Por que os pés humanos se desenvolveram em arcos?

Nova pesquisa mostra que um arco localizado no topo dos nossos pés sustenta a nossa mobilidade singular.

Por Sarah Elizabeth Richards
Publicado 8 de mar. de 2020, 08:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Adolescentes praticando nado sincronizado em Medellín, Colômbia.
Adolescentes praticando nado sincronizado em Medellín, Colômbia.
Foto de Kike Calvo, Nat Geo Image Collection

Por mais de um século, os biólogos evolucionistas admiraram o design requintado dos pés humanos e como as características deles nos permitem caminhar eretos sem fazer esforço. Nossos dedos curtos, por exemplo, permitem-nos percorrer longas distâncias.

Agora, um artigo publicado na revista científica Nature defende que uma outra parte de nossa anatomia — um arco localizado na parte superior dos pés — desempenha um papel ainda mais importante do que se imaginava no campo da mobilidade. A descoberta aumenta a nossa compreensão da evolução da biomecânica do pé, dizem os especialistas, e pode levar a pés robóticos e protéticos mais precisos, ajudar médicos ortopedistas a tratarem problemas nos pés e até inspirar designs de calçados mais bem pensados.

Chamado de arco tarsal transversal (a curva horizontal na parte superior do pé), esse atributo anteriormente subestimado é responsável por mais de 40% da rigidez do pé humano moderno, de acordo com a equipe de pesquisadores dos Estados Unidos, Japão e Reino Unido. O arco superior se une ao exemplo mais conhecido na parte inferior do pé, chamado arco longitudinal medial. Juntos, eles representam a rigidez exclusiva dos pés humanos, o que nos permite caminhar sem cair e nos distingue de outros primatas, que dependem de pés mais flexíveis para se agarrar nos galhos das árvores.

Em um estado da França, moradores locais resgatam o antigo processo de produção de vinho.
Foto de Brian Finke, Getty Images via Nat Geo Image Collection

“Ficamos surpresos com o efeito por ele produzido”, conta Madhusudhan Venkadesan, autor principal do estudo e professor assistente de engenharia mecânica e ciência de materiais na Universidade de Yale. “Houve grandes debates sobre como a forma do pé está relacionada com a rigidez, mas eles se concentraram no arco longitudinal medial [o arco longo, que compreende o osso redondo do pé até o calcanhar pelo lado interno]”.

É fácil compreender a relação entre a curva de um arco e a rigidez do pé utilizando uma nota de dinheiro. Coloque-a na horizontal e enrole levemente as pontas compridas para que o meio se dobre — como se estivesse formando um tubo ou túnel rodoviário. Isso criará um arco, percorrendo longitudinalmente a nota. Empurre um dedo no meio do arco da nota e note uma certa resistência ou rigidez. A equipe de Venkadesan queria provas de que um princípio semelhante — que também explica por que dobrar uma pizza a torna menos flexível — funciona em nossos pés.

“Precisamos criar uma maneira de testar essa teoria em um pé de verdade”, conta ele.

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    Molas motorizadas em um tornozelo motorizado impulsionam o movimento como se fosse uma perna humana.
    Foto de Mark Thisessen, Nat Geo Image Collection

    Para isso, projetaram uma série de experimentos em que realizavam testes de flexão nos pés de dois cadáveres humanos. Em seres humanos vivos, é muito difícil isolar o papel do arco transversal, porque ele funciona em sincronia com outras partes do pé. Mas nos pés dos cadáveres, os pesquisadores conseguiram remover o tecido elástico entre os ossos longos — chamados metatarsos — para medir diretamente o impacto do arco na rigidez dos pés.

    O próximo passo foi entender o papel do arco transversal no contexto da evolução humana. A equipe de Venkadesan desenvolveu um modelo matemático para reconstruir a história do pé humano, comparando nosso arco atual com os de fósseis de espécies de hominídeos extintos.

    Conforme suspeitavam, a presença do arco transversal — que apareceu em outros hominídeos mais de três milhões de anos antes dos humanos modernos caminharem sobre a terra — era um elemento importante do bipedalismo. O arco longitudinal medial surgiu depois — chegando 1,8 milhão de anos atrás, mais precisamente. A combinação desses arcos criou a rigidez necessária que nos permitiu eventualmente correr maratonas e tirar fotos pulando para postar nas mídias sociais.

    Especialistas dizem que a pesquisa recente é valiosa porque é a primeira a quantificar a rigidez do arco transversal.

    “Sabemos da presença do arco transversal há muito tempo, mas nunca tivemos uma maneira de mensurá-lo e não sabíamos como isso afetava a função geral do pé”, relata Nicholas Holowka, professor assistente de antropologia da Universidade de Buffalo, em Nova York, que estuda a evolução do pé humano. “Isso contribui de forma significativa para a nossa compreensão de como a forma distinta do pé humano permite a nossa locomoção bípede única”.

    Pernas de uma mulher, usando salto alto vermelho, e táxis passando na Times Square.
    Foto de Tino Soriano, Nat Geo Image Collection

    Afinal, o que essa pesquisa significa para as pessoas de pés chatos? O arco transversal é o herói anônimo de apoio delas.

    A falta de um arco longitudinal medial em pés chatos pode causar estresse em outras áreas do corpo e dores no pé. Houve uma época em que foi motivo de rejeição automática nas forças armadas.

    Mas a pesquisa de Venkadesan esclarece por que a maioria das pessoas de pés chatos não sofre de dores ou lesões crônicas, comenta Holowka.

    “Você pode até acreditar que possa ter pés chatos com um arco longitudinal baixo, mas por ter um arco transversal relativamente alto, ainda se pode ter um pé rígido”. Holowka diz, acrescentando que pesquisas futuras devem examinar quaisquer ligações entre os graus de pés chatos das pessoas e seus arcos transversais. Ele também está buscando maneiras de quantificar essa curvatura do arco transversal em pessoas vivas para entender melhor as dores nos pés, que pode ser a chave para a construção de órteses corretivas.

    Outras pesquisas futuras devem também examinar a variação na anatomia do arco transversal entre os seres humanos para investigar a correlação entre uma alta curvatura e altos níveis de rigidez, acrescenta Glen Lichtwark, professor associado de biomecânica da Universidade de Queensland em St. Lucia, Austrália.

    “Você pode ter uma curva alta, mas pode ter algo que compense em outra parte do corpo. Ou pode usar seus músculos de maneira diferente. Ainda não sabemos tudo sobre todos esses aspectos”, diz Lichtwark.

    Segundo Lichtwark, coautor de um artigo complementar da revista científica Nature, a pesquisa tem aplicações práticas para a saúde dos pés, incluindo o design de robótica e próteses, e explica o mistério o motivo pelo qual as cirurgias ortopédicas proporcionam alívio da dor para alguns pacientes e não para outros. Também no futuro, os funcionários de lojas de sapatos poderão escanear os pés dos clientes e dar recomendações personalizadas com base na estrutura total analisada.

    “Essa pesquisa nos dá outra dimensão da estrutura complexa do pé”, explica Lichtwark. Isso destaca que o pé é tridimensional e que precisamos começar a pensar nisso dessa maneira.”

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