Não gostar de brócolis pode indicar maior resistência à covid-19?

Pesquisadores investigam se os chamados superdegustadores podem ter uma vantagem contra infecções graves.

Por Bill Sullivan
Publicado 4 de jun. de 2021, 06:00 BRT
Supertasters

Os pontos claros são papilas gustativas, que ficaram visíveis com o corante alimentício azul.

Foto de Brian Finke, Nat Geo Image Collection

A ideia parece um pouco difícil de engolir, mas novo estudo sugere que a maneira como as pessoas reagem aos sabores amargos se correlaciona com a gravidade que podem apresentar caso contraiam o novo coronavírus.

É uma descoberta empolgante porque, durante os últimos 16 meses, ficou evidente que as pessoas não respondem ao Sars-CoV-2 de maneira previsível. É impossível determinar se alguém apresentará sintomas leves ou desenvolverá uma doença respiratória com risco à vida. Imagine se um simples teste de paladar pudesse indicar o risco de uma pessoa desenvolver a forma grave da covid-19.

Henry Barham, rinologista do Centro Médico Geral Baton Rouge, no estado de Louisiana, publicou um estudo na revista médica JAMA Network Open em 25 de maio que analisou cerca de dois mil pacientes e descobriu que “superdegustadores” — indivíduos que são excessivamente sensíveis a certos compostos amargos — tinham menor probabilidade de contrair o novo coronavírus. Se essa associação for verdadeira, isso implica, por exemplo, que as pessoas que não consideram o sabor do brócolis muito amargo estão em um grupo de alto risco de desenvolver o estado grave da covid-19.

“Este é um estudo muito interessante porque sugere que os receptores em nossa língua que nos permitem sentir sabores amargos também estão relacionados à nossa vulnerabilidade a infecções respiratórias como a covid-19”, relata David Aronoff, diretor da divisão de doenças infecciosas do Centro Médico da Universidade Vanderbilt, em Nashville, estado do Tennessee, que não participou da pesquisa. É surpreendente que os receptores de sabor também possam ter relação com a imunidade, declara ele.

Os “superdegustadores” têm superpoderes?

Na Universidade de Yale, na década de 1990, a psicóloga Linda Bartoshuk foi pioneira no estudo das variações genéticas na percepção do paladar. Ela cunhou o termo “superdegustador” para descrever os 25% das pessoas que são extremamente sensíveis aos sabores amargos. Outros 25% das pessoas são “não degustadores” que quase não detectam sabores amargos, e os 50% restantes são apenas “degustadores” — aqueles que percebem o amargor, mas não em um grau desagradável.

Os superdegustadores são mais sensíveis aos sabores amargos porque têm até quatro vezes mais papilas gustativas na língua. Compostos amargos em certos alimentos e bebidas são reconhecidos pelos receptores de sabor do tipo 2, que são produzidos por um grupo de genes denominado T2R. O gene T2R38 está entre os mais estudados deles. Variações na estrutura da proteína T2R38 que o gene codifica se correlacionam com a tolerância de uma pessoa a compostos amargos — como feniltiocarbamida e propiltiouracila — que são abundantes em muitos vegetais, incluindo brócolis, repolho e couve-de-bruxelas.

Essa não é a primeira vez que se associa o fato de ser um superdegustador a uma condição médica. Os superdegustadores têm maior probabilidade de ter pólipos no cólon, um fator de risco para câncer associado à menor ingestão de vegetais amargos.

Mas os superdegustadores também podem apresentar vantagens fisiológicas. As proteínas T2R38 também são encontradas em outras partes do corpo além da língua. Essas áreas “extraorais” incluem as células epiteliais que revestem o nariz e o trato respiratório superior, onde respondem aos patógenos invasores.

Um estudo de 2012 liderado por Noam Cohen, rinologista da Universidade da Pensilvânia, no estado da Filadélfia, descobriu que as bactérias responsáveis pelas infecções dos seios nasais, ou sinusites, ativam os receptores da proteína T2R38 nas células que revestem o trato respiratório, fazendo com que produzam óxido nítrico. O óxido nítrico é um componente fundamental da nossa resposta imunológica, a primeira linha de defesa contra patógenos invasores. Ele estimula estruturas semelhantes a fios de cabelo, denominadas cílios, nas passagens respiratórias que removem partículas estranhas e patógenos do organismo. Desta forma, os superdegustadores apresentam menos sinusites bacterianas.

Barham, que estuda T2Rs relacionados à imunidade inata no trato respiratório, também estava ciente de que o óxido nítrico poderia combater o Sars-CoV, um coronavírus (relacionado ao Sars-CoV-2 que causa a covid-19) relatado pela primeira vez na Ásia em 2003 e que causou uma doença respiratória que se disseminou por 22 países antes de ser contida. Tal fato o levou a investigar se existe uma relação entre a covid-19 e os superdegustadores.

Estudo com um gosto amargo para não degustadores

A equipe de Barham estudou mais de 1,9 mil adultos, dos quais 266 testaram positivo para o Sars-CoV-2. Os não degustadores foram significativamente mais propensos do que os degustadores e superdegustadores a apresentar resultados positivos para o Sars-CoV-2, necessitar de internação após serem infectados e sofrer os sintomas por mais tempo. Entre as pessoas com covid-19 grave que necessitaram de internação, 86% eram não degustadoras. Menos de 6% dos superdegustadores testaram positivo para o Sars-CoV-2.

Barham também especula que a possível conexão entre T2Rs e a covid-19 pode estar relacionada ao motivo pelo qual as crianças geralmente são menos suscetíveis ao vírus. O número de “receptores de sabor diminui com a idade, o que possivelmente explica por que a população idosa parece apresentar um quadro pior do que os mais jovens”, explica Barham. Por outro lado, a maioria das crianças, que têm mais T2Rs, apresentam sintomas ou estados menos graves da doença quando infectadas pelo Sars-CoV-2. “Os 25% das crianças que são não degustadoras apresentam poucos ou nenhum desses receptores T2Rs, resultando em sintomas potencialmente mais graves”, conta ele.

Segundo Aronoff, o estudo tem limitações. O número relativamente baixo de adultos examinados estava em uma faixa etária bastante estreita, portanto, não se sabe se a correlação entre as preferências de sabor e a gravidade da covid-19 existe em crianças ou idosos. Além disso, ele afirma que a população estudada pode diferir de maneiras desconhecidas que influenciaram os resultados.

Haverá testes de paladar relacionados à covid-19? 

Ser capaz de determinar rapidamente quem apresenta maior risco de contrair o Sars-CoV-2 seria uma ferramenta valiosa quando a sociedade não estiver mais em quarentena. As descobertas de Barham sugerem que o teste de paladar pode fornecer uma maneira segura, rápida e barata de categorizar as pessoas em grupos de risco para contrair o novo coronavírus e outras infecções.

“Neste ponto, os resultados deste trabalho são prematuros para nos ajudar a gerenciar a covid-19 clinicamente”, adverte Aronoff. “Mas os resultados podem impactar nossa compreensão do que torna as pessoas mais ou menos vulneráveis a infecções como a covid-19.” Aronoff enfatiza que superdegustadores não devem interpretar de forma exagerada essas conclusões: “pessoas que odeiam brócolis não devem evitar a vacinação”, alerta ele.

Danielle Reed, diretora associada do Monell Chemical Senses Center, na Filadélfia, também adverte contra a interpretação exagerada dessa descoberta. Reed, que estuda diferenças genéticas no paladar e no olfato, realizou o teste genético no estudo de Barham, mas se recusou a ser incluída como autora porque interpretou os resultados de maneira diferente.

Reed aponta que a análise de Barham não levou em consideração a “perda geral do paladar, que é uma característica inicial e característica da covid-19”. Como resultado, ela acredita que alguns pacientes “foram categorizados incorretamente como não degustadores”. Além disso, os genes T2R não foram identificados como correlacionados com a gravidade da covid-19 em uma análise genômica independente.

Reed salienta que os testes de paladar para ajudar a orientar o tratamento médico são “um objetivo pelo qual podemos trabalhar. Mas o primeiro passo é fazer com que o exame de paladar e olfato seja algo habitual nos cuidados de saúde, como fazemos com a visão e a audição. À medida que acrescentamos exames de paladar e olfato aos cuidados de saúde de rotina, o modo como esses sentidos predizem a saúde e o surgimento de doenças pode ser uma ferramenta útil.”

Barham concorda que mais pesquisas são necessárias e relata que sua equipe continuou coletando dados para “investigar a relação” entre os receptores de sabor e a covid-19. Ele expressa otimismo em estender o trabalho a outras doenças infecciosas. “Também estamos estudando essa família de receptores, pois eles influenciam a imunidade inata à influenza, junto com outras infecções do trato respiratório superior.”

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