Quais fatores determinam a rapidez com que a mutação do novo coronavírus ocorre?

Embora não estejam tecnicamente vivos, os vírus sofrem mutações e evoluem de forma semelhante às células vivas, produzindo novas variantes o tempo todo.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 15 de fev. de 2021, 07:30 BRT
Esta imagem colorida de microscópio mostra uma célula morrendo (em azul), infectada pelo vírus SARS-CoV-2 (em ...

Esta imagem colorida de microscópio mostra uma célula morrendo (em azul), infectada pelo vírus SARS-CoV-2 (em verde). Toda vez que vírus se replicam em uma célula, podem sofrer mutações — e, às vezes, essas mutações se tornam características fixas na população viral.

Foto de Niaid

SEM MUTAÇÕES GENÉTICAS, nós não existiríamos. Não haveria nenhum ser vivo — nem mamíferos, insetos ou plantas, nem mesmo bactérias.

Esses pequenos erros, que podem acontecer aleatoriamente sempre que uma célula ou um vírus se replica, fornecem a matéria-prima que possibilita a evolução da vida. As mutações criam variantes em uma população, permitindo que a seleção natural aumente as características responsáveis por ajudar as criaturas a sobreviverem — alongando o pescoço já comprido das girafas para que alcancem folhas no alto, ou camuflando lagartas na cor de fezes para passarem despercebidas por aves.

Em meio a uma pandemia, no entanto, a palavra “mutação” ganha um tom mais preocupante. Vírus, embora não sejam considerados organismos vivos de um posto de vista técnico, também sofrem mutações e evoluem conforme contaminam células hospedeiras e se replicam. As adaptações resultantes no código genético do vírus podem ajudá-lo a transitar mais rapidamente entre a população humana ou a driblar as defesas de nosso sistema imunológico. Três dessas mutações do SARS-CoV-2 levaram especialistas a defenderem a necessidade de redobrar esforços para conter a disseminação do novo coronavírus.

Mas essas três versões do vírus são apenas algumas entre as milhares de variantes do SARS-CoV-2 que surgiram desde o início da pandemia de covid-19. “Agora, variantes estão sendo produzidas de forma rápida e intensa porque já há milhares de pessoas infectadas pelo SARS CoV-2”, explicou Siobain Duffy, bióloga viral evolucionária na Faculdade Rutgers de Ciências Ambientais e Biológicas.

Muitas dessas variantes já desapareceram. Então, por que algumas versões desaparecem e por que o vírus sofre mutações? Quais mecanismos são responsáveis pela evolução do vírus?

“O vírus sofre mutações porque isso faz parte de sua biologia subjacente”, esclarece Simon Anthony, virologista que trabalha com doenças infecciosas na Universidade da Califórnia, em Davis. “A questão então é: essas mudanças são significativas para nós?”

Replicando códigos genéticos

Um vírus bem-sucedido é aquele que cria mais versões de si mesmo. Mas eles não conseguem fazer muito por conta própria. Em suma, os vírus são sequências de material genético presentes em uma cápsula de proteína que, às vezes, é revestida por uma camada exterior. Para se replicar, precisam encontrar um hospedeiro. O vírus se liga às células de seu alvo, injetando material genético que se apropria do funcionamento celular do hospedeiro para fazer uma nova geração de progênie viral.

Mas toda vez que uma nova cópia é feita, é possível que ocorram erros ou mutações. As mutações são como erros de digitação na sequência de “letras” que compõem uma cadeia de código de DNA ou RNA.

A maioria das mutações é prejudicial aos vírus ou células, limitando a propagação de um erro na população. Por exemplo, as mutações podem ajustar os componentes básicos das proteínas codificadas no DNA ou RNA, o que altera o formato final de uma proteína e a impede de finalizar seu objetivo, explica Duffy.

“Ela não produz as pequenas alfa-hélices em espiral que deveria produzir”, comenta ela sobre uma estrutura comum encontrada nas proteínas. “Não fabrica a estrutura de lâmina dobrada que deveria.”

Diversas outras mutações são neutras e não afetam a eficácia de reprodução de um vírus ou célula. Essas mutações às vezes se propagam aleatoriamente, quando um vírus que contém a mutação se espalha em uma população que ainda não foi exposta a nenhuma variante do vírus. “É a única em circulação”, explica Anthony.

No entanto algumas mutações selecionadas se mostram úteis para um vírus ou uma célula. Algumas modificações, por exemplo, conseguem fortalecer o vírus para que passe de um hospedeiro a outro, ajudando-o a superar outras variantes existentes na região. Foi o que aconteceu com a variante B.1.1.7 do SARS-CoV-2, identificada inicialmente no Reino Unido, mas que já se espalhou para diversos países desde então. Os cientistas estimam que a variante seja aproximadamente 50% mais transmissível do que as formas anteriores do vírus, o que lhe confere uma vantagem evolutiva.

O ritmo da evolução

As mutações podem até acontecer de forma aleatória, mas o ritmo em que ocorrem depende de cada vírus. As enzimas que copiam os vírus de DNA, chamadas DNA polimerases, conseguem revisar e corrigir erros nas sequências genéticas resultantes, sendo assim, deixam poucas mutações em cada geração de cópias.

Mas os vírus de RNA, como o SARS-CoV-2, são as apostas evolutivas do mundo microscópico. A RNA polimerase que copia os genes dos vírus normalmente não é capaz de revisar seu material genético, o que torna os vírus de RNA suscetíveis a altas taxas de mutação — que podem ser milhões de vezes mais altas do que células que contêm o DNA de seus hospedeiros.

Os coronavírus têm uma taxa de mutação ligeiramente mais baixa do que muitos outros vírus de RNA, porque são capazes de realizar revisões genéticas simples. “Mas não é o suficiente para impedir que essas mutações sigam ocorrendo”, acrescenta o virologista Louis Mansky, diretor do Instituto de Virologia Molecular da Universidade de Minnesota. Dessa forma, à medida que o novo coronavírus se espalhava de maneira descontrolada pelo mundo, era inevitável que uma série de variantes surgisse.

A verdadeira taxa de mutação de um vírus é difícil de ser mensurada. “A maioria dessas mutações será letal para o vírus, e nunca serão observadas na população de vírus que cresce e evolui ativamente”, segundo Mansky.

Em vez disso, pesquisas genéticas de pessoas infectadas com o vírus podem ajudar a determinar o que se chama de taxa de fixação, uma medida de quantas vezes as mutações acumuladas se tornam “fixas” em uma população viral. Diferentemente da taxa de mutação, essa outra taxa é medida ao longo de um período. Portanto, quanto mais um vírus se espalha, mais oportunidades ele tem de se replicar, maior será sua taxa de fixação e mais o vírus evoluirá, complementa Duffy.

Para o SARS-CoV-2, os cientistas estimam que uma mutação se estabelece na população a cada 11 dias aproximadamente. Mas esse processo nem sempre acontece em um ritmo constante.

Em dezembro de 2020, a variante B.1.1.7 chamou a atenção dos cientistas quando suas 23 mutações pareceram surgir de repente enquanto o vírus se espalhava por Kent, na Inglaterra. Alguns cientistas especulam que um paciente com doenças crônicas possa ter fornecido mais oportunidades para replicação e mutação, e o uso de terapias como plasma convalescente pode ter pressionado o SARS-CoV-2 a evoluir. Nem todas as alterações foram necessariamente úteis para o vírus, observa Duffy, mas algumas mutações que surgiram permitiram que a variante se propagasse rapidamente.

O vasto mundo dos vírus

As mutações incentivam a evolução, mas não são a única maneira pela qual um vírus pode mudar com o passar do tempo. Alguns vírus, como os da influenza, têm outras maneiras de aumentar sua diversidade.

A influenza é composta por oito segmentos genéticos, que podem ser reorganizados — um processo chamado rearranjo — se vários vírus infectarem uma única célula para se replicarem ao mesmo tempo. À medida que a progênie viral se introduz em suas cápsulas proteicas, os segmentos de RNA dos vírus precursores podem ser misturados e combinados como se fossem peças de Lego virais. Esse processo pode causar mudanças rápidas na função viral. Rearranjos de cepas da gripe em circulação entre porcos, aves e humanos levaram à pandemia de H1N1 em 2009, por exemplo.

Ao contrário da influenza, no entanto, os coronavírus não possuem segmentação física para passarem por rearranjos. Eles podem apresentar algumas mudanças na sua função por meio de um processo conhecido como recombinação, em que segmentos de um genoma viral são unidos a outro pela enzima que realiza a cópia viral. Mas pesquisadores ainda estão trabalhando para definir qual a importância desse processo na evolução do SARS-CoV-2.

Compreender essa dinâmica evolutiva do novo coronavírus é vital para garantir que os tratamentos e vacinas acompanhem o ritmo do vírus. Até o momento, as vacinas disponíveis são eficazes na prevenção de versões graves da covid-19, para todas as variantes virais.

E o estudo da evolução do SARS-CoV-2 pode ajudar a responder à outra pergunta em aberto: qual é sua origem? Embora a doença provavelmente tenha se originado em morcegos, ainda faltam capítulos na história do salto do SARS-CoV-2 para nós, seus hospedeiros humanos. Preencher essas lacunas pode nos ajudar a aprender como poderemos nos proteger no futuro.

“Como sociedade, em um nível global, não queremos que isso volte a acontecer”, alerta Mansky.

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