
Por que os botos-rosa machos adultos urinam no ar? A ciência investiga este comportamento bizarro
Os boto-cor-de-rosa da região amazônica nadam no rio Ariaú, cujas águas têm uma coloração de chá. Cientistas observaram esses golfinhos de água doce, como também são chamados, esguichando urina no ar — e, às vezes, uns nos outros.
Um boto-cor-de-rosa rola preguiçosamente de costas, coloca seu pênis para fora da água e jorra um jato entusiasmado de urina no ar. O jato forma um arco no céu como um arco-íris amarelo.
Esse comportamento bizarro — chamado de “micção aérea” pelos especialistas — foi observado em golfinhos de água doce, mais conhecidos como botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) na região do rio Amazonas. Trata-se de uma prática que chocou e confundiu os cientistas.
Claryana Araújo-Wang, investigadora do Projeto de Pesquisa Botos do Cerrado, no Brasil, e do CetAsia Research Group, no Canadá, juntamente com seus colegas, publicaram recentemente um estudo sobre esse fenômeno peculiar, após observarem os os botos-rosa por 218,9 horas e verem os machos esguicharem urina no ar 36 vezes.
“Um indivíduo começa a virar lentamente de barriga para cima, expondo o pênis e urinando”, diz ela em por e-mail comentando a descoberta. “Quando outro macho está presente, ele às vezes pode perseguir o jato de urina com o rosto.”
Jason Bruck, professor associado da Stephen F. Austin State University, no Texas, Estados Unidos, e que não participou do estudo, já tinha ouvido falar do fenômeno. Especialista em golfinhos, Bruck vem dando palestras há anos que incluem um slide com uma imagem do golfinho de rio participando dessa prática. O ato repetido coloca as observações do estudo “em uma base sólida”, diz Bruck. “Não é algo pontual.”
Aproveite o Dia Internacional do Boto, celebrado anualmente em 24 de outubro, para se aprofundar neste curioso estudo.
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Botos da espécie Inia geoffrensis (fêmea e filhote) fotografados debaixo d'água em uma floresta inundada no Rio Negro, na Amazônia brasileira.
Quais são as funções da urina no reino animal
Muitos animais usam a urina para outros fins além da eliminação de resíduos. Leões, tigres e ursos, assim como lobos, coiotes e ratos, todos usam a urina para marcar seu território.
As fêmeas de lagostins, lagostas e porcos-espinhos deixam os machos saberem que estão prontas para acasalar urinando, e os machos da tilápia usam a urina para provar sua proeza sexual. Os macacos até tomam banho de urina na esperança de que o cheiro atraia uma parceira.
Embora a maioria dos animais possa detectar os cheiros da urina, a evolução fez com que os golfinhos perdessem o olfato, então eles dependem do paladar.
“Muitas das comunicações entre mamíferos são codificadas quimicamente”, diz Bruck. “Nós, seres humanos, que falhamos em usar a comunicação química... nosso olfato é muito ruim.”
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A “comunicação” química dos botos através da urina
Os pesquisadores não têm certeza do que está acontecendo com os botos-cor-de-rosa do rio Amazonas, mas especulam que essa prática intrigante possa ter um propósito social.
Os botos tendem a usar sinais acústicos para comunicação geral, mas os comportamentos de acasalamento incluem demonstrações de agressividade entre machos e até mesmo o transporte de objetos como detritos flutuantes. “É possível que a micção aérea seja outro comportamento do repertório social-sexual dos machos”, diz Araújo-Wang. Ela suspeita que “a micção-aérea ajude a anunciar a qualidade do macho em termos de posição social ou condição física”.
Até agora, apenas os animais machos foram observados urinando uns nos outros, e 67% dessas ocorrências aconteceram quando um macho “receptor” estava por perto.
Bruck, que publicou dois estudos em 2022 mostrando que os golfinhos-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) podem identificar amigos através do sabor da urina, questiona se isso poderia indicar um sistema de comunicação química. “Estamos vendo, talvez, como os golfinhos fluviais do rio Amazonas podem fazer algo como observamos nos golfinhos-nariz-de-garrafa”, diz ele.
Nesta fase, é impossível ter certeza. Os botos-rosa podem usar sinais químicos para indicar identidade, status social e saúde física, ou isso pode ser “apenas uma coisa engraçada que eles fazem”, diz Bruck. Para confirmar, os cientistas precisariam isolar diferentes variáveis em experimentos controlados. “Isso é muito difícil de fazer nessa espécie”, diz ele.
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“Os pesquisadores especulam que essa prática intrigante dos botos-cor-de-rosa na Amazônia possa ter um propósito social.”
Protegendo os botos-cor-de-rosa contra danos
Os autores do estudo acreditam que essas descobertas podem ser importantes para os esforços de proteção dos botos ameaçados de extinção, e Bruck concorda.
“É hora de começar a reconhecer que há fortes evidências [de] comunicação química em cetáceos”, diz ele. “Isso pode ser afetado pelas coisas que colocamos na água.”
Se os botos-cor-de-rosa estão usando sinais químicos para se comunicar entre si, a poluição causada pelos humanos pode bloquear ou mascarar esses sinais e afetar o futuro da espécie. Se estamos “despejando coisas na água [e] eles não conseguem descobrir o que precisam saber para sobreviver e se reproduzir”, diz Bruck, “isso é muito ruim”.