Greta Thunberg reflete sobre viver em meio a múltiplas crises em uma ‘sociedade da pós-verdade’

Em entrevista exclusiva à National Geographic, a jovem ativista pondera sobre o sucesso do movimento em prol do clima e os desafios a serem enfrentados.

Por Oliver Whang
Publicado 30 de nov. de 2020, 16:30 BRT, Atualizado 4 de dez. de 2020, 14:25 BRT

Este retrato foi batizado de Greta.

Foto de Shane Balkowitsch, Nostalgic Glass Wet Plate Studio

Desde o seu primeiro protesto em frente ao parlamento sueco mais de dois anos atrás, a principal mensagem de Greta Thunberg é clara e inflexível: a crise climática é a maior ameaça à existência da humanidade e precisamos tratá-la como tal. Essa mensagem inspirou milhões de jovens ativistas a protestar por mudanças e levou a uma série de discursos virais que estabeleceram a fama global de Greta. Ela foi a personalidade do ano de 2019 da revista Time e foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz por dois anos consecutivos.

Agora, no entanto, em meio à pandemia de covid-19 — uma crise global totalmente diferente — e à ameaça iminente dos Estados Unidos de saírem do Acordo de Paris, a ativista de 17 anos está de volta à sua escola, na Suécia. A National Geographic conversou com Greta via Zoom sobre como o seu ativismo mudou ao longo do ano passado, e como a mensagem dela pode sobreviver em meio a um mundo cada vez mais complexo. (A entrevista sofreu pequenas edições por questões de espaço e clareza.)

[Assista Meu Nome é Greta, no National Geographic, sábado, 5 de dezembro, às 21h]

Oliver Whang: Muita coisa aconteceu nos últimos seis meses. O que mudou no seu trabalho depois que o coronavírus entrou em cena?

Greta Thunberg: Deixamos de fazer muitas coisas físicas, reuniões, greves e coisas do tipo, e estamos fazendo tudo de forma virtual.  Mas, como somos um movimento que não viaja de avião por causa do impacto ambiental, não foi preciso mudar muita coisa na nossa forma de trabalhar. E cada país, cada grupo local, é diferente, pois somos um movimento bastante descentralizado. Não temos um comando superior e cada grupo local decide sozinho o que vai fazer. Então, varia de cidade para cidade, de país para país.

Oliver Whang: Algum desses países ou cidades teve bastante êxito no processo de adaptação?

Greta Thunberg: Sim. Alguns estão fazendo greves digitais semanais, que estão tendo sucesso. E muitos fizeram ações simbólicas. Alguns colocaram cartazes ou sapatos em frente a parlamentos para simbolizar que deveríamos estar ali, mas estamos em casa. As pessoas utilizaram diversas maneiras criativas para se adaptar.

Oliver Whang: Você acredita que a crise das mudanças climáticas ficou um pouco esquecida em meio a toda essa situação?

Greta Thunberg: Bem, é um ponto contundente porque, sim, claro, assim como outras questões. Em uma emergência como essa, espera-se que algumas coisas fiquem em segundo plano, como aconteceu.

Greta Thunberg posa para a  fotografia entitulada Standing For Us All ('Representando todos nós', em tradução livre).

Foto de Shane Balkowitsch, Nostalgic Glass Wet Plate Studio

Oliver Whang: Uma coisa impressionante para mim em relação à resposta global à pandemia de coronavírus é que muitos países e empresas tomaram medidas drásticas. Pacotes de estímulo foram aprovados e empresas estão desenvolvendo vacinas em ritmo acelerado. Você vê esse tipo de resposta como fonte de inspiração a algum tipo de ação relacionada à crise climática?

Greta Thunberg: Olha, não deveríamos ficar comparando crises, mas isso mostra que podemos tratar uma crise como ela merece ser tratada. E isso provavelmente vai mudar a forma como enxergamos as crises e como reagimos a elas. E realmente mostra que a crise climática jamais foi tratada como uma crise. É vista somente como uma pauta pública e importante, como uma questão política. O que não é o caso, porque é uma crise existencial.

Oliver Whang: Mas a resposta ao coronavírus lhe deu mais esperança? Quero dizer, poderíamos ter uma resposta similar em relação à crise climática?

Greta Thunberg: Confirmou o que eu já sabia. Que se tratarmos a crise climática como uma crise, podemos fazer mudanças e conseguir coisas.

Oliver Whang: Aqui nos Estados Unidos, a eleição está chegando e nosso país se programa para sair do Acordo de Paris em 4 de novembro. Nosso presidente vem planejando isso há anos — ele diz que o acordo é injusto com o país. E há muitas pessoas, não a maioria, mas são muitas, que concordam com o presidente e aprovam a decisão de sair. O que você diria a essas pessoas?

Greta Thunberg: Nada. Só para consultarem a ciência, como eu sempre faço. Porque muita gente vem tentando influenciar essas pessoas há muito tempo e não consegue. Então, por que eu deveria tentar? Por que eu deveria fazer diferente? Se essas pessoas não escutam, não entendem, nem aceitam a ciência, então realmente não há nada que se possa fazer. É preciso algo muito mais profundo para mudá-las.

Oliver Whang: O que poderia ser essa coisa mais profunda?

Greta Thunberg: Nós vivemos em uma sociedade da pós-verdade hoje em dia, e não nos importamos em ter perdido a empatia. De certa forma, deixamos de nos importar com os outros. Deixamos de pensar no longo prazo e na sustentabilidade. E isso é algo bem mais profundo que o negacionismo da crise climática.

Oliver Whang: Então você acredita que para enfrentar a crise climática, pode ser preciso uma mudança de cultura ou de paradigma em vez de simplesmente aprovar impostos e leis sobre emissão de carbono, influenciar chefes de estado e desenvolver tecnologias?

Greta Thunberg: Olha, se eu disser isso, as pessoas vão citar essa frase fora de contexto e dizer que eu quero uma revolução ou algo assim. Mas quero dizer que a crise climática não é o único problema. É apenas um sintoma de uma crise maior. Como a perda de biodiversidade, a acidificação dos oceanos, a perda dos solos férteis e assim por diante. E essas coisas não serão resolvidas simplesmente com o fim das emissões dos gases de efeito estufa. A Terra é um sistema muito complexo. Quando removemos algo, o sistema fica em desequilíbrio, e isso impacta aspectos que vão além da nossa compreensão. E isso vale para a igualdade também. Os seres humanos fazem parte da natureza, e se não estamos bem, então a natureza não está bem, porque nós somos a natureza.

Oliver Whang: Você se preocupa em talvez estar perdendo pessoas que possivelmente aceitam que as mudanças climáticas são um problema sério, mas que priorizam o desemprego ou o acesso à alimentação e outras questões domésticas em vez da crise climática? Você acredita que está perdendo essas pessoas?

Greta Thunberg: Não, isso não me incomoda. Nós não fomos conscientizados em relação à crise climática — ela nunca foi tratada como uma crise, então como podemos esperar que as pessoas se importem? Como não conhecemos nem mesmo os fatos básicos, como podemos esperar que as pessoas queiram ações pelo clima? E isso é algo que precisa mudar. Precisamos entender que não estamos lutando por causas diferentes. Estamos lutando pela mesma causa, ainda que não pareça. É uma luta por justiça climática, justiça social. Qualquer que seja, é uma luta por justiça.

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    Uma pessoa: isso é tudo o que é preciso para uma grande mudança. Estreia 5 de dezembro, às 21h.

    Oliver Whang: Você acha que fizemos avanços significativos em relação à crise climática desde o início dos seus protestos mais de dois anos atrás?

    Greta Thunberg: Depende. Por um lado, sim. Parece que o debate mudou e cada vez mais pessoas estão começando a compreender, mesmo que lentamente, a crise climática e dar prioridade a ela. Mas por outro, ainda assim nunca foi tratada como uma crise. E as emissões continuam aumentando. Então depende de como você vê isso.

    Mas acho que não podemos esperar que esse movimento sozinho vá mudar o mundo. Se estivermos pensando assim é porque não entendemos a crise climática. As pessoas perguntam: ‘o seu movimento fracassou já que não atingiram as metas?’ Mas quais são as nossas metas? Não temos nenhuma meta. Nossa meta é fazer o máximo que pudermos para ser uma pequena parte de uma grande mudança. É sermos alguns entre inúmeros ativistas que trabalham com o mesmo objetivo, a partir de perspectivas diferentes. Essa é a nossa meta. Não podemos esperar que um movimento ou uma iniciativa, uma única solução mude tudo, ou nos coloque na direção certa. Porque a crise climática é muito complexa. Não é algo tão simples.

    Oliver Whang: Você acredita que alguma ação sua ou de outro ativista jovem tenha sido particularmente bem-sucedida? Ou alguma manifestação de algo que conquistou em termos políticos ou econômicos que acredita ter sido um exemplo do seu sucesso?

    Greta Thunberg: Sim, temos várias. Principalmente exemplos locais. Mas acredito que nossa maior conquista tenha sido dar ênfase à ciência. Nós apenas dizemos, ‘não queremos que vocês nos escutem, queremos que escutem a ciência’. Essa não é uma questão política, essa não é uma opinião nossa. Não queremos que as emissões sejam reduzidas, isso é o que a ciência mostra ser necessário se quisermos cumprir os nossos compromissos. Não queremos que as coisas sejam assim. Mas infelizmente, essa é a nossa situação. E vamos continuar pressionando as pessoas a darem ouvidos à ciência.

    Oliver Whang: Você chega a ter dúvidas em relação ao seu trabalho? Você chega a duvidar de si mesma ou do que está fazendo?

    Greta Thunberg: Não, porque eu sei que é a coisa certa a se fazer. Estamos em um momento em que precisamos sair da nossa zona de conforto. Eu sinto que tenho uma obrigação moral de fazer o que for possível, porque eu sou uma cidadã. E isso me torna parte de algo e é o meu dever, minha obrigação moral, minha responsabilidade moral, fazer tudo o que eu puder.

    Oliver Whang: E você jamais questionou isso?

    Greta Thunberg: Não. Quero dizer, eu não quero ser uma ativista. Acredito que nenhum ativista do clima faz isso porque quer. Fazemos isso porque ninguém mais está fazendo nada e porque precisamos fazer alguma coisa. Alguém precisa fazer alguma coisa, e nós somos esse alguém.

    Oliver Whang: Tenho a curiosidade de saber se você acha que suas obrigações morais ou suas responsabilidades mudaram desde que você se tornou uma personalidade reconhecida.

    Greta Thunberg: Sim. Claro que todos têm uma responsabilidade, mas quanto maior a exposição, maior a responsabilidade. E quanto maior o poder, maior a responsabilidade. Quanto maior a pegada de carbono, maior a obrigação moral. Então claro, como eu ganhei maior exposição, isso também gera maior responsabilidade. Preciso usar essas mídias, ou como queira chamá-las, para educar, para conscientizar.

    E essas coisas, todos os recursos que eu tenho, vão desaparecer um dia. Quero dizer, não serei essa pessoa por muito tempo. Logo as pessoas vão perder o interesse em mim e não serei mais assim tão ‘famosa’. E daí vou ter que fazer outra coisa. Então estou tentando aproveitar essa exposição enquanto ainda a tenho.

    Oliver Whang: Como você se vê daqui para frente? Deseja frequentar a universidade? Tem planos?

    Greta Thunberg: Eu não sei. Eu só faço o que quero fazer no momento. E agora, acabei de começar o ensino médio, no qual estudarei pelos próximos três anos. A menos que eu queira fazer outra coisa, vamos ver. O mundo muda a cada dia. Então você só tem que se adaptar, eu acho.

    Oliver Whang: Como você planeja manter esse movimento? Há coisas específicas que precisamos fazer que são diferentes das que precisávamos fazer dois anos, um ano ou oito meses atrás?

    Greta Thunberg: É bastante complexo. Mas agora, é como se tivéssemos nos deparado com um muro. Não há mais argumentos. Não há mais desculpas. Agora, ou tentam minimizar a crise ou negá-la completamente, ou tentam desviar do assunto. Apenas precisamos começar a tratar a crise como uma crise e continuar a mostrar a ciência, mas agora todos estão culpando uns aos outros e estamos presos nesse círculo vicioso. Não vamos chegar a lugar nenhum a não ser que alguém quebre esse círculo. Alguém precisa fazer alguma coisa. E claro, muitas pessoas precisam fazer várias coisas, mas a não ser que alguém com grande exposição ou responsabilidade faça algo para começar a tratar a crise como uma crise — por exemplo, os meios de comunicação — não vamos conseguir sair do lugar.

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