A covid-19 pode causar diabetes? O que é preciso saber

Novos estudos indicam que o vírus causador da covid-19 pode afetar o pâncreas, destruir células que produzem insulina e provocar casos de diabetes.

Por Bill Sullivan
Publicado 16 de jun. de 2021, 06:00 BRT
insulin

A insulina é um hormônio que controla o nível de glicose no sangue.

Foto de Klaus Ohlenschlaeger, Alamy Stock Photo

Durante o primeiro semestre de 2020, médicos da cidade de Nova York, o epicentro norte-americano da pandemia naquele momento, observaram que um número considerável de pessoas internadas com covid-19 apresentava nível elevado de açúcar no sangue, uma condição denominada hiperglicemia, característica do diabetes.

“Eu e meus colegas tivemos muita dificuldade para controlar a glicemia de alguns pacientes com covid-19, mesmo daqueles sem histórico de diabetes”, conta a bióloga de células-tronco Shuibing Chen da Faculdade de Medicina Weill Cornell. De acordo com Chen, o mais surpreendente é que alguns pacientes que não tinham diabetes antes da covid-19 desenvolveram a doença após terem se recuperado da infecção pelo novo coronavírus.

O Sars-CoV-2, vírus causador da covid-19, é mais conhecido por provocar danos aos pulmões e síndrome respiratória aguda. Mas como e por que um paciente com covid-19 subitamente passa a apresentar uma doença crônica como o diabetes ainda é um mistério, assim como o número de pessoas que podem desenvolver essa complicação.

Uma análise global de 2020 conduzida pelo pesquisador de saúde populacional Thirunavukkarasu Sathish, na Universidade McMaster, no Canadá, revelou que cerca de 15% dos pacientes com covid-19 grave também desenvolveram diabetes. Mas ele admite que “esse número pode ser maior entre indivíduos de grupos de alto risco, como pré-diabéticos”. Um estudo realizado pelo endocrinologista Paolo Fiorina na Faculdade de Medicina de Harvard e publicado em 2021 relatou que, de 551 pacientes internados com covid-19 na Itália, quase metade desenvolveu hiperglicemia.

Peter Jackson, bioquímico na Faculdade de Medicina da Universidade de Standford, estima que “30% dos pacientes com covid-19 em estado grave podem desenvolver diabetes”.

Intrigados com a surpreendente relação entre a covid-19 e o diabetes, Chen e Jackson iniciaram estudos independentes para descobrir como o Sars-CoV-2 pode desencadear hiperglicemia. Ambas as equipes publicaram os resultados de seus estudos na edição de maio da revista científica Cell Metabolism.

“As descobertas das equipes fornecem informações fundamentais sobre os mecanismos subjacentes pelos quais o vírus da covid-19 pode induzir o desenvolvimento de diabetes nos pacientes infectados”, relata Rita Kalyani, professora associada de medicina na Divisão de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo da Universidade Johns Hopkins, que não participou de nenhum dos dois estudos.

O pâncreas também é um alvo do novo coronavírus

O Sars-CoV-2 afeta cada organismo de diferentes maneiras. Muitas pessoas apresentam apenas sintomas leves, mas outras desenvolvem a forma grave da doença, com risco à vida. No decorrer da pandemia, ficou evidente que o vírus podia se propagar para além dos pulmões e causar danos a outros órgãos vitais, incluindo o fígado, o coração e os rins. Também ficou claro que o diabetes e a obesidade eram fatores de risco comuns para desenvolver a forma grave da covid-19.

Em um estudo anterior, a equipe de Chen cultivou diversos tipos de tecidos em laboratório e os testaram para saber quais deles seriam vulneráveis ao novo coronavírus. “De forma surpreendente, constatamos que as células-beta do pâncreas são altamente permissíveis à infecção por Sars-CoV-2”, afirma Chen. O pâncreas é um órgão complexo localizado atrás do estômago, composto por diversos tipos de células que auxiliam na digestão. O órgão também contém células-beta que produzem insulina, o hormônio que transporta moléculas de açúcar do sangue para as células do corpo, onde viram fonte de energia.

Mas o simples fato de o vírus ter infectado as células em um estudo de laboratório não significa que no corpo humano ocorrerá da mesma maneira. Para garantir que as análises de laboratório refletiam exatamente o que acontecia com os humanos, as equipes de Chen e Jackson coletaram amostras de necrópsia de pacientes que faleceram de covid-19. Ambas as equipes detectaram a presença do Sars-CoV-2 em células-beta pancreáticas desses pacientes falecidos.

Mas como exatamente um vírus respiratório se desloca do pulmão para o pâncreas? Após os pacientes apresentarem pneumonia, a infecção do trato respiratório inferior pode causar danos ao tecido, o que permite que o vírus escape dos alvéolos pulmonares para os vasos sanguíneos, explica Jackson. “Uma vez na corrente sanguínea, o vírus pode entrar em outros tecidos altamente vascularizados, como o pâncreas, o cérebro e os rins.” Outros especialistas especularam que o vírus poderia entrar na corrente sanguínea através do intestino, o que pode ocorrer em pacientes com a microbiota intestinal comprometida.

Como o vírus interrompe a produção de insulina

Ambas as equipes de pesquisa observaram que as células-beta infectadas pelo Sars-CoV-2 pararam de produzir insulina. No estudo liderado por Jackson, as células-beta infectadas morreram de apoptose, uma sequência de autodestruição celular programada geneticamente e gerada por células comprometidas.

A equipe de Chen descobriu que as células-beta infectadas passaram por um processo denominado transdiferenciação, o que significa que se transformaram em outro tipo de célula, uma que não mais produz insulina. É possível que algumas células-beta infectadas passem por transdiferenciação enquanto outras se autodestruam.

Em ambos os casos, o resultado final é o mesmo: quando o vírus causador da covid-19 ataca as células-beta do pâncreas, diminui a produção de insulina.

Isso pode acarretar diabetes tipo 1, que normalmente é causada por fatores genéticos que estimulam uma reação autoimune que ataca e destrói as células-beta. O diabetes tipo 1 é mais comumente diagnosticado no início da vida e os pacientes com essa doença precisam de injeções de insulina todos os dias, já que seu organismo deixou de produzir o hormônio. O diabetes tipo 1 também envolve um fator ambiental, como uma infecção, para desencadear a reação autoimune.

Por outro lado, o diabetes tipo 2, muito mais comum, ocorre quando o corpo cria resistência à insulina produzida por ele. O diabetes tipo 2 pode ser controlado com mudanças na alimentação e exercícios físicos, embora às vezes seja necessário o uso de medicamentos que aumentam a sensibilidade à insulina. De acordo com um relatório de 2020 publicado pelos Centros de Controle de Doenças dos Estados Unidos, 34,2 milhões de norte-americanos sofrem de diabetes.

São necessários mais estudos sobre o que acontece com as células-beta infectadas, uma vez que pode existir uma maneira de prevenir sua destruição em pacientes com a forma grave da covid-19. A equipe de Chen estudou uma grande diversidade de substâncias químicas na esperança de encontrar uma que pudesse impedir o processo de transdiferenciação.

Possíveis terapias

A pesquisa identificou um composto denominado trans-Isrib, que auxiliou as células-beta a manter sua identidade e capacidade de produzir insulina quando infectadas pelo Sars-CoV-2. O trans-Isrib, que significa inibidor integrado de resposta ao estresse, na sigla em inglês, é um composto descoberto em 2013 capaz de induzir uma resposta normal das células ao estresse. Esses compostos estão sendo explorados como possível terapia para prevenir a apoptose e danos generalizados.

Chen adverte que o “trans-Isrib não é um medicamento aprovado pela Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês), portanto, ainda não pode ser utilizado em humanos. Mas nossos estudos corroboram a ideia de que um novo medicamento possa ser desenvolvido para prevenir o diabetes induzido pela covid-19”. A equipe de Jackson constatou que um receptor da proteína celular, denominado neuropilina-1, foi fundamental para o Sars-CoV-2 invadir as células-beta; o bloqueio desse receptor impede que as células sejam infectadas.

Também há um grande interesse entre a comunidade de pesquisa em geral de desenvolver medicamentos que bloqueiem o processo de autodestruição das células por apoptose. Compostos experimentais denominados inibidores de caspases, que impedem o suicídio das células, estão sendo estudados por outros cientistas como possíveis terapias para amenizar ou prevenir a forma grave da covid-19. Infelizmente, inibidores de caspases não tiveram total êxito clínico apesar do forte interesse e grande aposta por parte dos pesquisadores. Contudo “eles podem funcionar em casos de exposição viral em curto prazo para limitar os danos virais”, afirma Jackson.

Chen acrescenta que o Sars-CoV-2 não é o único vírus que afeta o pâncreas. “Há casos de infecção e danos às células-beta causados por vírus de Coxsackie B, rotavírus, vírus da caxumba e citomegalovírus. Existem controvérsias se esses vírus são uma causa direta de diabetes tipo 1.” Mais estudos são necessários para determinar se é possível neutralizar os ataques virais ao pâncreas, bloqueando a infecção ou impedindo que o vírus chegue ao órgão.

Kalyani destaca que esses estudos “ressaltam ainda mais a importância da vacinação contra a covid-19. Pessoas que contraíram covid-19, em especial aquelas que são pré-diabéticas ou com outros fatores de risco para diabetes, devem procurar profissionais de saúde caso apresentem sintomas de hiperglicemia, como micção frequente, sede excessiva, visão turva ou perda de peso inexplicada”.

Essas novas descobertas enfatizam que há muito mais para aprender sobre a covid-19 e suas sequelas. Está evidente que, para alguns indivíduos, combater o vírus é apenas o início. Outras complicações podem surgir dependendo de quais sistemas corporais apresentam danos após a infecção viral.

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