‘Fadiga do Zoom’ pode perdurar por anos. Veja como lidar

Nova pesquisa revela como os empregadores e as empresas de tecnologia podem manter os aspectos positivos do trabalho remoto enquanto reduzem o desgaste psicológico, especialmente para as mulheres.

Por Theresa Machemer
Publicado 26 de abr. de 2021, 10:53 BRT
Zoom fatigue

Muitas videoconferências podem ocasionar o que agora é chamado de “fadiga do Zoom”.

Foto de Stefan Wermuth, Bloomberg via Getty Images

As ferramentas de videoconferência se tornaram as plataformas padrão para interação humana durante o distanciamento social, em especial para pessoas que trabalhavam em escritórios. Agora, algumas empresas assumem o compromisso de oferecer a opção de trabalho remoto mesmo quando a pandemia acabar. Porém, depois de mais de um ano vivendo e trabalhando on-line, a sociedade enfrenta um esgotamento específico, apelidado de “fadiga do Zoom”, que surge após um longo dia de videoconferências.

Uma nova pesquisa publicada recentemente apresenta algumas das primeiras conclusões baseadas em dados sobre a fadiga do Zoom e fornece uma ampla perspectiva das causas. A pesquisa também revela que o fardo da fadiga do Zoom não é distribuído igualmente. Em um levantamento realizado com mais de 10 mil pessoas e descrito on-line recentemente no repositório de pesquisas conhecido como SSRN, as mulheres relataram, em média, sentir cerca de 13,8% mais fadiga do Zoom do que os homens.

Géraldine Fauville, autora principal do estudo e especialista em realidade virtual e comunicação da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, afirma que uma das funções da ciência é ajudar a identificar esses tipos de desigualdades, “e então, com base na ciência, a sociedade e as empresas podem usar esse conhecimento para lidar com essas questões”.

Por exemplo, o trabalho de Fauville e sua equipe indica que longos dias repletos de ligações e com poucos intervalos podem causar fadiga do Zoom. A autovisualização, os diversos rostos na tela, a expectativa de ficar à vista na câmera e a ausência de sinais não verbais também sobrecarregam o cérebro. Agora, sabendo o que causa o problema, existem medidas que gestores e desenvolvedores tecnológicos podem adotar para aliviar esse fardo.

Um ano de adaptação 

Não há dúvida de que o trabalho remoto tem suas vantagens: sem deslocamento, flexibilidade para lidar com as tarefas domésticas e fácil acesso a conferências para todos os funcionários, incluindo os portadores de deficiência. O teletrabalho também possibilitou trabalhos essenciais relacionados à pandemia. Em São Francisco, na Califórnia, Andrea Nickerson treina investigadores de casos de covid-19 — as pessoas que realizam rastreamento de contato — por meio de aulas semanais pela plataforma Zoom.

Em um dia agitado, ela pode passar cinco ou seis horas participando de videoconferências; é raro um dia em que ela não tenha nenhuma reunião. “No fim do dia, o que eu mais quero é fechar meu notebook e colocá-lo em um lugar onde eu nem precise olhar para ele”, conta Nickerson.

Quando pessoas começaram a ter conversas generalizadas sobre a fadiga do Zoom, cientistas especialistas em interações humanas com a tecnologia começaram a estudar o fenômeno seriamente.

Primeiro, eles criaram uma ferramenta para medir a fadiga, que denominaram de Escala de Exaustão e Fadiga do Zoom, ou ZEF, na sigla em inglês. Em seguida, eles criaram uma pesquisa pública e reuniram mais de 10 mil respostas que mediam a fadiga das pessoas pela escala ZEF, juntamente com estatísticas sobre quanto tempo cada pessoa utiliza plataformas de videoconferência e informações demográficas.

Os dados confirmaram o que muitos já suspeitavam: passar mais tempo em videoconferências, com menor intervalo entre cada chamada, aumenta a fadiga do Zoom. Os resultados também identificaram quatro fatores que os trabalhadores remotos precisam enfrentar em videoconferências.

Em primeiro lugar, a ausência de sinais não verbais é estressante porque as pessoas não conseguem transmitir ou interpretar naturalmente os gestos e a linguagem corporal quando apenas os ombros e as cabeças dos participantes estão visíveis. As pessoas podem compensar exagerando seus próprios gestos, como levantar de forma excessiva os polegares, ao mesmo tempo que se esforçam para entender o humor de seus colegas de trabalho.

Durante as videochamadas, as pessoas relatam se sentirem presas em um ponto para que possam ficar à vista da câmera, aumentando os níveis de estresse.

Muitas ferramentas de videoconferência costumam mostrar aos usuários sua própria janela de vídeo, e os pesquisadores descobriram que esse reflexo constante em tempo real pode causar um efeito conhecido como ansiedade do espelho. Essa condição é uma autoconsciência estressante que provoca distrações e que tem sido associada ao aumento da ansiedade e da depressão.

Por fim, o artigo descreve o “hypergaze”, uma forte sensação de que as outras pessoas na chamada estão encarando você, porque a tela da videoconferência mostra todos olhando para suas câmeras, independentemente para onde estejam olhando. A sensação é ainda pior em reuniões entre apenas duas pessoas, quando o rosto do outro participante aparece tão grande na tela que é como se ele estivesse a menos de meio metro de distância.

“Esse tipo de proximidade física simulada pela videoconferência é percebido pelo cérebro como uma situação que levaria a uma aproximação íntima ou ao conflito”, explica Fauville. “O que é muito intenso para o cérebro.”

Diferenças e discrepâncias 

De acordo com a pesquisa, as mulheres passam mais tempo por dia em reuniões, com intervalos mais curtos entre elas, do que os homens. Elas também relataram maiores níveis de ansiedade do espelho e se sentiram mais presas às câmeras — os dois indicadores mais fortes de fadiga do Zoom elevada.

“Pesquisadores anteriores mostraram que [a ansiedade do espelho] parece se aplicar mais às mulheres do que aos homens. Portanto, esse também é um dos motivos pelos quais decidimos analisar comparando os gêneros”, explica Fauville. Mas, quanto ao motivo pelo qual as mulheres se sentem mais presas às câmeras durante as ligações, ela observa: “não sabemos; e esse é o próximo passo, entender as raízes desses mecanismos”.

A pesquisa também indicou que pessoas de pele mais escura ou negras tendem a relatar maior fadiga do Zoom do que pessoas brancas, embora o efeito seja muito menor do que a diferença contabilizada por gênero.

O artigo ainda não foi revisado por pares, mas é “excelente do ponto de vista metodológico; baseado em uma teoria bastante sólida”, afirma Rabindra Ratan, especialista em interação humano-tecnológica da Universidade Estadual de Michigan, que não participou do estudo.

Ainda existem muitas questões sobre os impactos psicológicos do teletrabalho e da conexão com outras pessoas por videoconferências. Até o momento, há poucas pesquisas respaldadas por dados sobre como portadores de deficiência foram impactadas pela implantação generalizada do teletrabalho, por exemplo. Mas como a escala ZEF está disponível de forma gratuita para uso por outros cientistas e sua tradução para outros idiomas está em andamento, Fauville espera que os pesquisadores sejam capazes de aplicá-la em suas próprias pesquisas futuras.

Flexibilidade e conexão

Curiosamente, pelo menos parece haver benefícios no uso desse tipo de tecnologia para trabalhar em casa.

Ratan mudou-se para a Califórnia durante a pandemia porque podia realizar pesquisas e aulas virtualmente. Ele e Fauville também descobriram que, durante a pandemia, foi mais fácil colaborar com colegas internacionais porque as pessoas deixaram de se sentir constrangidas ao iniciar conversas à distância.

Para muitos, os benefícios do trabalho remoto vão além da conveniência recém-descoberta. A desestigmatização do trabalho remoto significou que Zahra Khan, engenheira de sistemas que mora no sul da Califórnia, poderia encontrar um trabalho remoto que lhe permitisse controlar os sintomas de sua deficiência, que afeta sua audição e níveis de energia. Khan participa de videochamadas por cerca de três ou quatro horas por dia pelo Google Hangouts, que oferece legenda automática. Ela também tem flexibilidade para tomar medicamentos ou descansar, se necessário.

“Tem sido muito melhor em termos de gerenciamento de meus níveis de energia e sintomas de saúde, e até mesmo de me manter hidratada”, comenta Khan. “Era algo que eu desejava no meu último emprego, mas não tinha essa possibilidade.”

A velocidade com que os empregadores descobriram como hospedar espaços de trabalho à distância no primeiro semestre do ano passado levou à criação da hashtagDisabledAndSaltyAF” no Twitter. Pessoas com deficiência usaram a hashtag para compartilhar histórias de vezes em que os empregadores os dispensaram, recusando-se a fornecer trabalho remoto como uma adaptação acessível. A mudança para o trabalho remoto durante a pandemia parece uma prova de que essas adaptações sempre foram possíveis.

Agora, existe a preocupação do que pode acontecer quando as restrições forem suspensas e pessoas sem deficiências se sentirem confortáveis para sair de casa novamente.

“Assim que as coisas começarem a ‘voltar ao normal’, essas adaptações podem deixar de existir”, lamenta Khan. “E isso é muito assustador.”

Soluções para o futuro 

Daqui para frente, os empregadores podem adotar uma abordagem híbrida quando for seguro retornar ao trabalho presencial. A cultura do escritório pode se tornar mais flexível, permitindo que algumas pessoas participem fisicamente das reuniões, enquanto outras participam por vídeo ou telefone. E as novas descobertas indicam soluções que tanto os funcionários quanto os gestores podem usar para prevenir a fadiga do Zoom.

Fauville comprou uma mesa ergonômica para reduzir a sensação de estar presa, permitindo uma movimentação mais natural durante as videochamadas. Para reduzir o cansaço visual, que é um efeito mensurável da fadiga do Zoom na escala ZEF, Nickerson utiliza um filtro laranja em sua tela.

Mas Fauville enfatiza que “a responsabilidade de lidar com a fadiga do Zoom não deve ser atribuída aos indivíduos, pois isso poderia apenas intensificar a desigualdade”.

Em vez disso, os pesquisadores esperam que empregadores usem os resultados da pesquisa para criar políticas padrão que protejam a todos da fadiga do Zoom. Eles podem exigir que um dia por semana não haja chamadas de vídeo, exigir intervalos de 10 minutos entre as reuniões ou considerar com cuidado qual plataforma usar. Às vezes, a videoconferência é a melhor ferramenta por oferecer legenda automática, compartilhamento de tela ou uma interação social, porém, muitas vezes, uma ligação, uma mensagem de texto ou um e-mail será suficiente.

As empresas de videoconferência também podem alterar suas ferramentas para reduzir a fadiga do Zoom.

“A solução mais fácil é tornar o modo de autovisualização menos proeminente”, adverte Jeremy Bailenson, um dos principais autores do estudo do SSRN e diretor fundador do Laboratório de Interação Humana Virtual da Universidade de Stanford. Ele sugere que, por padrão, a autovisualização deve desaparecer após alguns segundos para reduzir a ansiedade do espelho.

Bailenson acrescenta que as plataformas de videoconferência também podem abordar a sensação do usuário de estar sendo observado constantemente calculando a distância percebida entre ele e o outro participante da videochamada e, em seguida, limitar o tamanho máximo de exibição dos rostos na tela.

A fadiga do Zoom pode continuar afetando os trabalhadores remotos, principalmente mulheres e pessoas de pele mais escura ou negras, dependendo das escolhas que as empresas fazem para evitá-la, salienta Ratan. Mas ele acrescenta que as pessoas parecem aceitar o trabalho à distância mais do que nunca.

“Avançamos uns 10 anos, talvez, em termos de progresso no uso de algumas dessas tecnologias de trabalho remoto, educação à distância e saúde em geral. Então, acredito que a sociedade está pronta para esse avanço.”

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