Como Alex Honnold escalou – sem cordas – a parede mais temida do mundo
O feito impensável de subir a parede de granito de 900 metros conhecida como El Capitan durou quatro horas, mas levou anos de planejamento.
Esta reportagem está na edição de fevereiro de 2019 da revista National Geographic. Assine agora para receber em casa.
São 4h54 de uma madrugada fria de novembro de 2016, no Parque Nacional Yosemite.
A Lua cheia lança um brilho misterioso sobre a face sudoeste do El Capitan, onde Alex Honnold se agarra à superfície da parede de granito com nada mais que as pontas dos dedos e duas bordas finas de borracha da sapatilha. Ele está tentando fazer algo que escaladores profissionais há muito consideram impossível – uma escalada solo do penhasco mais icônico do mundo. Isso significa subir 900 metros de rocha pura, centímetro a centímetro, sozinho e sem cordas.
[ Free Solo, o documentário detalhando a escalada histórica vai ao ar no dia 9 de março, às 21 horas, no canal National Geographic ]
Uma leve brisa agita seus cabelos enquanto ele usa sua lanterna de cabeça para iluminar um pedaço de granito frio onde deve apoiar o pé em seguida. Acima dele, por cerca de 1 metro, a pedra é lisa, desprovida de qualquer agarra. Ao contrário de outras partes da via mais acima, que apresentam regletes rasos e rachaduras mínimas, que Alex usa para se agarrar com seus dedos assustadoramente fortes, essa parte – uma escalada de aderência vertical em uma seção chamada Freeblast – deve ser superada através de um equilíbrio entre delicadeza e aprumo. “É como andar sobre vidro”, disse Alex uma vez.
Ele balança os dedos dos pés. Estão dormentes. Seu tornozelo direito está rijo e inchado em decorrência de uma entorse que ele sofreu dois meses antes, quando teve uma queda nessa parte da via. Ele estava preso a uma corda. Agora, cair não é uma opção. Escalar solo não é como outros esportes perigosos em que você “pode” morrer se vacilar. Não existe “talvez” quando você está a uma de altura de 60 andares sem corda.
Uns 180 metros abaixo, me sento em uma árvore caída e observo a auréola projetada pela lanterna de Alex. Ela não se move há o que parece ser uma eternidade – não mais do que um minuto, na verdade. E eu sei o motivo. Ele está diante de algo que o assombra desde que bolou esse esquema, sete anos antes. Eu mesmo já escalei essa seção por aderência e, só de pensar em fazer isso sem cordas, fico com enjoo. O tronco no qual estou sentado fica a menos de 100 metros de onde Alex vai cair se ele escorregar.
Um barulho repentino me traz de volta ao presente. Um cinegrafista, parte da equipe que registra o feito, corre trilha acima em direção à base do paredão. “Alex está abortando”, diz ele.
Graças a Deus, pensei. Alex vai sobreviver.
Mais tarde, vou conversar com ele, mas já sei a razão do recuo. Alex não está confiante. Claro que não está – é uma loucura. Talvez, eu me permito pensar, não fosse mesmo para ser.
Alguns no mundo da escalada veem o estilo solo como algo que não é para ser. Os críticos o consideram um espetáculo imprudente, que dá má reputação ao esporte, levando em conta a longa lista dos que morreram ao praticá-lo. Outros, inclusive eu, o reconhecem como a expressão mais pura da escalada. Essa foi a atitude de um alpinista austríaco chamado Paul Preuss, considerado por historiadores da escalada como o pai do free solo. Ele proclamou que a própria essência do alpinismo era dominar uma montanha com habilidades físicas e mentais superiores, e não com “ajuda artificial”. Aos 27 anos, Preuss já tinha feito cerca de 150 primeiras ascensões em toda a Europa. Então, em 3 de outubro de 1913, quando escalava solo o Pico Mandlkogel, nos Alpes austríacos, ele caiu para sua morte.
Mas as ideias de Preuss resistiriam, influenciando sucessivas gerações de escaladores e inspirando o movimento de escalada livre dos anos 1960 e 70, que adotava cordas e outros equipamentos apenas como dispositivos de segurança, nunca para ajudar a progressão da subida de um escalador. Em 1973, “Hot” Henry Barber chocou ao escalar, sem corda, a face norte de 450 metros do Sentinel Rock, em Yosemite. Três anos mais tarde, um jovem de 19 anos de Los Angeles, John Bachar, escalou solo o New Dimensions, uma fenda penosa de 90 metros, também no parque californiano. Ninguém o desafiou até 1987, quando Peter Croft, um canadense despretensioso, superou solo duas vias famosas de Yosemite – Astroman e Rostrum – no mesmo dia.
Então, em 2007, um garoto tímido de 22 anos, vindo de Sacramento, surgiu no Vale Yosemite. Alex Honnold deixou o mundo da escalada atordoado ao repetir a obra-prima Astroman- -Rostrum de Croft. No ano seguinte, fez solo duas vias conhecidas – a Moonlight Buttress, no Parque Nacional Zion, e a face regular noroeste do Half Dome, em Yosemite –, escaladas tão longas e difíceis que nenhum alpinista sério havia imaginado que poderiam ser feitas sem corda. À medida que as ofertas de patrocínio jorravam e os fãs aclamavam suas conquistas, Alex contemplava secretamente um objetivo bem maior.
É importante apontar que a jornada de Alex até chegar à escalada solo do El Capitan não foi um truque movido a adrenalina que ele inventou por um capricho. Em 2009, durante a nossa primeira expedição juntos, ele mencionou a ideia para mim. Eu achei que ele estava maluco, mas havia algo em sua confiança suprema e na forma como ele se movia sem esforços por faces insanas que faziam com que o comentário parecesse mais que mera presunção indolente.
Alex pesquisou várias rotas do El Capitan, finalmente optando pela Freerider, uma via de teste muito popular entre veteranos e que normalmente requer vários dias. Suas 30 ou mais cordadas – ou enfiadas de corda – desafiam um escalador em todos os fundamentos: força nos dedos, antebraços, ombros, panturrilhas, dedos dos pés, costas e abdome, para não falar em equilíbrio, flexibilidade, resolução de problemas e resiliência emocional. Em certas horas, o sol aquece a rocha de tal modo que ela queima ao simples toque; horas depois, a temperatura pode despencar abaixo de zero. Tempestades desabam, poderosas correntes térmicas ascendentes açoitam o paredão, fontes de água jorram de rachaduras. Abelhas, sapos e pássaros podem romper para fora das fendas durante movimentos cruciais. Rochas de todos os tamanhos podem, de repente, ceder e rolar morro abaixo.
A Freeblast pode ser a parte mais assustadora, mas seções mais exigentes fisicamente aguardam o escalador acima: uma fenda em chaminé pela qual ele terá de se contorcer; outra tão larga que ele quase terá de fazer uma abertura completa das pernas, pressionando a rocha com os pés e as mãos para subir centímetro a centímetro. E então, 700 metros acima do nível do rio no vale, fica o movimento mais difícil – o chamado Boulder Problem –, uma face lisa que requer movimentos tecnicamente desafiadores.
Durante mais de um ano, Alex passou centenas de horas na Freerider, preso a cordas, trabalhando em uma coreografia precisamente ensaiada para cada seção, memorizando milhares de intrincadas sequências de movimentos de mãos e pés. Depois disso, ele se retirava para sua “casa”, uma van RAM ProMaster. (Vans vêm sendo seu acampamento-base móvel pelos últimos 12 anos.) Lá, ele registrava os detalhes de treinamento de cada dia em cadernos espirais.
“Então, como foi lá em cima?”, pergunto certa noite, enquanto ele prepara uma refeição. Alex havia ensaiado o Boulder Problem. “Eu já superei ele umas 11 ou 12 vezes sem cair”, responde. “Mas, definitivamente, é preciso se empolgar primeiro.” Ele faz a mímica da sequência de 11 movimentos para eu ver. Mais tarde, Alex a descreve passo a passo em sua gíria particular: “Pé esquerdo na minifenda de reglete. Pé direito nesse pequeno abaulado em que você pode forçar o dedão do pé para fazer oposição à mão esquerda... Depois eu espalmo a mão sobre a parede para poder levantar o meu pé e depois alcançar um reglete invertido”.
Esta reportagem está na edição de fevereiro de 2019 da revista National Geographic. Assine agora para receber em casa.
“Qual o tamanho dela?”, pergunto.
“É a pior agarra da via.” Alex olha para mim com os olhos bem abertos, afastando o polegar e o indicador a uns 3 milímetros de distância. “Deve ser deste tamanho.”
Mas, antes de resolver o Boulder, Alex teria de mandar a Freeblast, que estava provando ser a variável mais irritante nessa equação de vida ou morte. Eu me junto a ele em uma daquelas sessões de treinamento e, na perna onde havia abortado em novembro, Alex escorrega mais uma vez. Pelas minhas contas, é a terceira vez que ele cai aqui. “Esse movimento está frágil. Eu não gosto dele”, me diz quando paramos em um ponto logo acima da seção de escalada por aderência. Naquele momento, percebo que Alex nunca terá essa seção dominada de modo satisfatório – não importa quantas vezes ensaie. É o único movimento da via que não consegue intimidar e subjugar. E ele também sabe disso.
Sábado de manhã, 3 de junho de 2017, sete meses depois da tentativa abortada de Alex, estou na campina perto do sopé do El Capitan. A grama alta está coberta de orvalho. O céu está cinzento – como sempre é o caso pouco antes do amanhecer. O único som é um farfalhar do vento nos pinheiros altos. Eu aperto os olhos no telescópio, e lá está Alex, 180 metros acima do vale, subindo a Freeblast, a seção de escalada de aderência que o atormentou por quase uma década. Seus movimentos, normalmente suaves, são bruscos. Suas batidas de pé contra o paredão fazem parecer que ele está hesitando nessa parte da via. Mas então, simples assim, ele está de pé num platô, 1 metro acima do movimento que há anos paira sobre sua cabeça. Eu percebo que estou com a respiração presa, e então exalo. Milhares de movimentos ainda estão por vir, e o Boulder ameaça muito acima. Mas, desta vez, o homem não vai voltar atrás. Alex Honnold agora está bem encaminhado para completar a maior escalada em rocha da história.
Mark Synnott escreveu sobre escalar morros sobre o mar de Omã com Alex Honnold na edição de janeiro de 2014. Jimmy Chin co-dirigiu o documentário da National Geographic Free Solo.