Golfinhos trabalham em equipe e utilizam ferramentas e truques para conseguir alimento
Desde encurralar peixes em um anel de lama até proteger seus focinhos com esponjas, esses mamíferos marinhos são forrageadores engenhosos.
Golfinhos-nariz-de-garrafa nadam na Reserva Marinha da Ponta do Oro, em Moçambique. A espécie é uma das mais estudadas entre os golfinhos.
Não há dúvida de que os golfinhos são incrivelmente inteligentes. Mas a maneira como usam a inteligência para sobreviver continua a surpreender os biólogos marinhos, que descobrem novos e fascinantes comportamentos a cada ano.
Existem 36 espécies de golfinhos, que incluem desde o golfinho da espécie Cephalorhynchus hectori maui, conhecido como o golfinho de Maui, que pesa cerca de 50 quilos, até a enorme orca, e todas enfrentam o mesmo desafio: conseguir alimento sem possuir braços ou pernas.
Uma das espécies mais estudadas, o golfinho-nariz-de-garrafa, desenvolveu um conjunto impressionante de estratégias de caça, como a tática do anel de lama. Batendo a cauda com força e nadando em movimentos circulares, esses predadores encurralam cardumes de peixes dentro de tornados de lama. Para os peixes, o anel de lama parece uma parede intransponível, o que os faz entrar em pânico e saltar sobre ela pela superfície da água, onde, para o azar deles, outros golfinhos famintos os esperam com as mandíbulas abertas.
Até recentemente, acreditava-se que a alimentação por meio da estratégia do anel de lama era exclusiva a apenas algumas populações de golfinhos-nariz-de-garrafa que viviam na Flórida. Mas um estudo recente publicado na revista científica Marine Mammal Science comprova que o comportamento é mais difundido do que se pensava e foi confirmado em Belize e no México, revelou o autor do estudo Eric Ramos, biólogo marinho da Universidade da Cidade de Nova York.
Embora seja tecnicamente possível que um golfinho que se alimenta pela técnica do anel de lama tenha levado o comportamento da Flórida para o Caribe, ou vice-versa, Ramos considera essa explicação improvável. Em vez disso, ele acredita que populações diferentes de golfinhos que vivem em habitats semelhantes inovaram a mesma estratégia de forma independente.
“De qualquer forma, é uma estratégia muito interessante”, diz Ramos — e é apenas uma das muitas maneiras inteligentes a que os golfinhos recorrem para sobreviver.
Alimentação na costa: a tática mais perigosa
Para um mamífero marinho, é perigoso chegar muito perto da costa, pois pode encalhar e morrer. No entanto, algumas espécies de golfinhos estão dispostas a correr o risco, perseguindo peixes até a praia — e depois engolindo-os antes de voltar para alto-mar.
“É tão perigoso”, afirma Janet Mann, ecologista comportamental da Universidade Georgetown em Washington, D.C., que estuda o comportamento dos golfinhos-nariz-de-garrafa do Indo-Pacífico na baía Shark, na Austrália.
Mann conta que um dos golfinhos que mais se destaca na praia, uma fêmea chamada Jamaica, apareceu com marcas de queimaduras há alguns anos, provavelmente causadas pela exposição prolongada ao sol depois de ter encalhado na costa.
Alimentar-se na costa ou na praia é outra estratégia rara conhecida apenas em alguns lugares, como na Carolina do Sul e na baía Shark. “É um comportamento muito interessante porque poucos animais o exibem”, observa Mann.
Kerplunking: brincando com a comida
Quando um golfinho bate sua cauda na superfície da água, pode parecer uma criança brincando na banheira. Mas, na realidade, é um comportamento de caça fatal.
Em algumas regiões do mundo, os golfinhos utilizam a cauda para atordoar os peixes e até mesmo jogá-los ao ar antes de devorá-los. Estratégia conhecida como fish-kicking ou fish-whacking em inglês, que significa golpear peixes.
Algumas populações australianas de golfinho-nariz-de-garrafa realizam uma manobra para tirar os polvos da água na tentativa de se esquivar das ventosas dos cefalópodes antes de devorá-los.
Outras vezes, a técnica de bater a cauda pode servir para diferentes propósitos. Alguns golfinhos da baía Shark, na Austrália, golpeiam a superfície da água com a cauda enquanto utilizam o focinho para forragear algas marinhas abaixo — talvez como forma de assustar os peixes para que saiam de seus esconderijos. Os cientistas batizaram esse comportamento de kerplunking, em inglês.
Forrageamento cooperativo: conseguindo alimento
Muitos animais trabalham juntos para capturar suas presas, como a estratégia do anel de lama dos golfinhos. Mas poucas espécies de animais trabalham em conjunto com humanos.
Em Laguna, no litoral sul de Santa Catarina, os golfinhos-nariz-de-garrafa reúnem peixes em direção à costa, onde os pescadores aguardam. Com água na altura do peito e as mãos cheias de linha, os pescadores lançam suas redes no exato momento em que os golfinhos se aproximam.
“Os pescadores se beneficiam porque pegam muito mais tainhas e, às vezes, tainhas maiores quando seguem os sinais dos golfinhos”, conta Mauricio Cantor, ecologista comportamental da Universidade do Estado do Oregon. “Principalmente porque a água pode ser muito turva, então não é possível enxergar os peixes.”
Mas é evidente que os golfinhos conseguem “vê-los” muito bem por meio de seu sistema sonar, denominado ecolocalização. E, segundo Cantor, os golfinhos também se beneficiam porque os pescadores e suas redes agem como uma barreira contra a qual podem empurrar os peixes. É uma forma de cooperação muito bem-sucedida, os primeiros registros desse tipo de trabalho em equipe datam de cerca de 120 anos no Brasil.
O forrageamento cooperativo também ocorre em outra espécie, o golfinho-do-irrawaddy que vive nas águas doces de Mianmar (antiga Birmânia).
Uso de esponjas e shelling: ferramentas para a caça
Desde a década de 1980, os pesquisadores acompanham algumas dezenas de golfinhos na baía Shark que praticam a arte da “esponja”, um exemplo de uso de ferramentas.
Os golfinhos arrancam uma esponja do fundo do mar e a encaixam em seus focinhos, provavelmente para protegê-los enquanto vasculham o leito rochoso do oceano em busca de peixes. O uso da esponja também permite que os predadores assustem pequenos peixes que podem se esconder de seu sonar natural.
De acordo com a pesquisa de Mann, eles não utilizam essa técnica apenas por diversão, isso torna os golfinhos culturalmente distintos dos animais que os cercam.
“Golfinhos que praticam essa técnica se destacam como sendo mais solitários e menos sociáveis”, salienta ela. E quando se socializam, tendem a se agrupar com outros golfinhos que possuem o mesmo comportamento. O mais interessante de tudo, segundo ela, é que a técnica da esponja parece ser passada de mães para filhas. “Uma das fêmeas descobertas em 1984 ainda pratica essa estratégia”, observa Mann. “Ela tem 37 anos.”
Ainda menos comum é um comportamento conhecido como “shelling”, no qual um golfinho persegue um peixe até uma concha vazia.
“Os golfinhos colocam a boca na abertura da concha, levam-na para a superfície e depois a agitam para que o peixe caia na boca aberta”, revela Sonja Wild, ecologista comportamental da Universidade de Konstanz, na Alemanha, que liderou um estudo sobre essa estratégia entre golfinhos da baía Shark, em 2020.
Curiosamente, esse comportamento é transmitido de modo horizontal, ao passo que o uso de esponjas é aprendido apenas verticalmente. Em outras palavras, os golfinhos podem aprender a usar as conchas com seus colegas, mas a técnica da esponja é transmitida apenas de pais para filhos.
Por meio de imagens de satélite e drones, e até mesmo de fotografias tiradas com smartphones, é provável que os cientistas continuem acrescentando novas descobertas à já longa lista de comportamentos de forrageamento dos golfinhos, conclui Ramos, da Universidade da Cidade de Nova York.
“A tecnologia nos permite descobrir fatos que antes não eram acessíveis.”