Golfinhos podem identificar amigos pela urina, mostra estudo inédito
Os mamíferos marinhos usam várias pistas, incluindo assobios, para formar uma consciência complexa dos colegas da mesma espécie, apontam especialistas.
Um filhote de golfinho-nariz-de-garrafa explora uma lagoa alimentada pelo oceano no Dolphin Quest, em Bermudas.
Nós, humanos, contamos com um conjunto de pistas para reconhecer nossos amigos, como sorrisos, vozes ou a maneira como andam. Os biólogos sabem, há várias décadas, que os golfinhos formam amizades íntimas e que os cetáceos identificam os amigos por seus assobios únicos. Agora, uma nova pesquisa aponta que os golfinhos-nariz-de-garrafa identificam amigos da mesma espécie por meio do paladar, que discerne a urina deles.
O líder do estudo, Jason Bruck, biólogo marinho da Universidade Estadual de Austin Stephen F., no Texas, tinha como objetivo inicial testar se os golfinhos usam seus assobios da mesma forma que as pessoas chamam outras pelos seus nomes. Mas, para isso, ele precisava de uma segunda maneira utilizada por esses mamíferos para se identificarem.
Para descobrir se eles poderiam associar um assobio a um golfinho específico, Bruck recorreu a uma substância improvável: a urina. Um cientista já havia observado golfinhos selvagens nadando propositalmente no rastro de urina, levando Bruck a suspeitar que eles estavam coletando informações.
“Foi um tiro no escuro”, diz Bruck, cujo estudo foi publicado esta semana na revista Science Advances. “E eu não esperava que funcionasse, para ser honesto.”
Em experimentos com golfinhos em cativeiro, a equipe descobriu que eles prestavam mais atenção à urina e aos assobios de seus amigos, sugerindo que conheciam os animais que os emitiram, diz Bruck.
As descobertas são a primeira evidência robusta de um animal identificando outros membros da espécie por meio do paladar. Eles também mostram que, usando pelo menos duas pistas para identificar indivíduos, os golfinhos têm uma compreensão complexa de sua família e amigos, assim como os humanos.
“Fiquei chocado, com um grande sorriso no rosto. Tipo, meu Deus, isso funcionou”, lembra.
Participantes ansiosos
Em 2016 e 2017, Bruck e colegas observaram vários golfinhos-nariz-de-garrafa em instalações de interação dessas espécies nas Bermudas e no Havaí, que também mantêm um consórcio de reprodução para os mamíferos marinhos. Em Dolphin Quest, nas Bermudas, os golfinhos vivem em lagoas alimentadas pela água do mar, o que simula seu ambiente natural.
O primeiro passo dos pesquisadores foi ver se os golfinhos poderiam detectar urina na água do mar. Ao longo da evolução, os golfinhos-nariz-de-garrafa perderam o olfato, mas mantiveram um forte sentido do paladar.
Em piscinas extensas com golfinhos temporariamente separados, os cientistas despejaram água com gelo na água e depois observaram como cada animal respondia. Em seguida, a equipe precisava testar se as reações dos animais à água gelada e à urina variavam, e se eles respondiam de maneira diferente à urina familiar versus a desconhecida.
A equipe sabia quais golfinhos estavam familiarizados uns com os outros com base em quem viveu juntos por, pelo menos, cinco anos. Assim, os pesquisadores despejaram cerca de 20 ml de urina de um golfinho familiar e de um desconhecido na piscina, uma após a outra, com a ordem determinada por cara ou coroa.
Os golfinhos gastaram cerca de três vezes mais tempo investigando a urina familiar do que a urina desconhecida, com alguns indivíduos tentando identificar a substância familiar por mais de 20 segundos. Os cetáceos prestaram pouca atenção à urina desconhecida, examinando-a por menos tempo.
“Os golfinhos estavam muito, muito ansiosos em participar [do estudo]”, diz Bruck, que acrescentou que eles não foram recompensados com comida. “Geralmente, os golfinhos ficam entediados com meus experimentos. Estávamos explorando algo que faz parte do mundo dos golfinhos.”
Expectativas dos cetáceos
O teste final investigou se os golfinhos tinham uma compreensão pareada das pistas dos demais, em outras palavras, se o assobio e a urina de um indivíduo estavam conectados em suas mentes.
Bruck fez o que os ecologistas comportamentais chamam de experimento de 'violação de expectativa': mostrar aos animais algo que não faz sentido e ver como eles reagem. Nas pessoas, isso seria como ver o rosto do seu melhor amigo, mas ouvir uma voz diferente.
Para este experimento final, Bruck testou diferentes combinações de apitos e de urina em dez golfinhos, cinco dos quais eram os mesmos animais nos testes anteriores.
Quando expostos a uma combinação incorreta de apitos e de urina, os golfinhos não prestaram muita atenção. Mas quando um golfinho encontrou o par correto de apitos e de urina, o animal explorou a área por uma média de dez segundos a mais do que o par incompatível. Dois indivíduos permaneceram por mais de 40 segundos, a evidência do que o grupo de golfinhos precisava para reconhecer seus amigos, conta o pesquisador.
Gosto de sucesso
“É muito difícil demonstrar que existe um conceito na mente de um animal, então, esses tipos de experimentos que tentam responder a essa pergunta são muito interessantes e úteis”, diz Bruno Díaz López, biólogo-chefe do Instituto de Pesquisa de Golfinhos-Nariz-de-Garrafa, com sede na Espanha – ele não participou do estudo.
López, que gostaria de ver estudos semelhantes realizados na natureza, acrescenta que “é uma boa abordagem e um bom primeiro passo” para entender o papel que o sabor pode desempenhar no reconhecimento dos golfinhos.
“Isso realmente aprofunda nossa compreensão de como os golfinhos acompanham uns aos outros, o que sabemos ser muito importante para eles”, ressalta Laela Sayigh, bióloga marinha do Instituto Oceanográfico Woods Hole, em Massachusetts, EUA, que também não participou do estudo.
“Isso abre portas para outros tipos de perguntas sobre o que eles podem estar aprendendo com os rastros de urina”, complementa.
Quanto a Bruck, ele está ansioso para descobrir qual mecanismo biológico os golfinhos usam para provar a urina.
Uma possibilidade promissora são os lipídios na urina, que podem ser detectados em suas papilas gustativas. “É especialmente urgente", diz Brucl, "pois não se sabe o impacto que a poluição causada pelo homem tem nas habilidades baseadas no paladar dos golfinhos."