Há um zumbido em Marte e os cientistas não sabem ao certo a origem

O mais novo geólogo robótico da Nasa começou a detectar um pulso no Planeta Vermelho.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 2 de mar. de 2020, 13:12 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A sonda InSight foi projetada para mapear estruturas internas em Marte. Entre os inúmeros instrumentos da InSight estão um sismógrafo extremamente sensível, mostrado no centro desta imagem, que monitora todos os abalos sísmicos do planeta.
Foto de NASA, JPL Cal-tech

SOB SUA superfície gelada e poeirenta, Marte está zumbindo. O zumbido baixo e constante ecoa periodicamente, acompanhando o ritmo dos terremotos que se espalham pelo planeta, mas a origem dessa melodia alienígena permanece desconhecida.

Esse zumbido marciano é apenas um de uma série de novos mistérios e descobertas detectados pela sonda InSight da NasaA investigação, descrita em um conjunto de cinco estudos publicados nas revistas científicas Nature Geoscience Nature Communications, oferece um vislumbre da atividade surpreendente que ocorre acima e abaixo da superfície do planeta vermelho.

A InSight aterrissou em Marte em novembro de 2018, após uma angustiante descida em uma extensão plana e sem traços característicos próxima ao equador do planeta. Desde então, a sonda tem utilizado um sismógrafo extremamente sensível e uma série de outros instrumentos para fazer leituras que estão ajudando os cientistas a entender a atividade geológica e a estrutura interna de Marte.

“É um alívio finalmente poder gritar: como é incrível o que estamos observando”, afirma Bruce Banerdt, principal pesquisador da missão InSight.

Além do zumbido incomum, o último lote de dados da InSight descreve a primeira zona de falha ativa descoberta em Marte, padrões e pulsos dos atuais campos magnéticos e indícios do passado magnético do planeta. Juntas, as informações obtidas de Marte são vitais para descobrir mais sobre a formação e evolução de todos os planetas rochosos ao longo do tempo.

“Não é possível gerar um modelo apenas com a Terra, são necessários mais dados”, afirma Suzanne Smrekar, pesquisadora adjunta principal da missão InSight. “Alguns aspectos de Marte que estamos tentando entender são bastante empolgantes.”

Origens curiosas de terremotos

Um dos principais objetivos da InSight é medir a atividade sísmica de Marte. Os primeiros meses de detecção de tremores foram inquietantemente calmos. Mas, finalmente, em 6 de abril de 2019, o primeiro “martemoto” já detectado ressoou pelo planeta vermelho, emocionando sismólogos terrestres.

Desde essa detecção, continuam a ocorrer martemotos, tendo sido registrados mais de 450 até agora, afirma Banerdt. Embora o nível de atividade não seja uma surpresa, a frequência dos pequenos abalos parece estar se intensificando cada vez mais. O aumento nos pequenos tremores pode ser sazonal, porém, como os registros estão apenas em seu início, esse ainda é um dos muitos mistérios que a equipe tenta desvendar.

Os cientistas também não sabem ao certo a origem exata de todos esses martemotos. Aqui na Terra, a superfície do planeta sofre abalos frequentes devido à lenta movimentação das placas tectônicas. As tensões aumentam na crosta e um estalo repentino provoca um terremoto. Mas Marte não possui placas tectônicas globais, então geólogos estão em busca de outras origens possíveis.

O módulo espacial InSight na superfície de Marte na ilustração, mostrando seu sismógrafo e a sonda de medição de temperatura apelidada de “toupeira”.
Foto de Illustration by NASA/JPL-Caltech

Dois tremores específicos detectados estão ajudando os cientistas a chegarem mais perto das respostas. A dupla apresentou estrondos altos e claros, com magnitudes entre três e quatro, o que permitiu aos pesquisadores identificar sua origem: um conjunto de fendas profundas na superfície conhecido como Cerberus Fossae, formado há aproximadamente 10 milhões de anos.

No passado, expansões de fluxos de lava e transbordamentos de água já jorraram por essas fissuras até a superfície e alguns fluidos ainda podem permanecer no subsolo. Assim, bolsões de resfriamento e contração de magma ou a movimentação de rocha derretida, ou até mesmo de água no subsolo são possíveis origens da dupla de tremores marcianos, afirma Smrekar.

Para identificar a causa dos martemotos e obter um retrato melhor do subsolo, os cientistas terão que detectar mais tremores, talvez até alguns colossais.

“Gostaríamos de detectar um de magnitude cinco”, afirma Smrekar. “Quem sabe conseguimos? É questão de esperar.”

Melodia marciana infinita

A InSight também detectou um misterioso sinal sísmico que emite um zumbido constante ao fundo dos terremotos.

A Terra possui diversos zumbidos secundários constantes, o mais prevalente deles provém da movimentação das águas dos oceanos e do bater das ondas contra a costa. Contudo, a 2,4 hertz, o som de Marte é um tom mais alto do que os zumbidos que ocorrem na natureza da Terra, que costumam ser menores do que 1 hertz, afirma Stephen Hicks, sismólogo de terremotos da Faculdade Imperial de Londres, que não participou dos novos estudos.

A análise sugere que o zumbido de Marte não tem relação com o uivo dos ventos do planeta e parece acentuar com o estalo de um martemoto distante. O efeito é como um sino que toca quando próximo a gritos fortes, explica Joshua Carmichael, geofísico quantitativo do Laboratório Nacional Los Alamos, que não participou da pesquisa. A voz é uma mistura de frequências e, se alcança a mesma ressonância de um sino, poderá fazê-lo tocar.

Talvez o zumbido esteja relacionado às características geológicas abaixo da InSight, que, de alguma forma, ampliam esse tom específico, afirma Banerdt. A InSight encontra-se em uma cratera antiga, cheia de poeira e areia, que poderia emitir sons captando as ondas dos terremotos. No entanto a estrutura também não é afetada por ventos turbulentos e a bacia parece um pouco pequena para gerar esse timbre em particular, afirma Banerdt.

O zumbido e os terremotos podem ter duas origens distintas, afirma Hicks. O próprio módulo espacial InSight ainda pode estar causando a misteriosa ressonância, acrescenta Banerdt.

“É extremamente intrigante”, afirma Banerdt. “Não há um consenso sobre o que pode ser.”

Uma imagem magnética nítida

Além de revelar curiosidades sobre a atual atividade sísmica de Marte, os dados mais recentes da sonda InSight descobriram algo inesperado sobre o campo magnético do planeta: o campo ao redor do módulo é 10 vezes mais forte do que o previsto pelos satélites.

Na Terra, o nosso campo magnético é mantido pelo que é conhecido como geodínamo, criado com a movimentação constante do núcleo de ferro fundido no interior do planeta em rotação quase três mil quilômetros abaixo de nossos pés. Essa rotatividade gera um campo magnético global que circunda o planeta e o protege da radiação solar.

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Marte também já possuiu um geodínamo, porém sua movimentação estagnou há bilhões de anos, o que pode ter permitido que as explosões solares eliminassem sua atmosfera antes espessa. Hoje, restam poucas reminiscências do magnetismo de Marte, presentes na forma de minerais magnéticos presos às rochas do planeta. Assim, o planeta possui diferentes campos magnéticos de intensidades variadas e dispersos ao longo de sua superfície.

As sondas em órbita forneceram uma imagem difusa dessa mistura de campos magnéticos ao sobrevoar o solo a grandes altitudes. Mas agora, a InSight forneceu o equivalente a uma imagem de alta resolução, onde é possível ver que o campo magnético é muito mais intenso do que previsto. Embora a medição da sonda represente apenas um único conjunto de dados, as informações podem futuramente ajudar a desvendar a força do geodínamo que existia em Marte, o que, por sua vez, poderia explicar quando e por que Marte se transformou de um mundo quente e úmido em um globo frio e árido.

“Essa medição foi o nosso primeiro vestígio — um único conjunto de dados — da possível força da magnetização”, afirma Robert Lillis, físico espacial planetário da Universidade da Califórnia em Berkeley, que não fez parte da equipe do estudo.

Os novos estudos também fornecem um interessante indício da idade do geodínamo. Os pesquisadores identificaram a origem dos sinais como um corpo rochoso a quilômetros de profundidade que se acredita que possua em torno de 3,9 bilhões de anos — cerca de 200 milhões de anos mais novo do que o período que se considerava que o geodínamo de Marte se desligou.

Será que a rotação do geodínamo no núcleo de Marte durou mais tempo do que se acreditava? É difícil afirmar ao certo devido à grande incerteza na determinação da idade de corpos rochosos, adverte Catherine Johnson, autora principal do novo estudo sobre os campos magnéticos de Marte e geofísica da Universidade da Colúmbia Britânica e do Instituto de Ciências Planetárias. Mas talvez futuras descobertas da InSight ofereçam mais pistas.

Pulso misterioso

A InSight também detectou algum magnetismo inconstante sobreposto ao campo magnético estável de Marte — alterações entre o dia e a noite e sinais ocasionalmente emitidos em um pulso fraco.

Variações diárias no campo magnético são comuns na Terra. No lado do nosso planeta em que é dia, a radiação solar chega à atmosfera superior, criando partículas carregadas que interagem com os ventos e com as linhas do campo magnético da Terra e geram correntes elétricas. Assim, o campo magnético recebe um pequeno impulso extra nas regiões de nosso planeta onde o Sol incide, ao passo que, onde é noite, fica um pouco mais fraco. Esse padrão diurno também é observado em Marte — algo que os cientistas não esperavam detectar a partir da superfície.

O campo magnético marciano parece ter períodos menores de oscilação que ocorrem por volta da meia-noite e, às vezes, ao amanhecer ou anoitecer. Tudo indica que não ocorrem todos os dias e não possuem ritmo ou motivo aparente para o padrão, observa Johnson. O maestro invisível dessa orquestra magnética provavelmente está bem acima da superfície do planeta vermelho. Lá no alto, fluxos de partículas carregadas pelo Sol vagam ao redor do planeta, parcialmente desviados pela atmosfera débil e pelo campo magnético irregular de Marte.

Turbulências nesses ventos solares podem gerar ondas no campo magnético de Marte e esse processo ou efeitos análogos podem ser a origem das pulsações medidas pela InSight na superfície.

“Não conhecemos sua origem”, afirma Johnson. Análises conjuntas da InSight no solo e de uma sonda na órbita de Marte chamada MAVEN podem ajudar a decifrar o mistério.

Por ora, todos os dados da InSight apresentados nos novos estudos agora estão disponíveis ao público e novos lotes serão divulgados a cada três meses. Banerdt espera que outros cientistas se juntem a sua equipe em seus esforços contínuos para analisar os números.

“Quanto mais cabeças pensando, maior a chance de encontrar boas respostas”, afirma ele.

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