Novos medicamentos identificados como possíveis ferramentas contra a covid-19

É possível que nunca exista um tratamento perfeito para curar a covid-19 — mas medicamentos adequados para os pacientes certos podem salvar vidas.

Por Michael Greshko
Publicado 26 de fev. de 2021, 11:30 BRT
Funcionário da saúde atende um paciente com Sars-CoV-2 na unidade de terapia intensiva (UTI) de um ...

Funcionário da saúde atende um paciente com Sars-CoV-2 na unidade de terapia intensiva (UTI) de um centro de isolamento e tratamento para pessoas com covid-19 em Machakos, no Quênia, terça-feira, 3 de novembro de 2020.

Foto de Brian Inganga, Ap

Após a luta contra o novo coronavírus que dura mais de um ano, as clínicas ainda enfrentam a mesma realidade de meses atrás: não existem soluções rápidas e fáceis para tratar a covid-19.

“Não estou surpreso que não tenhamos uma fórmula mágica”, afirma Adarsh Bhimraj da Cleveland Clinic, um dos principais autores das diretrizes de tratamento da covid-19 da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA). “Nenhuma das infecções respiratórias virais que conhecemos há décadas e até mesmo séculos possuem um tratamento eficaz.”

Os avanços no tratamento de covid-19 ocorrem gradativamente, com uma combinação de medicamentos originalmente desenvolvidos para combater outros vírus e terapias comprovadamente seguras e eficazes para tratar sintomas em estágio avançado da doença, como esteroides utilizados para combater a dilatação.

Mas nos últimos meses, os ensaios clínicos prospectaram diversos medicamentos adicionais que poderiam fazer parte das ferramentas para tratar a covid-19. Por si só, cada um deles confere poucos benefícios. Seu verdadeiro poder é composto por uma combinação de diversos tratamentos — uma abordagem aditiva que, após anos de pesquisa, foi recompensada em outras doenças.

“Pense nos tratamentos oferecidos às pessoas que sofrem de ataques cardíacos: temos stent, aspirina, agentes anticoagulantes, tratamentos para a pressão arterial, estatinas — cada um dos quais consegue apenas reduzir a próxima possibilidade de risco de morte ”, explica o cardiologista de Oxford Martin Landray, um dos principais pesquisadores do estudo Recovery do Reino Unido, o maior estudo de medicamentos para tratamento de covid-19 do mundo.

Ampliando as ferramentas disponíveis para combater a covid-19

Por enquanto, apenas dois medicamentos têm eficácia amplamente aceita contra a covid-19. O primeiro é o medicamento antiviral remdesivir, de alto custo, que diminui o tempo de internação hospitalar ao interromper a capacidade de replicação do novo coronavírus, mas não parece reduzir o risco de morte por covid-19. O outro, o esteroide dexametasona, de baixo custo, é o único medicamento comprovado em ensaios clínicos que reduz o risco de morte entre pacientes com covid-19 severa. “Há muitas pessoas que acreditam que os esteroides são úteis”, alega Bhimraj.

Mas os pesquisadores podem estar perto de encontrar tratamentos adicionais que sejam seguros e eficazes. Das dezenas de medicamentos que Bhimraj e seus colegas do painel de diretrizes da IDSA estão examinando, há alguns possíveis tratamentos candidatos. Um deles é o medicamento imunomodulador tocilizumabe, um anticorpo utilizado atualmente para tratar artrite reumatoide.

Assim como a dexametasona, o tocilizumabe atua na resposta imune fazendo-a a agir de forma agressiva, que, em casos graves de covid-19, pode causar uma inflamação prejudicial. No entanto, ambos funcionam de maneiras diferentes. A dexametasona reduz o inchaço e diminui a resposta inflamatória do organismo. O tocilizumabe suprime um receptor celular que pode desempenhar um papel nas “tempestades de citocinas” descontroladas, que podem causar uma inflamação prejudicial em casos de covid-19.

Ensaios clínicos anteriores analisaram o tocilizumabe, mas não encontraram nenhum benefício que valesse a pena ressaltar. Contudo, nas últimas semanas, dois grandes ensaios randomizados constataram que o medicamento reduziu o risco de morte entre pacientes internados com covid-19.

Em janeiro, o ensaio clínico realizado em conjunto por 19 países, denominado Remap-Cap, anunciou os resultados de um teste com 803 pessoas que receberam tocilizumabe ou seu fármaco similar, o sarilumabe. Os resultados mostraram que os pacientes com covid-19 grave que receberam os medicamentos tinham menos probabilidade de precisar de respiração mecânica e apresentaram maiores taxas de sobrevivência do que os pacientes que não receberam o medicamento e também apresentavam a versão severa da doença.

No ensaio Recovery, que coleta dados em 180 locais em todo o Reino Unido, os pesquisadores identificaram um grupo de 4.116 pacientes internados com covid-19 que receberam aleatoriamente 50% de tocilizumabe e 50% de um placebo. Para os pacientes do grupo que recebeu tocilizumabe, o risco relativo (RR) de morte por covid-19 foi reduzido em cerca de 14%, e as chances de alta hospitalar aumentaram em aproximadamente 20% quando comparadas com pacientes que não receberam o medicamento.

Bhimraj acrescenta que embora os resultados sejam promissores, precisam ser examinados em detalhes. “Ainda são pré-impressões, não foram revisados por pares. Por isso eu os interpreto com ressalvas”, diz ele.

Ao contrário dos ensaios anteriores, que podem ter incluído dezenas ou centenas de pessoas, o Recovery recrutou mais de 37 mil pacientes nos diversos tratamentos que vem testando. A dimensão do ensaio confere aos seus estudos — que incluíram a primeira evidência clara da eficácia da dexametasona — peso estatístico suficiente para determinar se um determinado medicamento ajuda ou prejudica os pacientes com covid-19. “Se formos analisar todos os ensaios anteriores [de tocilizumabe] juntos, eles serão substancialmente menores”, reitera Landray.

Por ora, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) e a IDSA não recomendaram o tocilizumabe como tratamento para covid-19 fora de ensaios clínicos.

Outro medicamento que recentemente se mostrou promissor é o baricitinibe, normalmente utilizado para tratar artrite reumatoide. Os NIH recomendam a administração de baricitinibe com remdesivir nos casos de pacientes com covid-19 grave que não podem receber esteroides, como dexametasona, devido a alergias ou outras condições médicas pré-existentes. Em média, adicionar o medicamento diminui mais um dia do tempo de recuperação dos pacientes ao reduzir as respostas descontroladas do sistema imunológico, em comparação com o uso de remdesivir de forma isolada, de acordo com um ensaio publicado em dezembro no periódico New England Journal of Medicine.

As diretrizes de tratamento também estão mudando para o plasma convalescente, que é um plasma sanguíneo rico em anticorpos retirado de sobreviventes de covid-19 e administrado a pacientes. Em 4 de fevereiro, A Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (Food and Drug Administration, FDA) limitou a autorização do tratamento com plasma que contenha altos níveis de anticorpos, citando evidências de que o plasma com baixo teor de anticorpos tampouco ajudou. A orientação atualizada também limita os tratamentos com plasma convalescente para pacientes com covid-19 internados ainda no início do curso da doença.

Kary Mullis em seu apartamento em La Jolla, Califórnia, em 10 de março de 1995. Ele ...

Outros tratamentos estão por vir?

Os ensaios clínicos em andamento seguem avaliando a eficácia contra covid-19 de medicamentos novos e de fármacos já conhecidos. Ainda é cedo demais para afirmar se esses tratamentos serão bem-sucedidos.

Um tratamento promissor envolve anticoagulantes, como a heparina, que pode ajudar a diminuir o risco de coágulos sanguíneos relacionados à covid-19 e evitar que os pacientes piorem. Em um comunicado de 22 de janeiro, o Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue dos Estados Unidos anunciou que em cerca de mil pacientes moderadamente contaminados com covid-19 e internados durante três testes clínicos, os anticoagulantes reduziram o risco de que os pacientes precisassem ser colocados em ventiladores. No entanto, o instituto enfatizou que os anticoagulantes não parecem ajudar — e podem até prejudicar — pacientes com covid-19 em estágio grave, reiteirando os resultados divulgados em dezembro.

“Esse é um exemplo convincente de como é crucial estratificar pacientes com gravidades diferentes em ensaios clínicos — pois o que pode ajudar um subgrupo talvez não cause nenhum benefício em outro, podendo até mesmo ser prejudicial”, escreveu o diretor dos NIH, Francis Collins, em uma publicação de 2 de fevereiro no blog oficial dos institutos sobre os resultados de anticoagulantes.

Conforme os pesquisadores analisam as diferentes gravidades dos casos de covid-19, alguns deles se concentram em evitar que casos leves evoluam para uma internação. O estudo denominado Colcorona do Instituto do Coração de Montreal, por exemplo, está examinando o anti-inflamatório colchicina, que é amplamente empregado no tratamento da gota e algumas doenças cardíacas.

Em um comunicado à imprensa em conjunto com a pré-impressão de um estudo divulgado no fim de janeiro, os pesquisadores do Colcorona afirmaram que dentre 4.488 participantes com casos leves de covid-19 que permaneceram em casa, a colchicina ajudou a reduzir o risco combinado de internação ou óbito em cerca de 21% em comparação a pacientes que não receberam o medicamento.

Contudo, os médicos ainda preservam um ceticismo cauteloso com relação à colchicina, visto que a estatística-chave do estudo — o declínio de 21% — baseia-se em um pequeno grupo de pessoas. O ensaio teve uma baixa taxa geral de mortalidade e internação, o que significa que qualquer morte ou hospitalização poderia ter um efeito exagerado nos resultados. Dos 4.488 pacientes inscritos, apenas 235 foram internados ou vieram à óbito, incluindo 104 que estavam em uso de colchicina e 131 que não receberam o medicamento.

Tampouco se tem certeza sobre a droga reduzir ou não o risco de morte. Dos 4.159 pacientes do estudo com casos confirmados em laboratório de covid-19, na metade que recebeu colchicina, cinco não sobreviveram, ao passo que na metade que não tomou o medicamento, nove pessoas faleceram.

Em fevereiro, o instituto de pesquisa clínica Inesss do Quebec relatou que era uma decisão “prematura apoiar o uso de colchicina em pessoas com diagnóstico de covid-19 que não foram internadas”,  de acordo com a CBC.

Ainda, outros pesquisadores estão começando a estudar se a colchicina pode ajudar casos graves de covid-19 em pacientes internados. Landray esclarece que o estudo Recovery está ampliando e irá testar a colchicina, além de aspirina, baricitinibe e o coquetel de anticorpos utilizado no tratamento do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no fim de 2020.

Os especialistas enfatizam que apesar disso, no curto prazo, o maior benefício para a redução da taxa de mortalidade de pacientes com covid-19 não será fruto de esforços terapêuticos, mas sim da vacinação, cujas campanhas estão aumentando nos Estados Unidos e em todo o mundo. Todas as vacinas autorizadas atualmente são altamente eficazes na prevenção de casos de covid-19 com risco de vida.

“O vírus está se adaptando a nós, mas, felizmente, nós nos adaptamos a ele tecnologicamente por meio do nosso conhecimento — e conseguimos fazer isso com bastante rapidez”, conclui Bhimraj.

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