Situação entre pacientes imunocomprometidos e vacinas contra covid-19 é complexa

Estudos sugerem que as vacinas disponíveis não fornecem proteção suficiente, deixando milhões de pessoas com o sistema imunológico comprometido aguardando por uma solução.

Por Tara Haelle
Publicado 25 de jun. de 2021, 12:00 BRT
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Pessoas com comprometimento do sistema imunológico não têm garantia de proteção mesmo depois de vacinadas contra a covid-19.

Foto de Federico PARRA, AFP via Getty Images

Quando Margaret Collins, geóloga de 43 anos de Fort Worth, no estado do Texas, Estados Unidos, recebeu a primeira dose da vacina da Moderna, em 6 de janeiro, ela voltou para casa e chorou.

“Finalmente eu estava vacinada”, conta ela. “Encarei esse momento como um passo de volta à vida que eu adorava.”

Collins, que se descreve como extrovertida, tornou-se uma eremita durante a pandemia de covid-19. Ela e o marido raramente saíam de casa e, quando saíam, sempre usavam máscara. Sua cautela tem justificativa, já que ela sofre de um distúrbio autoimune generalizado que inclui hepatite, artrite psoriásica, vitiligo e diabetes tipo 1. Collins também é particularmente vulnerável à covid-19 porque passou por um transplante de pâncreas e rim em 2014 e toma três medicamentos que suprimem seu sistema imunológico para evitar que o corpo rejeite esses órgãos. No entanto as vacinas se baseiam em sistemas imunológicos com capacidade total.

Desde que a FDA (Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos) autorizou a primeira vacina contra a covid-19, pessoas com o sistema imunológico comprometido vivem em meio à incerteza, esperando para descobrir se a vacinação pode protegê-las ou qual será o grau de proteção conferido a elas. Os ensaios clínicos das vacinas quase não incluíram pessoas imunocomprometidas, pois sua participação pode interferir na determinação da eficácia da vacina para a população geral,  o que forneceu poucos dados a respeito do que a vacinação significa para esse grupo. Agora os estudos mais específicos estão chegando.

“Estamos começando a descobrir algumas coisas, mas antes  a quantidade de coisas que não sabíamos era muito maior”, comenta Peter Martin, hematologista e oncologista da Faculdade de Medicina Weill Cornell, na cidade de Nova York.

É difícil avaliar o número de pessoas com sistema imunológico comprometido nos Estados Unidos. Um estudo estima que 2,8% das pessoas com plano de saúde privado fazem tratamento com medicamentos supressores do sistema imunológico — cerca de nove milhões de norte-americanos. Mas isso não inclui os pacientes do Medicare ou Medicaid (sistema público de saúde dos Estados Unidos), que têm algum quadro clínico que requer imunossupressão, afirma a autora do estudo, Beth Wallace, reumatologista da Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan. Também não inclui pessoas imunocomprometidas, mas que não fazem uso de supressores do sistema imunológico.

Desde o início da pandemia, Collins se preocupava como seu organismo reagiria à vacina. Mas quando ela leu posteriormente um estudo sobre receptores de transplantes de órgãos, o qual constatou que essas pessoas apresentavam baixos níveis de anticorpos após a primeira dose da vacina de mRNA, ela entrou em pânico.

Mesmo tendo sido vacinada e usando máscara, ela se perguntava: “será que estou segura? Fiquei muito assustada”.

Um estudo de acompanhamento indicou que cerca de metade dos transplantados respondia à vacina, mas isso não a tranquilizou. “Era basicamente tirar cara ou coroa com uma moeda”, lamenta Collins. Mas um pequeno estudo publicado recentemente oferece uma certa esperança.

Após duas doses da vacina de mRNA, 30 transplantados com nenhum ou poucos anticorpos receberam uma terceira dose, embora não necessariamente da mesma vacina que haviam recebido primeiro. Seis pessoas com baixos níveis de anticorpos acabaram desenvolvendo níveis maiores e, um quarto das outras, que nunca haviam respondido à vacina contra a covid-19, desenvolveram níveis de anticorpos considerados altos o suficiente para prevenir a covid-19 após a terceira dose.

Mas esse estudo tem limitações significativas: é muito pequeno e envolve várias combinações de vacinas diferentes. Além disso, a FDA não autorizou uma terceira dose e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) atualmente desaconselham essa prática. Os autores concluíram que suas descobertas sugerem a necessidade de mais estudos para testar a aplicação de uma terceira dose em pessoas cujo sistema imunológico não se encontra em pleno funcionamento.

Uma população diversa

Pessoas imunocomprometidas se enquadram em duas categorias amplas: ou apresentam uma doença subjacente que debilita o sistema imunológico, como portadores de leucemia, HIV não controlado ou uma doença genética rara, ou têm uma doença subjacente que requer terapia imunossupressora, como receptores de transplante de órgãos e pessoas com doenças reumáticas (doenças inflamatórias, autoimunes) ou determinados tipos de câncer. Algumas enfermidades, como leucemia linfocítica crônica e lúpus, se enquadram em ambas as categorias.

Os fatores que podem influenciar a resposta de uma pessoa à vacina incluem a medicação sendo tomada e seu efeito, a duração do tratamento, sua doença específica e histórico de infecção. Para receptores de transplantes de órgãos, o tempo transcorrido desde o transplante também pode ser importante.

“Por isso, é muito importante que pessoas com essas doenças que causam imunossupressão conversem com um especialista sobre sua situação específica porque há uma grande variabilidade”, relata Aaron Richterman, pesquisador de doenças infecciosas da Faculdade de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia, sobre como pessoas imunocomprometidas podem avaliar o risco de infecção após a vacinação.

Até o momento, as evidências são confusas

A grande variedade de doenças e medicamentos que debilitam o sistema imunológico é uma explicação do motivo pelo qual as respostas às vacinas contra a covid-19 são tão diferentes. Até o momento, as evidências mostram que transplantados, determinados pacientes com leucemia e pessoas que tomam vários medicamentos específicos têm a pior resposta à vacina. Os medicamentos que parecem associados à pior resposta incluem micofenolato e belatacepte (para evitar a rejeição de órgãos transplantados), rituximabe (para tratar alguns tipos de câncer sanguíneo e doenças autoimunes, como artrite reumatoide) e metotrexato (para tratar uma ampla gama de tipos de câncer e doenças autoimunes).

Por exemplo, o estudo de transplante de órgãos que Collins leu constatou que apenas 54% dos 658 receptores de transplantes de órgãos tinham anticorpos após duas doses da vacina de mRNA, principalmente se estivessem em tratamento com um medicamento como o micofenolato. Um estudo semelhante com 609 receptores de transplante de rim determinou que metade tinha anticorpos detectáveis após a vacinação de mRNA, por outro lado, apenas 5% dos que tomavam belatacepte desenvolveram anticorpos. Os transplantados produziram ainda menos anticorpos em resposta à vacina de dose única da Johnson & Johnson.

Estudos em pessoas com doenças autoimunes demonstraram, de forma semelhante, que a resposta à vacina geralmente depende do medicamento específico com o qual estão sendo tratados.

Em um estudo com 404 pessoas com doença reumática que receberam as duas doses de uma vacina de mRNA, quase todos apresentaram anticorpos detectáveis, mas pacientes que tomavam rituximabe ou micofenolato apresentaram níveis muito baixos. Por outro lado, todos que fazem tratamento com anti-inflamatórios denominados inibidores do fator de necrose tumoral (TNF, na sigla em inglês) para tratar doença de Crohn ou artrite reumatoide ou psoriásica, apresentaram fortes respostas de anticorpos.

Outro estudo (pré-publicação) com 133 pessoas teve resultados semelhantes: os níveis de anticorpos eram 1/50 mais altos em pessoas que tomavam rituximabe, um medicamento que intencionalmente suprime linfócitos B produtores de anticorpos, como em pessoas com sistemas imunológicos em pleno funcionamento. Pacientes que recebem determinadas quimioterapias, medicamentos para artrite reumatoide ou prednisona — um esteroide que trata inflamações — também tinham níveis mais baixos de anticorpos.

Pessoas com alguns tipos de leucemia ou linfomas, em especial linfoma não Hodgkin e leucemia linfocítica crônica, também não produzem muitos anticorpos após a vacinação, embora as pessoas com a maioria dos outros tipos de câncer apresentem respostas melhores. Esse fato é particularmente preocupante, pois algumas pessoas com LLC não sabem que têm a doença, afirma Mounzer Agha, autor do estudo e diretor do Centro Mario Lemieux para Câncer Sanguíneo no Centro Médico da Universidade de Pittsburgh.

Esses são apenas uma amostra dos estudos que investigam diferentes doenças e medicamentos imunossupressores, mas todos são pequenos, fornecendo apenas algumas informações sobre essas enfermidades ou terapias específicas.

“O que importa é a quantidade de imunossupressão recebida, quais agentes são administrados e, possivelmente, a duração do tratamento”, relata Dorry Segev, cirurgião de transplantes e pesquisador da Faculdade de Medicina Johns Hopkins, autor dos estudos de transplante de órgãos e diversos outros mencionados.

Mais do que apenas anticorpos

Além disso, esses estudos se concentram somente na resposta de anticorpos, que é apenas um componente da resposta imune.

“Acreditamos que os níveis de anticorpos podem estar correlacionados à proteção clínica até certo ponto”, alega Richterman. Mas, segundo ele, mesmo em pessoas saudáveis não sabemos quais são os níveis mínimos de anticorpos necessários para garantir a proteção. Uma vez que o significado dos níveis de anticorpos é ambíguo, a FDA e o CDC não recomendam o teste de anticorpos porque não está claro como os resultados devem ser interpretados.

“As respostas imunológicas e a eficácia de uma vacina são duas coisas diferentes”, informa Emily Blumberg, diretora da Unidade de Doenças Infecciosas Pós-Transplante da Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia, no estado da Filadélfia. “Acreditamos que vacinar pacientes [transplantados] pode gerar um benefício além do que se pode medir com anticorpos.”

Isso ocorre, em partes, porque as vacinas induzem imunidade de várias maneiras. Uma delas é estimular os linfócitos B a produzir anticorpos, o que explica por que medicamentos que reduzem os linfócitos B — como rituximabe, metotrexato, micofenolato e esteroides — resultam em respostas tão ruins. Mas as vacinas também podem estimular os linfócitos T exterminadores, que atacam as células infectadas, e os linfócitos T auxiliares, que ajudam os linfócitos B e linfócitos T exterminadores.

“Nossa compreensão do que está acontecendo em relação aos linfócitos T é praticamente nula”, lamenta Segev. Estudar as respostas dos linfócitos T é difícil e caro, acrescenta ele, embora seu grupo e outros estejam pesquisando esse assunto.

As vacinas também podem desencadear a produção de linfócitos B de memória, que lembram como produzir anticorpos. “Se uma pessoa contrair o vírus e houver células de memória, poderá ter uma resposta de anticorpos melhor e mais rápida da próxima vez”, explica Ignacio Sanz, chefe de reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Emory. Ele acredita que a presença de linfócitos B de memória pode explicar em parte por que uma terceira dose de vacina levou à produção de anticorpos em transplantados sem respostas anteriores.

A única maneira de descobrir a eficácia das vacinas em pessoas imunocomprometidas é aguardar os dados que comparam as infecções entre vacinados e não vacinados em diferentes grupos de imunocomprometidos, e isso leva tempo.

Qual o próximo passo?

E o que tudo isso significa para as milhões de pessoas que não sabem se estão protegidas pela vacina, principalmente após a orientação do CDC de quem tiver sido totalmente vacinado pode deixar de usar máscaras?

Por enquanto, “seja vacinado e aja como se não tivesse sido vacinado”, aconselha Segev. Mas essa é uma mensagem difícil de passar adiante.

“Uma das consequências não intencionais [dessa mensagem] é alimentar a hesitação em relação à vacina em pacientes que dizem: ‘por que eu deveria me vacinar se não vai adiantar nada?’”, indica Blumberg.

Um estudo de fevereiro de 2021 com mais de 1,2 mil pessoas com doenças autoimunes constatou que mais da metade queria ser vacinada, e um terço estava incerto, apesar de estudos mostrarem que as vacinas são seguras para portadores de doenças inflamatórias.

Alfred Kim, reumatologista da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington que conduziu um dos estudos em pessoas com doença reumática, concorda que pode ser confuso aconselhar os pacientes a se vacinarem sem poder garantir que isso os protegerá, mas “mesmo uma proteção parcial é melhor do que nenhuma proteção”, esclarece ele.

Isso gera outro problema: com que grau de segurança as pessoas com imunidade comprometida podem sair em público, mesmo depois de vacinadas?

“As diretrizes do CDC presumem que todos têm responsabilidade social, o que infelizmente não é o caso”, lamenta Agha.

“As máscaras funcionam, mas funcionam melhor se todos as usarem”, afirma Segev. “Se houver uma pessoa com uma alta capacidade de transmissão andando por uma loja e disseminando a variante Delta por todo o estabelecimento, e no mesmo local houver um paciente transplantado imunossuprimido que está fazendo de tudo, se vacinou e ainda está usando máscara, mesmo assim esse paciente ainda corre risco.”

Embora os pacientes imunocomprometidos sempre tenham sido mais suscetíveis a infecções, mesmo antes da pandemia, agora há muito mais questões envolvidas.

“Com a gripe, não era uma grande preocupação porque os pacientes sobrevivem à influenza mesmo quando ficam bastante doentes”, explica Mounzer. “Com a covid-19 é outra história. Existe um risco real de morte devido à doença.”

Em um mundo sem o uso de máscaras, isso faz com que mesmo a ida supermercado seja mais complicada — e perigosa — para pessoas imunocomprometidas.

“Como sociedade, acredito que temos a obrigação de criar estratégias para evitar que essas pessoas fiquem gravemente doentes, para que possam reingressar na sociedade como o restante de nós”, afirma o hematologista Martin. “Eles estão tão preparados quanto qualquer outra pessoa para voltar à vida normal, mas é assustador estar na posição deles.”

Blumberg aconselha seus pacientes a incentivarem amigos, familiares e colegas de trabalho a se vacinarem. “Se todos se vacinarem, diminuirá o vírus em circulação para infectá-los”, esclarece ela.

Isso é exatamente o que Collins, a transplantada vacinada do Texas, está fazendo. Mas ela tem amigos e parentes que se recusam a ser vacinados, e isso a assusta, não apenas por si própria, mas também por outros familiares e amigos imunocomprometidos.

“Se atingirmos a imunidade coletiva, não precisarei me preocupar tanto”, comenta Collins. Mas ela não acha que o país alcançará esse marco, “o que é assustador para pessoas como eu”.

Se a responsabilidade social não motiva as pessoas a se vacinarem, também existe a questão das novas variantes. As evidências sugerem que as pessoas cujo sistema imunológico não responde adequadamente à infecção podem proporcionar um ambiente ideal para mutações, explica John Moore, microbiologista e imunologista da Faculdade de Medicina Weill Cornell, em Nova York. “Ocorre muita replicação viral no organismo dessas pessoas e por períodos prolongados”, conta Moore. “A replicação do vírus em um indivíduo com baixo nível de anticorpos pode levar ao surgimento de variantes que são problemáticas do ponto de vista social, então esse não é um problema simples.”

Em outras palavras, proteger os membros mais vulneráveis da sociedade é, em última análise, a melhor maneira de proteger toda a sociedade.

“Esses são os pacientes que serão uma fonte contínua de infecção na população”, diz Blumberg. “Se não protegermos esses hospedeiros imunossuprimidos, teremos mais dificuldade para controlar o vírus.”

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