Uma categoria de trabalhadores está se beneficiando com a pandemia: os robôs

Agora que os trabalhos que envolvem contato humano são considerados perigosos, a demanda por alternativas mecânicas disparou.

Por David Berreby
Publicado 5 de nov. de 2020, 07:30 BRT

Spot, um robô que parece um cachorro, da Boston Dynamics, permite que os profissionais da saúde do Brigham and Women’s Hospital, em Boston, interajam com os pacientes — e que afiram temperatura, batimentos e nível de oxigênio — a uma distância segura.

Screen capture from Video by Farah Dadabhoy, Brigham and Women's Hospital

SPOT, um robô de quatro patas, que tem o tamanho de um cão da raça golden retriever, começou a ser vendido no ano passado para fins industriais — para inspecionar construções, monitorar usinas e realizar outras tarefas em lugares onde robôs com rodas não conseguem acessar.

E com a pandemia da covid-19, Spot teve que aprender novos truques.

Nos últimos seis meses, Spot já entregou comida a pacientes em quarentena em Singapura e dançou em um jogo de beisebol para substituir a arquibancada humana. No último mês de maio, em Singapura, após um fiscal da lei de distanciamento social ser esfaqueado por um homem sem máscara, um robô Spot foi testado para assumir o papel de “embaixador do distanciamento seguro” no Parque Bishan-Ang Mo Kio. No local, um trabalhador humano utilizou o robô para observar as pessoas a uma distância segura e reproduzir lembretes pré-gravados com mensagens como “vamos manter Singapura saudável”.

Enquanto isso, no Brigham and Women’s Hospital, em Boston, um Spot equipado com um iPad recebia as pessoas, permitindo que a equipe fizesse a triagem de possíveis pacientes de forma remota. Outros Spots equipados com sensores permitiram que médicos e enfermeiros aferissem temperaturas, medissem a respiração e até monitorassem os níveis de oxigênio no sangue desses pacientes sem precisar estar no mesmo ambiente que eles.

Todos esses experimentos foram uma transformação natural para a implementação de uma máquina desenvolvida “para retirar as pessoas de trabalhos perigosos”, explica Michael Perry, vice-presidente de desenvolvimento de negócios da Boston Dynamics, empresa criadora do Spot. Na pandemia, “trabalhos perigosos” passam a englobar qualquer atividade que aglomere pessoas.

Com proteção facial para demonstrar o espírito de equipe durante a covid-19, um robô de um metro e meio de altura, chamado Alexia, leva a bebida para um cliente em um bar em Pamplona, na Espanha. O garçom utiliza a tela do robô para selecionar a mesa, e o robô é guiado por tiras magnéticas no solo.

Foto de Alvaro Barrientos, AP Photo

A demanda por robôs que podem realizar tarefas humanas disparou no mundo inteiro. No início de julho, robôs de diferentes tipos estavam diretamente envolvidos no combate à pandemia em pelo menos 33 países, de acordo com a Robotics for Infectious Diseases (Robótica para Doenças Infecciosas), uma organização de pesquisadores. A covid-19 está levando os robôs a aspectos da vida diária em que raramente ou nunca antes atuaram.

Um dia, a pandemia vai passar. Mas os robôs provavelmente permanecerão conosco.

“Quando vejo a diversidade de uso de robôs em tantas situações, acredito que este seja o nosso momento revolucionário”, diz Robin R. Murphy, da Texas A&M, acadêmico renomado da área de “robótica de desastres” e presidente da Robotics for Infectious Diseases. “Pessoas que diziam que era estupidez utilizar um robô para entregar comida, agora fazem suas compras por meio deles. Pequenos negócios também os utilizam. É a primeira vez que vemos isso acontecer.  Os robôs estão cada vez mais presentes na sociedade”.

Peças-chave na resposta a emergências

Nas primeiras semanas da pandemia, hospitais e clínicas procuraram robôs para responder à catástrofe imediata, relembra Murphy — assim como as pessoas vêm utilizando robôs após terremotos, colapso de minas e ataques terroristas nos últimos 20 anos. Na última primavera, hospitais na Europa, Ásia e América do Norte compraram robôs para uso na “telemedicina” (que utiliza robôs para conectar pacientes e médicos) e “telepresença”, em que os pacientes utilizam robôs para ver e falar com seus entes queridos. Outros setores compraram robôs que entram sozinhos em ambientes e os desinfectam com produtos químicos ou luz ultravioleta. Autoridades de segurança pública enviaram robôs (para as ruas ou em viagens aéreas) para desinfetar os espaços públicos e procurar quem estiver violando as instruções de isolamento social.

Muitos roboticistas — acostumados com os temores públicos a respeito de segurança, privacidade, incertezas ou perda de empregos — ficaram surpresos ao ver desaparecer a resistência das pessoas às máquinas.

“Locais que talvez levassem seis meses para reabrir, estão reabrindo imediatamente, e as regulamentações foram flexibilizadas a um ritmo surpreendentemente rápido”, diz Anthony Nunez, cuja empresa INF Robotics, de Virgínia, fabrica um robô cuidador de idosos, chamado Rudy. As agências que oferecem cuidado domiciliar com as quais ele trabalha tiveram que reduzir o número de funcionários, explica Nunez, porque muitos idosos não querem mais ter contato próximo com cuidadores humanos durante a pandemia.

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    Uma jovem desinfeta as mãos com álcool em gel fornecido em um robô que caminha pelo Central World, um shopping center de luxo em Bangkok, Tailândia.

     

    Foto de Gemunu Amarasinghe, AP Photo

    Hospitais e outras instalações médicas agora “estão tentando operar com número reduzido de pessoas para minimizar sua exposição a doenças”, relata Andrea Thomaz, cofundadora e CEO da Diligent Robotics, fabricante da auxiliar de enfermagem robótica chamada Moxi. A covid-19 conscientizou a equipe médica mais do que nunca sobre “como é importante ter sua equipe essencial focada nas atividades necessárias, e não em trabalhos secundários que a afasta do atendimento aos pacientes e do trabalho clínico”, adiciona Thomaz.

    À medida que a pandemia aumenta a aceitação das pessoas a respeito dos robôs, Murphy acrescenta que ela também torna muitos roboticistas mais alertas às necessidades dos cidadãos. Uma equipe dedicada de engenheiros de robótica apresentou no último semestre o projeto de um robô que poderia entregar comida aos pacientes em um hospital italiano. Eles logo perceberam que, para pacientes isolados com covid-19, a hora das refeições “era o único momento em que interagiam com outras pessoas”, explica Murphy.

    Ainda antes da pandemia, o Hospital Medical City Heart, em Dallas, no Texas, já estava testando o Moxi, um robô assistente desenvolvido para aliviar um pouco da carga de enfermeiros como Ming McDowell com a entrega de amostras ao laboratório, por exemplo.

    Photography by Spencer Lowell

    Então, os roboticistas trocaram os problemas. Em vez de substituírem os humanos que entregavam as refeições, eles criaram um robô simples de telepresença que visitaria os pacientes e enviaria um link ao vivo para os entes queridos de cada um. O dispositivo era feito de peças prontas para uso, era barato, fácil de manter e não exigia que a equipe hospitalar já sobrecarregada gastasse tempo com ele. Os pacientes e parentes adoravam poder ver e ouvir uns aos outros.

    Quer queira, quer não

    Nem todo mundo está convencido de que uma nova era de robôs se inicia. Céticos sugerem que até mesmo robôs supostamente “autônomos” precisam de um supervisor humano para intervir quando a máquina é surpreendida pelo desafio de navegar por ruas, hospitais, depósitos ou residências. Por enquanto, a maior parte do trabalho criado pela covid-19 — no cuidado com pacientes, entregas, fiscalização de regras e outras áreas — ainda é realizada por pessoas.

    Uma outra preocupação é a de que os robôs podem acabar sendo bons demais no que fazem — permitindo vigilância em massa e violação de privacidade, ou tornando fácil demais causar danos ao meio ambiente com a justificativa de responder à pandemia. No início deste ano, robôs voadores foram utilizados na China para aplicar grandes quantidades de desinfetante em locais públicos, relata Murphy. “Não sabemos qual foi o impacto ambiental”, conta por e-mail. “Não há dados sobre quais desinfetantes estão sendo usados, nem a que concentração e se escoaram em esgotos e canais de abastecimento de água”.

    Recentemente, Murphy e seus colegas pesquisaram relatórios em redes sociais, jornais e periódicos acadêmicos sobre o uso de robôs relacionados à covid-19. Segundo a pesquisa, dos 262 relatórios analisados de março a julho, 45 focaram em questões éticas e 17 eram sobre ameaças de vigilância excessiva ou violações de privacidade.

    Então, como sempre acontece quando se fala em robôs, as pessoas temem perder seus empregos. No primeiro semestre, conforme a pandemia se intensificou, os empregadores que adotaram robôs se preocuparam em proteger seus funcionários, não em substituí-los. Mas isso pode estar mudando, lamenta Murphy.

    “Por volta de junho, começamos a perceber uma necessidade de maior automação, não para aumentar a capacidade de trabalho ou lidar com oscilações, mas para lidar com a perda de funcionários”, explica. Frigoríficos, depósitos de comércio on-line e outras instalações estão considerando os trabalhadores robôs como uma forma de manter os funcionários humanos distantes uns dos outros com segurança, acrescenta Murphy. “Talvez notemos um certo deslocamento de mão de obra ou perda de emprego como resultado. Não sabemos quais serão as consequências”.

    Ainda assim, as pessoas parecem cada vez mais dispostas a permitir que os robôs façam o trabalho antes realizado por humanos no mundo todo, e há mais fabricantes de robôs do que nunca oferecendo produtos como resposta a essa demanda. A pandemia da covid-19 inaugurou um experimento global sobre como, onde e por que inserir robôs em nossa rotina.

    “O cenário atual está propício para a robótica, embora não esteja bom para nós enquanto sociedade”, declarou Antonio Bicchi, professor de robótica da Universidade de Pisa, em um painel sobre robótica e covid-19 em maio, na edição anual (e, neste ano, virtual) da Conferência Internacional de Robótica e Automação. “Para a robótica, este é o momento de ajudar as pessoas. E estamos prontos para isso.”

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