favoráveis para o ressurgimento do flamingo-americano.

Por Ashley Belanger
Publicado 15 de fev. de 2022, 15:56 BRT
flamingo florida

Um flamingo-americano caminha pela Haulover Beach, em Miami, Flórida (EUA), em 2018. A espécie já foi nativa da região, mas não se reproduz no estado há mais de um século.

Foto de Joe Raedle, Getty Images

Depois de avistarem um flamingo entre duas pistas de pouso na Estação Aérea Naval de Key West, no extremo sul da Flórida, em 2015, pilotos ficaram receosos pela possibilidade de acidentes sempre que a ave estivesse por perto.

Os flamingos geralmente escolhem habitats o mais longe possível dos humanos. Mas esse resolveu fazer diferente. Nada do que os funcionários do aeroporto tentassem assustava a ave rosa-claro para que ela deixasse seu novo e incomum habitat. No fim, foi necessária uma equipe de especialistas para capturar e remover o animal, que eles apelidaram de Conchy. O flamingo macho – da espécie flamingo-americano, também conhecida como flamingo-do-caribe – foi transferido para o Zoológico de Miami, onde foi diagnosticado com uma doença grave no fígado, causada por se alimentar em um manancial poluído nas imediações do aeroporto. 

Das seis espécies de flamingo em todo o mundo, apenas o flamingo-americano é nativo da América do Norte. As populações dessas aves, que chegam a mais de um metro de altura, não estão em perigo de extinção, com uma crescente população de 200 mil indivíduos em todo o Caribe, América do Sul e México, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). 

Bem tratado, o flamingo Conchy se recuperou. Mas quando os pesquisadores tentaram devolvê-lo à natureza, surgiu uma outra questão: o governo da Flórida interditou a liberação do animal alegando que os flamingos não são nativos do estado, já que a espécie não tem uma população se reproduzindo na região desde o fim do século 19. 

Os cientistas, então, apresentaram evidências de que dois flamingos já haviam aparecido anteriormente na Baía da Flórida depois de serem identificados ainda como filhotes no México – mostrando que, embora raros, os flamingos ainda migram naturalmente para a Flórida a partir do Caribe. O estado reverteu a decisão e acabou permitindo a liberação de Conchy em 2015. Os pesquisadores anexaram um rastreador GPS à ave, ansiosos para conhecer seus movimentos.

Conchy desafiou as previsões dos pesquisadores: a ave permaneceu na Flórida por mais de dois anos. Para o biólogo do Zoológico de Miami, Steven Whitfield, a preferência de Conchy em permanecer no estado mostra que o habitat das aves migratórias neste estado – onde os flamingos foram considerados apenas residentes temporários no último século – poderia se sustentar para os flamingos-americanos selvagens durante o ano todo.

“Ficamos muito surpresos”, afirma Whitfield. “Isso foi um sinal de que há alimento nesses habitats – pelo menos para pequenos grupos de flamingos –, que seja suficiente para um longo período.”

Na última década, os avistamentos de flamingos na Flórida aumentaram continuamente. Acredita-se que existam menos de mil indivíduos no estado, todos supostamente imigrantes temporários. Esses dados, associados à permanência de Conchy na Flórida, indicam o retorno de populações permanentes de flamingos para a região, diz o biólogo.

Em 2018, a Flórida atualizou a classificação do flamingo para espécie nativa. No entanto, em maio de 2021, as agências de vida selvagem do estado se recusaram a conceder determinadas proteções aos flamingos da região, como gerenciamento e monitoramento, com a justificativa de que os esforços de conservação existentes no sul da Flórida são suficientes, especialmente na reserva ambiental do Parque Nacional Everglades.

Felicity Arengo, coordenadora das Américas do Grupo de Especialistas em Flamingos da UICN, que aconselhou a Flórida na tomada de decisão, relatou à National Geographic que as agências poderão estabelecer outras diretrizes caso um número suficiente de flamingos residentes for registrado no estado.

“Isso não é uma sentença de morte para os flamingos”, salientou Arengo, diretora associada do Centro de Biodiversidade e Conservação do Museu Americano de História Natural de Nova York. “As coisas estão evoluindo.”

Frank Ridgley, do Zoológico de Miami, libera Conchy na Baía da Flórida, equipado com um rastreador por satélite, em 2015.

Foto de Ron Magill

Reforma da casa

No final do século 19, a caça excessiva por carne, ovos e a indústria de penas praticamente exterminou os milhares de flamingos-americanos que viviam na Baía da Flórida e no arquipélago que compõe o Florida Keys.

No entanto, os flamingos continuaram sendo uma espécie ilustre no estado. O Centro de Visitantes Flamingo, no Parque Nacional Everglades, vive cheio de turistas e qualquer pessoa que compre um bilhete de loteria da Flórida vê o logotipo com desenho de flamingo da loteria estadual.

Whitfield e outros entusiastas do flamingo estão determinados a fazer o possível para estimular a volta da ave ao seu habitat nativo. Isso inclui rastrear flamingos da Flórida em suas rotas migratórias, investigar como as alterações do habitat afetaram as oportunidades de nidificação (fazer ninhos) da espécie e acompanhar, com imagens de satélite, as condições do ambiente e reprodução das aves. 

Whitfield também formou a coalizão de cientistas Florida Flamingo Working Group, com especialistas locais e internacionais, na esperança de reunir o máximo de dados perdidos possível para que, se as condições mudarem e a Flórida receber uma nova população reprodutora, sua pesquisa possa auxiliar futuras decisões estaduais.

Há algumas razões pelas quais ele acredita que os animais voltarão. A primeira é que a Flórida – na extensão mais ao norte da área de distribuição do flamingo-americano – pode se tornar cada vez mais atraente para flamingos à procura de alimento e locais de reprodução devido à perda de habitat em outras regiões. No Caribe, por exemplo, o aumento previsto do nível do mar pode obrigar a migração permanente dessas aves, explica Whitfield.

A segunda, é que os cuidados com a conservação nos Everglades já melhoraram a qualidade do habitat para as aves migratórias e podem incentivar os flamingos a se estabelecerem novamente no sul da Flórida, acrescenta.

Em janeiro, o governo Biden anunciou um projeto de bilhões de dólares para restauração dos Everglades, que totaliza US$ 2,5 bilhões (cerca de R$ 13 bilhões) a serem investidos no pântano de mais de 600 mil hectares entre 2019 e 2023.

Restauração dos Everglades

Os flamingos se alimentam de pequenos crustáceos que vivem em águas pantanosas rasas, pescando-os com seus bicos. Esse comportamento também beneficia o ecossistema ao filtrar nutrientes e microorganismos, e oxigenar a água. Como todas as criaturas do pântano, os flamingos precisam de água limpa e bem oxigenada para sobreviver, e a presença deles indica um ambiente saudável.

No entanto, o escoamento agrícola poluiu grande parte dos ecossistemas do sul da Flórida com nutrientes nocivos, como fósforo e nitrogênio, que promovem o crescimento de algas, as quais consomem o oxigênio da água.

Para Whitfield, a legislação criada para limitar a poluição da água na região parece estar funcionando. Ele observa que, nos últimos 30 anos, mais de seis mil toneladas de fósforo deixaram de ser despejadas nos Everglades devido a um mandato estadual que fez com que as fazendas da Flórida reduzissem o escoamento de nutrientes nocivos em 25%.

O objetivo de longo prazo dos cientistas é restaurar a hidrologia do ecossistema para que a água doce flua continuamente por toda a extensão de Everglades durante o ano inteiro. Isso aumentará as populações de presas, como camarões e pequenos peixes, e a vida vegetal, que poderá atrair flamingos em número suficiente para que estabeleçam seus ninhos no local. Os flamingos-americanos podem viajar até aproximadamente 640 km por dia e até 3,2 mil km de seus locais de reprodução de inverno em busca de alimento.

Também há sinais não comprovados de vida selvagem retornando ao sul da Flórida. Em 2021, cientistas observaram aumentos notáveis nos ninhos de crocodilos-americanos e jacarés-americanos, revelou Mark Cook, cientista-chefe do Distrito de Gerenciamento Hídrico do Sul da Flórida, que administra recursos hídricos em 16 condados do estado.

Sua equipe contou quase 90 mil ninhos de diversas espécies de aves migratórias no sul do parque Everglades em 2021, o que ele considerou um número “incrível” e um dos “anos de nidificação de maior sucesso desde a década de 1940”. 

Se os flamingos voltarem, Whitfield e colegas esperam que o estado considere listar o flamingo-americano como uma espécie protegida.

“Recuperar as populações de flamingos é possível”, diz Whitfield. “Porque isso já foi feito antes e em países com muito menos recursos do que os Estados Unidos.”

Arengo, que agora também assessora o grupo de trabalho em favor dos flamingos de Whitfield, concorda que restaurar a hidrologia, proteger o habitat e eliminar a intervenção humana têm sido estratégias bem-sucedidas para trazer os flamingos-americanos de volta a regiões de onde historicamente foram dispersados.

O exemplo de Conchy

O grupo de trabalho também está de olho em vários cientistas-cidadãos, como Garl Harrold, que opera a empresa de aluguel de caiaques Garl’s Coastal Kayaking, em Homestead, na Flórida, e foi o primeiro a avistar um bando de flamingos do México no Parque Nacional Everglades, em 2002. Ele provavelmente foi quem mais avistou flamingos na Flórida nos últimos anos. Antes, os relatos eram de apenas alguns avistamentos de flamingos por ano; agora ele relata encontros quase mensais com as aves.

“Quando os vi pela primeira vez, as pessoas me disseram que eu estava vendo colhereiros cor-de-rosa”, conta Harrold. “E eu dizia: não, eu sei a diferença.” O colhereiro também é uma ave rosada que habita áreas pantanosas, ocorrendo desde os Estados Unidos até a Argentina. No Brasil ela pode ser encontrada principalmente no pantanal.  

Normalmente, ele vê as aves em pares, mas uma vez ele avistou um grande bando de 16 flamingos. “Estou em meio à natureza quase todos os dias, então é mais fácil ver flamingos quando eles estão por perto”, diz Harrold.

Essas aparições, muitas vezes postadas na internet e em aplicativos de ciência-cidadã, ajudarão Whitfield e seus colegas a constatar quantos flamingos da Flórida estão nas proximidades. Whitfield também espera coletar amostras de sangue e penas de algumas das aves para descobrir suas origens.

Quanto a Conchy, seu sinal foi perdido em 2017 durante o furacão Irma. É possível que ele tenha sobrevivido – flamingos-americanos podem viver até 50 anos – e finalmente deixou o estado ou então pode estar escondido em regiões remotas do sul da Flórida, diz Whitfield. Imagens de satélite podem ajudar a localizar populações selvagens que tenham seus números subestimados, acrescenta.

“Ou o número de flamingos na Flórida está aumentando, ou estiveram por aqui o tempo todo e acabaram passando despercebidos”, conclui Whitfield.

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