Ferramentas primitivas revelam a adaptação da humanidade às florestas equatoriais
Os objetos foram encontrados em uma caverna no Sri Lanka e incluem a mais antiga tecnologia de arco e flecha conhecida fora da África, datada de 48 mil anos atrás.
O objeto de coloração ocre-vermelho junto com contas ornamentais feitas de conchas foi descoberto no sítio arqueológico de Fa-Hien Lena, localizado nas florestas equatoriais do Sri Lanka. As ferramentas mais antigas do local, como pontas de flechas ósseas, têm 48 mil anos.
EM UM SÍTIO ARQUEOLÓGICO coberto de vegetação em uma caverna no sudoeste do Sri Lanka, arqueólogos encontraram uma coleção impressionante de objetos antigos, como ferramentas que podem estar entre os mais antigos utensílios de sobrevivência empregados por humanos em florestas equatoriais.
Os artefatos possuem entre 48 mil e quatro mil anos e incluem 130 pontas de flechas de ossos (as mais antigas encontradas fora da África), além de 29 ferramentas de ossos para a confecção de bolsas ou vestimentas e algumas contas ornamentais. Os arqueólogos descobriram as relíquias ao escavar a caverna e acreditam que sejam de quatro diferentes épocas de habitação humana no local. As primeiras pontas de flechas e ferramentas semelhantes a furadores surgiram no período mais antigo. Trinta artefatos do local também foram datados utilizando tecnologia de radiocarbono, que permitiu aos pesquisadores criar uma linha do tempo e observar como as ferramentas se tornaram mais sofisticadas ao longo dos séculos.
“A maioria dessas ferramentas foi feita de ossos de macaco e muitas delas parecem ter sido moldadas esmeradamente em forma de pontas de flechas”, afirma Michelle Langley, arqueóloga da Universidade de Griffith, na Austrália, pesquisadora principal do novo estudo publicado no periódico Science Advances. “Os artefatos são pequenos e leves demais para servir de pontas de lança, que precisam de algum peso para ganhar força, e muito pesados e pouco afiados para atuar como dardos.”
Ferramentas feitas de ossos e dentes eram utilizadas para caçar pequenos macacos e esquilos, trabalhar com peles ou materiais vegetais e talvez confeccionar redes em Fa-Hien Lena, Sri Lanka. Na foto, são mostradas uma possível lançadeira de tecer redes, uma faca/furador de dentes de macaco e uma ponta lítica de um projétil.
Evidências indicam que as pontas das flechas ficavam presas a hastes e que as pequenas fraturas podem ter se originado após atingir algo. Os arcos das flechas “teriam sido feitos de materiais vegetais perecíveis”, afirma Langley, e não resistiram aos milênios. Mas a coleção de ferramentas ósseas preservadas revela alguns dos passos precursores dos humanos na floresta equatorial.
Adaptação a um novo lar
Embora se acredite que a principal onda de humanos tenha emigrado da África há cerca de 60 mil anos, tudo indica que grupos menores começaram a sair entre 200 mil e 100 mil anos atrás e se expandiram por áreas extensas do planeta. Há 85 mil anos, os humanos modernos já haviam chegado à Península Arábica. Aproximadamente 15 mil anos depois, estavam presentes no sudeste da Ásia e, há 65 mil anos, haviam chegado à Austrália.
Ao longo do caminho, o Homo sapiens encontrou e se adaptou a muitos ambientes desafiadores, como o frio congelante do Ártico Siberiano e as elevadas altitudes do planalto tibetano. Quando os humanos migraram para o sul da Ásia, encontraram um novo habitat ainda mais intimidante: a floresta tropical, onde a vegetação densa, as presas ardilosas, os insetos persistentes e os predadores bastante camuflados se tornaram um desafio à sobrevivência dos humanos.
Acredita-se que os humanos modernos tenham avançado pelo litoral sul da Ásia até o Sri Lanka há cerca de 48 mil anos e, assim, não adentraram imediatamente nas densas florestas. “Os primeiros a chegar à ilha provavelmente moravam ao longo da costa”, afirma Oshan Wedage, arqueólogo da Universidade de Sri Jayewardenepura, no Sri Lanka, que liderou diversas escavações no interior e ao redor da caverna Fa-Hien Lena. “Contudo, com o crescimento da população, alguns de seus descendentes podem ter se mudado para a floresta equatorial”.
O ambiente novo exigiu algumas inovações importantes. “Nas planícies, as pessoas caçavam grandes animais que viviam em grandes bandos fáceis de avistar e atingir”, afirma Langley. “No entanto, na floresta tropical, muitas presas são bastante ágeis e podem viver nas copas das árvores. Uma lança não é muito útil para caçar um macaco ou um esquilo em uma floresta; é preciso algo rápido e que possa alcançar as alturas. Arcos e flechas são ideais para esse ambiente.” Além disso, ossos de macaco eram um excelente material para novas pontas de flecha.
Algumas ferramentas ósseas parecem ter servido a outros propósitos. Segundo Langley, “um pedaço de osso achatado parece uma lançadeira de rede, o tipo de ferramenta que as pessoas utilizam para tecer fios ao confeccionar ou consertar uma rede”, que teria sido útil tanto em rios quanto no litoral. Outras ferramentas parecem ter sido usadas para trabalhar o couro e fibras vegetais, possivelmente em bolsas ou até vestimentas. “As pessoas na floresta não precisavam de muitas roupas para se aquecer, mas talvez fossem úteis para proteger a pele de ferimentos causados por insetos ou pela vegetação”, explica Wedage.
Ian Gilligan, arqueólogo da Universidade de Sydney, que estuda a história primitiva das roupas, afirma que não ficaria surpreso se os humanos estivessem confeccionando roupas no Sri Lanka nesse período. Evidências genéticas de piolhos, por exemplo, que precisariam de roupas para sobreviver em humanos, sugerem que o Homo sapiens na África pode ter vestido roupas em uma época tão remota quanto 170 mil anos atrás.
“À medida que o uso de roupas ficou mais consagrado, as roupas adquiriram funções sociais, o que, sem dúvida, se tornou um fator determinante para a continuidade de seu uso em muitas regiões”, afirma Gilligan.
Artefatos culturais como roupas e contas ornamentais podem ter contribuído para a formação de grupos sociais bastantes unidos, permitindo que os humanos fossem bem-sucedidos em quase todos os ambientes que encontraram. As novas ferramentas criadas pelas mentes ágeis poderiam ser divididas com outras pessoas, herdadas e aprimoradas ao longo das gerações.
Mantendo vínculos com parentes mais velhos
Embora as pessoas na floresta fossem pioneiras em um novo modo de vida, também parecem ter mantido contato com as populações das quais se separaram. Contas feitas de conchas de animais marinhos, algumas delas descobertas na caverna da floresta a cerca de 40 quilômetros da costa, sugerem que o grupo de Fa-Hien Lena pode ter feito permutas com outras pessoas que viviam ao longo da costa, afirma Wedage.
As contas eram arredondadas, polidas e perfuradas para poderem ser amarradas a um barbante. As mais antigas eram feitas de concha, mas, em períodos posteriores, algumas eram feitas de nódulos de coloração ocre-vermelho vivo.
“Não sei ao certo se as contas de cor ocre eram utilizadas como ornamento”, afirma Langley. “Talvez fosse apenas uma maneira de mantê-las unidas e transportá-las, já que poderiam ter sido utilizadas para decorar o corpo de outra forma, raspando-as a fim de soltar seu pó colorido para que as pessoas pudessem espalhá-lo sobre a pele”. Além de três diferentes contas de cor ocre, que têm no máximo 8,7 mil anos, os pesquisadores descobriram 136 outros fragmentos de mica amarela, vermelha e prateada, inclusive provenientes das camadas mais antigas da caverna, e que também podem ter sido usadas para decorar o corpo com a raspagem do pó.
“O vermelho vivo geralmente é a primeira cor escolhida para se pintar, normalmente combinada com o branco”, conta Langley. “Essas cores foram encontradas na caverna Blombos, localizada na África do Sul, na Austrália e em outros países.” Assim, ao que parece, embora grupos de Homo sapiens tenham se dispersado pelo mundo, adaptando constantemente seu conjunto de ferramentas às montanhas, ao Ártico ou à floresta equatorial, eles mantiveram certas preferências de cores em todos os lugares que estiveram.