Formigas produzem ‘leite’? Descoberta surpreende cientistas

Pesquisadores acreditavam que já conheciam bastante as formigas. Então, observaram suas pupas e descobriram algo diferente.

Por Tim Vernimmen
Publicado 8 de dez. de 2022, 10:10 BRT

Colônia de formigas da espécie ooceraea biroi, cujas operárias cuidam de pupas e pequenas larvas. As operárias colocam as larvas sobre as pupas, onde se alimentam de um fluido social recém-descoberto secretado pelas pupas.

Foto de Daniel Kronauer

Por mais de um século, colônias de formigas têm sido objeto de infinitas pesquisas e fascínio. A extensão em que as formigas trabalham em cooperação como um sistema único fez com alguns cientistas as considerassem um superorganismo.

Contudo, apesar do amplo enfoque nas atividades frenéticas das formigas, pesquisadores raramente se concentram no estágio de pupa das formigas, durante o qual ocorre a metamorfose de larva em formiga adulta.

À esquerda: No alto:

Formiga da espécie myrmecocystus mexicanus bebe fluido de casulo feito de seda. Pesquisadores tingiram o fluido com corante alimentício azul. Como a cutícula dessa espécie é translúcida, o fluido azul pode ser observado como uma linha escura no tórax da formiga ao se deslocar para o intestino.

À direita: Acima:

Colônia de formigas da espécie ooceraea biroi, cujas operárias cuidam de pupas e pequenas larvas. As operárias colocam as larvas sobre as pupas, onde se alimentam de um fluido social recém-descoberto secretado pelas pupas.

fotos de Daniel Kronauer

“Elas não se movimentam, não se alimentam, não fazem nada óbvio em meio a toda a agitação em curso no formigueiro”, afirma Daniel Kronauer, da Universidade Rockefeller em Nova York, Estados Unidos, que é mirmecólogo: um cientista que estuda formigas.

Nesta semana, em um novo artigo publicado na revista científica Nature, Kronauer e seus colegas revelaram que pupas de formigas, que geralmente passam despercebidas, prestam um serviço crucial à colônia: seus corpos em desenvolvimento produzem uma substância semelhante ao leite, que fornece nutrientes importantes para o restante da colônia. E esse fenômeno não está presente apenas em uma espécie, mas em, no mínimo, uma espécie em cada uma das cinco principais subfamílias de formigas.

Segundo Kronauer, uma descoberta tão ampla sugere que as secreções podem ser comuns em muitas outras espécies de formigas e também que as secreções leitosas podem ter se originado nos primórdios da evolução de todas as formigas.

“Fiquei surpresa”, afirma Susanne Foitzik, da Universidade de Mainz, na Alemanha, que não participou do estudo, “pois nunca havia visto isso, apesar de observar formigas por três décadas. Estou bastante curiosa e começarei minhas próprias observações assim que possível”.

Afogando-se no leite

O líquido intrigante foi identificado por Orli Snir, pesquisadora de pós-doutorado que não havia estudado formigas antes de ingressar no laboratório de Kronauer. Com uma nova perspectiva, ela logo notou comportamentos que não pareciam ser explicados pela literatura científica existente.

“Formigas são estudadas há cem anos”, Kronauer lembra-se de ter pensado, “então, do que Snir está falando?”.

Mas ele concordou quando Snir propôs um experimento incomum. Em vez de tentar entender a atividade combinada dentro da colônia, onde pupas e larvas são constantemente cuidadas, movimentadas ou até mesmo empilhadas, ela decidiu observar as pupas isoladamente. Demorou para perceber como mantê-las vivas, mas ela acabou encontrando o nível ideal de temperatura e umidade. Foi quando notou algo muito incomum: as pupas produziam líquido, e muito.

Tanto, aliás, que muitas estavam se afogando nele, observa Snir, pelo menos se não tivessem morrido antes de uma infecção fúngica. Seria um fenômeno anômalo devido à retirada das pupas da colônia, ou algo totalmente normal que passara despercebido até então? Para saber a resposta, Snir injetou corante alimentício azul na abertura de onde era expelido o líquido e recolocou as pupas azuladas na colônia.

Logo notou formigas adultas removendo e ingerindo o líquido das pupas, conforme revelado pela cor azul ao se espalhar por suas entranhas. Também depositaram inúmeras vezes larvas jovens sobre as pupas, que também se alimentaram do líquido e ficaram azuis.

Espécie de fator unificador

A descoberta surpreendeu e intrigou a comunidade mundial de mirmecólogos. “Esse é um estudo muito bem fundamentado e concebido”, afirma Laurent Keller, mirmecólogo da Universidade de Lausanne, na Suíça, que concorda que o fenômeno pode ser bastante comum.

Bert Hölldobler, da Universidade Estadual do Arizona (EUA), que estuda formigas desde a década de 1960, afirma que uma vez cogitou haver algo nas pupas que atraísse os adultos.

“Nunca mais abordei essa questão”, prossegue ele, “embora não tenha me esquecido dela. Estou bastante impressionado com os estudos desses pesquisadores.”

Uma análise química do líquido revelou que, além de outros subprodutos da metamorfose, ele contém todos os aminoácidos essenciais, bem como diversos carboidratos e algumas vitaminas. As pupas de outras espécies de insetos normalmente reabsorvem e reciclam esses líquidos nutritivos, conta Kronauer 

O compartilhamento de nutrientes entre diferentes estágios de vida das formigas pode ser a origem do estilo de vida intensamente social desenvolvido por esses insetos ao longo de milhões de anos, sugerem Kronauer e Snir. “Isso faz com que formigas em diferentes estágios de vida dependam umas das outras”, observa Kronauer. “É uma espécie de fator unificador que as mantém juntas.”

Adria Le Boeuf, mirmecóloga da Universidade de Friburgo, na Suíça, que estuda a troca de substâncias nutritivas entre larvas de formigas e formigas adultas, concorda. Ela acrescenta que podem ter aberto um novo campo de estudos sobre comportamentos mais complexos pesquisados por ela. 

“Esse fluido pode ter contribuído com a evolução dos cuidados cooperativos das crias (das formigas), pois incentiva adultos a cuidar dos filhotes. E depois que as formigas começaram a beber essa secreção, esse comportamento pode ter permitido outras transferências.”

Será que alguns goles de fluido de pupa foram a origem do sistema de compartilhamento em constante expansão das formigas? Pesquisas futuras provavelmente revelarão mais sobre um dos grupos de insetos mais amplamente estudados do planeta e, ainda assim, tão misteriosos.

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