Por que algumas pessoas são mais vulneráveis a contrair o novo coronavírus?
Para certas profissões e comunidades, as recomendações de saúde pública são difíceis de seguir, se não impossíveis.
A cada novo dia da crescente pandemia do novo coronavírus, uma grande preocupação é como manter a taxa de transmissão baixa.
Os seres humanos são reservatórios onde o vírus se desenvolve e causa destruição ao mesmo tempo, além de também serem os principais transmissores da doença. Quando os portadores humanos contaminam objetos — conhecidos pelos profissionais médicos como fômites — surge o novo desafio de limpar superfícies e lavar as mãos para impedir a propagação do coronavírus.
Mesmo com essas precauções, os mais vulneráveis (idosos ou portadores de outras doenças) são aconselhados a tomar cuidados adicionais. Mas pesquisas sobre o surto de coronavírus e epidemias passadas indicam que é ainda mais difícil evitar a transmissão entre pessoas em certas profissões e populações sem-teto e que vivem na pobreza.
As lições aprendidas nos primeiros epicentros e em epidemias passadas oferecem algumas pistas. Estimativas iniciais da Universidade de Washington, nos EUA, mostram que 14,4 milhões de trabalhadores no país estão em empregos onde pode ocorrer com maior frequência exposição ou contaminação com a Covid-19.
Não é surpresa para ninguém que aqueles que trabalham na área da saúde têm o maior risco estimado de exposição a infecções respiratórias semelhantes ao coronavírus. Na China, onde o surto teve início, mais de três mil profissionais de saúde haviam contraído o coronavírus no fim de fevereiro. Em Washington, houve alguns casos em asilos de idosos que afetaram tanto pacientes quanto funcionários.
Contudo, vários outros grupos também se mostraram com elevado risco de exposição semanal ou mensalmente: policiais, bombeiros e oficiais de triagem de segurança de transporte; profissionais de cuidados pessoais como babás e cuidadores; e aqueles em “ocupações produtivas” como funcionários de lavanderias e lavagem a seco, operadores de tratamento de águas residuais e técnicos odontológicos.
Sandra Quinn, professora da Universidade de Maryland, afirma que se preocupa com o risco elevado para trabalhadores de baixa renda, já que eles geralmente estão expostos a condições de maior aglomeração, têm dificuldade para se afastar do trabalho e podem ter mais doenças pré-existentes não tratadas que os tornam mais suscetíveis à Covid-19.
“É o pior cenário para uma catástrofe que será muito sentida por aqueles mais vulneráveis entre nós”, afirma Quinn. “O mais importante que muitas vezes se esquece em uma situação como essa é que uma doença infecciosa por si só não é o desastre. É quando acontece em um determinado contexto.” O coronavírus está se propagando pelos EUA, um país onde minorias raciais e étnicas, cidades rurais e outras comunidades já enfrentam expressivas desigualdades em termos de saúde.
Na entrada da organização University District Food Bank em Seattle, agora há uma estação de lavagem de mãos. O banco de alimentos atende cerca de 1,3 mil famílias por semana e Joe Gruber, o diretor executivo, afirma que não notaram uma queda no número de consumidores desde o início da crise de saúde pública. Mas cerca de um terço dos voluntários que trabalham no banco de alimentos são idosos, e alguns dos mais assíduos optaram por deixar seus turnos semanais para proteger sua saúde.
“Como atendemos muitas populações com as quais interagimos, é fundamental refletir sobre como podemos preservar a integridade de nossos serviços tanto quanto possível”, afirma Gruber.
Os sem-teto são uma preocupação específica em Seattle, que não é apenas a região dos EUA mais atingida pelo novo coronavírus, mas também uma cidade com uma das maiores populações sem-teto do país. Uma alta proporção dos 11,2 mil moradores de rua de Seattle são desabrigados, o que significa que dormem na rua e não em abrigos ou lares temporários. Muitos são idosos ou sofrem de doenças crônicas.
“Cuidar da saúde e manter-se saudável já é impossível para um sem-teto nas melhores circunstâncias, imagine em um surto,” afirma Margot Kushel, professora de medicina e diretora do Centro de Populações Vulneráveis da Universidade da Califórnia, em São Francisco.
Durante o surto de SRAG no Canadá, entidades de sem-tetos tiveram dificuldade em encontrar suprimentos de limpeza e proteção e teriam se beneficiado de diretrizes explícitas de higiene. A triagem para a SRAG foi complexa, pois muitos na comunidade sem-teto já haviam apresentado um ou mais dos principais sintomas. Muitos prestadores de serviços também não sabiam como e onde os sem-teto doentes poderiam ser colocados em quarentena.
As infecções “são uma espécie de teste indicativo da desigualdade”, afirma Jon Zelner, professor assistente de epidemiologia da Universidade de Michigan.
Distanciamento social
As recomendações oficiais para ajudar a proteger os vulneráveis são conhecidas de quem tem acompanhado as notícias: lavar as mãos com frequência com água e sabão, cobrir a boca ao tossir ou espirrar e ficar em casa se estiver doente.
Muitos locais de trabalho e centros urbanos também estão tomando medidas de “distanciamento social”, mantendo temporariamente as pessoas separadas em um esforço para retardar a propagação do vírus. Muitas empresas em todo o país pediram a todos os funcionários que puderem para trabalhar em casa durante as próximas semanas. A temporada da NBA foi suspensa depois que um jogador contraiu o vírus e inúmeras universidades e eventos foram adiados de costa a costa nos EUA, incluindo a Maratona de Boston e o Torneio Masters de Golfe.
Embora outras cidades não fiquem para trás, os efeitos dessas medidas de distanciamento social podem ser bastante sentidos em Seattle. O trânsito rodoviário está mais leve e pequenas empresas enfrentam dificuldades. Antes da decisão de fechar oficialmente as escolas públicas, sua frequência já havia reduzido, afirmou Tim Robinson, porta-voz das Escolas Públicas de Seattle.
No entanto, para os moradores mais pobres e vulneráveis da cidade, manter-se longe de outras pessoas nem sempre é uma opção. E à medida que o vírus acomete mais pessoas, Seattle enfrenta dificuldades para decidir o que pode ser feito para cuidar deles.
Em uma coletiva de imprensa em 5 de março, o governador Jay Inlsee afirmou que o estado pretende cobrir os custos do exame de coronavírus para aqueles que não possuem seguro de saúde. O comissário estadual de seguros também determinou que as seguradoras renunciassem aos custos dos exames. O seguro de saúde Medicare foi expandido para cobrir a telemedicina — consultas médicas por videoconferência ou por telefone — em áreas de surto, e oficiais compraram um hotel de estrada para colocar em quarentena pacientes de coronavírus.
Muitas vezes, a última linha de defesa são aqueles com grandes restrições econômicas, afirma Zelner. “As pessoas vão ficar em casa, mas ainda precisam ir ao supermercado. E quem trabalha nos supermercados? Você vai pedir comida pela Internet para não precisar sair, mas quem faz suas entregas?