
Golfinhos são realmente os vilões dos mares, como dizem as redes sociais? A ciência explica
Os golfinhos-nariz-de-garrafa machos (na foto, animais no Canal Rangiroa, na Polinésia Francesa) protegem, mas também interagem agressivamente com as fêmeas.
Para muitas pessoas em todo o mundo, os golfinhos-nariz-de-garrafa representam diversão, principalmente devido às suas representações amigáveis na tela em filmes e nos aquários.
Então, quando é que os golfinhos se tornaram “malvados”? Dê uma olhada nas redes sociais como no TikTok e no YouTube e você pensará que todos os golfinhos são depravados, maus e com um “lado sombrio” pouco conhecido. Relatos recentes de um golfinho-nariz-de-garrafa do Indo-Pacífico mordendo pessoas em praias no Japão podem apenas piorar esses estereótipos.
No entanto, demonizar animais pode ter consequências. O clássico filme Tubarão (1975), por exemplo, fez com que as pessoas temessem os grandes tubarões brancos, levando a um boom na caça por troféus dessa espécie.
Por isso, pedimos aos cientistas que estudam os golfinhos, os cetáceos difamados, que explicassem ao público da National Geographic a separar o que é verdadeiro e o que é falso, o que são fatos e hipérboles.
O problema surge quando as pessoas observam golfinhos-nariz-de-garrafa na vida real e pensam: “Ah, os golfinhos não são tão legais quanto eu me lembro de ter visto em Flipper”, diz Andrew Read, diretor do Laboratório Marinho da Universidade Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos.
Isso porque na verdade, os golfinhos costumam demonstrar agressividade, principalmente os machos ao interagir com as fêmeas.
Para os criadores de conteúdo nas redes sociais, é provavelmente atraente “virar a era Flipper de cabeça para baixo e exagerar só o comportamento ‘ruim’ dos golfinhos, que na verdade é apenas um comportamento evolutivo”, acrescenta Amber Lea Kincaid, comportamentalista animal e fundadora da Wildlife Research Alliance, uma organização sem fins lucrativos com sede na Flórida, Estados Unidos.
“Eles fazem o que faz mais sentido para propagar uma espécie.”
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Na foto, um golfinho do Instituto Seti, que estuda como os golfinhos se comunicam na Califórnia, nos Estados Unidos.
Golfinhos machos se comportam mal? Não é bem assim
Os golfinhos-nariz-de-garrafa são criaturas inteligentes e sociais que vivem em uma sociedade política, formando alianças para obter o que precisam. Para os machos, isso significa acesso às fêmeas.
Em algumas populações, pares ou grupos de golfinhos machos controlam as fêmeas de uma forma que parece violenta, levando algumas pessoas a se referirem a essas ações em termos humanos, como sequestro.
Os cientistas chamam isso de “comportamento social-sexual”, explica Denise Herzing, bióloga comportamental da Florida Atlantic University e fundadora do Wild Dolphin Project, um estudo em andamento há 40 anos sobre um grupo de golfinhos-pintados-do-atlântico nas Bahamas.
Na população das Bahamas, no Caribe, os machos “monopolizam” as fêmeas no cio, pairando nas proximidades e afastando outros machos.
Mas “nem sempre é uma situação forçada”, diz Herzing. A fêmea pode escolher entre os machos e, ao longo dos anos, ter filhotes de muitos machos diferentes. As fêmeas também às vezes batem com a cauda nos machos indesejados para mantê-los afastados.
“Chamamos suas sociedades de fissão-fusão”, diz ela. “Eles se juntam, se separam. São bastante flexíveis.” Os grupos masculinos de golfinhos também protegem as mães com filhotes dos tubarões e outros perigos.
Acredita-se que uma população bem estudada de golfinhos do Indo-Pacífico em Shark Bay, na Austrália, tenha uma das ordens sociais mais complexas além dos humanos, com grupos de vários níveis que se unem para formar federações para proteger as fêmeas.
O “rebanho” de fêmeas nesse grupo pode durar semanas. Um estudo de 2022 com golfinhos machos em Shark Bay descobriu que os machos socialmente ligados geraram mais filhotes do que aqueles sem laços sociais.
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Acima, um outro golfinho que vive no Instituto Seti - que estuda a comunicação desses animais.
Atitudes chocante para nós, mas normal para os golfinhos
Em algumas populações de golfinhos-nariz-de-garrafa, os machos cometem infanticídio regularmente.
“Se um golfinho macho sabe que uma golfinha está acompanhada por um filhote que ele não gerou, esse macho pode tentar matar o filhote”, tornando a fêmea mais receptiva ao acasalamento mais rapidamente e dando a ele a oportunidade de continuar seus genes, afirma Read.
Quando um leão africano macho assume um bando, “a primeira coisa que eles fazem é matar todos os filhotes, porque não são seus filhotes. Isso faz sentido do ponto de vista evolutivo entre vários animais”, diz ele.
“Dentro da construção humana do comportamento social e da moralidade, acharíamos isso horrível”, mas é muito comum no reino animal, explica Read.
“Os golfinhos-nariz-de-garrafa, como espécie, têm um temperamento um tanto agressivo”, diz Herzing. Golfinhos-nariz-de-garrafa solitários são conhecidos por matar botos por razões ainda não totalmente compreendidas, diz ela.
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Os códigos morais são uma construção humana
Muito mais intrigante é o necrocoito, ou interação sexual com um membro morto da mesma espécie. Cientistas documentaram quatro incidentes desse tipo entre golfinhos-nariz-de-garrafa machos na baía de Sarasota, na Flórida.
“Essa é uma observação extremamente rara”, comenta Kincaid, que relatou os incidentes em um estudo de 2022 enquanto trabalhava com o Mote Marine Laboratory and Aquarium. Os autores do estudo trabalharam com o Zoológico Brookfield no Programa de Pesquisa de Golfinhos de Sarasota, em Chicago, o estudo de golfinhos mais antigo do mundo.
Os pesquisadores que observaram o necrocoito sabiam que os quatro pares de machos não tinham nenhuma conexão entre si ou com as fêmeas mortas com as quais copularam.
A equipe descartou as principais explicações para o necrocoito, incluindo feromônios na água ou os machos pensando que as fêmeas ainda estavam vivas — deixando o fenômeno um mistério.
“Eles não têm um código moral humano”, afirma Kincaid, e mesmo que tivessem, é difícil saber suas intenções.
Os seres humanos podem estressar os golfinhos
A exposição repetida a pessoas, seja por nadadores ou atividades náuticas, pode facilmente estressar um golfinho, afirma Read. Alguns especialistas suspeitam que isso possa estar por trás da agressividade do animal japonês, que foi registrado e viralizou na época nas redes sociais, de acordo com o jornal Kyodo News.
E embora a maioria dos golfinhos não machuque as pessoas, é importante conhecer os sinais de alerta da agressividade dos golfinhos, como por exemplo: manter a boca aberta debaixo d'água, soprar bolhas, vocalizar alto e fingir atacar, como fazem os ursos e os gorilas.
“Se fosse um bisão ou um urso pardo”, diz Read, “ninguém ficaria surpreso” com sua agressividade. Mas os golfinhos-nariz-de-garrafa são “como grandes bisões aquáticos ou grandes ursos pardos aquáticos”.
“É um animal grande, selvagem e poderoso que você não pode prever.”
